A propósito de religioso - e ironia...
O discurso religioso retrocede para o estético sempre que agradece a Deus a fortuna que o mundo lhe dá. Dizer-se que se está com Deus e que isso tem dado frutos é uma expressão estética: que se esteja bem casado ou que a carreira floresça são determinações estéticas e, religiosamente, é indiferente. Agradecer a Deus a riqueza ou a saúde - e nisto é indiferente querer tanto que não passar fome seja pouco, ou querer tão pouco que baste a saúde - é uma expressão estética que ilude se pretende ser religiosa. Porque se se agradece a riqueza ou a saúde por que se agradece a Deus? Será porque só Deus sabe se é para nós um bem a saúde ou a riqueza, ou porque sabemos nós o que para nós é um bem? Será que agradecemos a Deus porque só Deus nos interessa ou agradecemos-lhe porque nos foi útil ao dar-nos saúde ou riqueza? Será que realmente estamos na relação com Deus e no resto por acidente, ou será que estamos essencialmente no mundo e queremos de Deus o que dá jeito no mundo?
Na Grécia Antiga havia uns senhores que andavam de ilha em ilha levando pessoas e uma vez uma jovem foi buscar junto ao mar pelo seu futuro esposo. Encontrou lá a Sócrates a quem perguntou por ele. Sócrates, como só ele o poderia fazer seriamente, disse então que o navegador não sabia realmente o que fazia. A jovem, admirada, perguntou por que dizia ele isso - ao que Sócrates respondeu, como só ele o poderia fazer ironicamente, que o navegador não sabia o que fazia porque não sabia, quando levava homens de ilha em ilha e os descarregava em terra e lhes pedia as moedas, se não teria sido melhor deixá-los morrer em mar, pois que, na verdade, não podia o navegador saber se pior destino não os acolheria a nova ilha ou a cidade que os esperava... A jovem, na sua ingenuidade, ou talvez porque a fama de Sócrates precedesse a Sócrates, riu. Pois, que deveria ela fazer se não rir singelamente da ironia de Sócrates: dizendo a verdade como se fosse uma piada!
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