αἴτιος / αἰτία - causa; responsável; causa responsável, o que foi responsável por um acontecimento. Note-se que utiliza-se aqui o termo responsável sem pressupor uma acção humana. O termo αἰτία surge indiferentemente, da mesma forma que se pode dizer: "o Primeiro-Ministro é o responsável pela situação em que nos encontramos"; "um meteorito foi responsável pela extinção dos dinossauros". Ver Platão, Protágoras, 352d-e.
ἀπάλαμνος
– sem mãos; incapaz; fraco; defeituoso; improcedente, infrutífero; de
baixo nível, desprezível. Cf. Homero, Ilíada,
V, 597-599: ὡς δ᾽ ὅτ᾽ ἀνὴρ ἀπάλαμνος ἰὼν πολέος πεδίοιο / στήῃ ἐπ᾽
ὠκυρόῳ ποταμῷ ἅλα δὲ προρέοντι / ἀφρῷ μορμύροντα ἰδών, ἀνά τ᾽ ἔδραμ᾽ ὀπίσσω.
“Como um homem sem mãos, caminhando
por uma grande planície estacou junto a um rio que corria fluindo para o mar,
ao vê-lo rugir com espuma, retrocedeu correndo”. Aqui o termo parece ser usado
para referir uma incapacidade devida
a uma insuficiência ou deficiência do sujeito (que não tem mãos), resultando numa impossibilidade
(atravessar a corrente forte do rio que surge no caminho). Não tem qualquer
sentido ético pois designa uma incapacidade objectiva e observável do indivíduo
em causa. No entanto, o contexto em que aparece permite uma comparação com
qualidades de carácter (Homero compara Diomedes que retrocede perante o furor
das tropas inimigas, a um homem sem mãos que retrocede perante as águas rápidas
de um rio). Um de carácter fraco, sem coragem é um homem sem mãos. Cf. Alceu de Lesbos (séc. VII-VI a.C.), frag. 360: ὠς γὰρ
δήποτ' Ἀριστόδαμον φαῖσ' οὐκ ἀπάλαμνον ἐν Σπάρται
λόγον
/ εἴπην, χρήματ' ἄνηρ, πένιχρος δ' οὐδ' εἲς πέλετ'
ἔσλος οὐδὲ
τίμιος. “Dizem que certa vez Aristodamos proferiu uma sentença não improdutiva: o homem é o
seu dinheiro, pois o valor e a honra abandonam o que se tornou pobre.” Entendemos
que Alceu pretende afirmar que aquilo que Aristodamos disse faz sentido e que é útil prestar-lhe atenção. O dito de Aristodamos não é despiciendo.
O termo ἀπάλαμνος parece aqui significar inútil,
vácuo, sem sentido, sem utilidade
– desprezível no sentido em que se
pode, sem prejuízo, não prezar. Assim, quando Alceu diz que a sentença em
questão não é desprezível quer assinalar que é digna de nota. Cf. Sólon (séc. VII-VI a.C.), frag. 19 Diehl, 11: Τῇ δ᾿ ἕκτῃ περὶ πάντα
καταρτύεται νόος ἀνδρός, / οὐδ᾿ ἕρδειν ἔθ᾿ ὁμῶς ἔργ᾿ ἀπάλαμν᾿ ἐθέλει. “No sexto período da vida a compreensão do
homem está treinada em todas as coisas / e já não tem tanta vontade de fazer
trabalhos desadequados”. É difícil
perceber o alcance completo do termo nestes versos. Pode designar aqueles
trabalhos sem sentido e sem futuro que os jovens tantas vezes
procuram, ao contrário dos que já treinaram o seu entendimento e que, por isso
mesmo, estão habilitados a desinteressar-se de actividades inúteis,
improdutivas. Pode querer dizer que, nesta idade, os homens já não perdem tempo
em diletantismos começando inúmeros trabalhos que jamais terminam, ou seja, que
ficam inacabados. Pode querer dizer que, chegados a esta idade, os homens já
não perdem tempo a considerar trabalhos que são irrealizáveis, impraticáveis,
impossíveis. Ou pode fazer referência a todas essas características das
actividades que os mais jovens preferem (a inutilidade, a criancice, a
impossibilidade) – neste sentido Sólon afirma que nesta idade os homens já não
estão para brincadeiras nem para sonhos vãos, mas ocupam-se apenas daquilo que
é profícuo, útil, com uma finalidade e um caminho em vista desse
atravessamento. Por outro lado, pode designar o carácter vil ou reprovável –
embora nada nos obrigue a considerar esta hipótese. Na verdade, tanto quanto
podemos afirmar Sólon está apenas a afirmar que, estando agora a compreensão do
homem treinada em todas as coisas, este se encontra menos predisposto a fazer o
que não é preciso, a realizar o que não é útil, a fazer coisas desnecessárias
ou a deixar imperfeitas as tarefas começadas. O homem de entendimento treinado
tem vontade de cumprir bem e sem mácula as tarefas que lhe calham. Cf. Simónides
(séc. VI-V a.C.), PMG 542: <ἐμοὶ ἀρκέει> μήτ' <ἐὼν> ἀπάλαμνος εἰ- / δώς τ' ὀνησίπολιν δίκαν
/ ὑγιὴς ἀνήρ. “É suficiente para mim que não seja desprezível e conheça o uso proveitoso para a cidade”. Nestes
versos Simónides parece referir-se a qualquer característica negativa do
carácter. Apesar disso, é discutível que se refira a uma característica da
vontade. Contudo, parece-nos que é esse o caso. Simónides parece estar a falar
de algo que depende do querer do sujeito: de entre as várias possibilidades de
actuação, aquele que é desprezível prefere, escolhe e pratica as menos dignas.
Cf. Píndaro (séc. VI-V a.C.), Odes
Olímpicas, II, 57-58: ὅτι θανόντων μὲν ἐνθάδ᾽ αὐτίκ᾽ ἀπάλαμνοι φρένες / ποινὰς ἔτισαν. “Que aqueles de
corações fracos que tenham morrido aqui na terra, imediatamente saldem a
dívida”. Embora a noção de julgamento post
mortem não vincule necessariamente a noção de bem e mal como nós os
entendemos hoje, nestes versos de Píndaro está presente, claramente, uma
consideração ética. Aquele que age bem ou mal será julgado em concordância
depois da morte – seja o que for que Píndaro queira dizer por bem e mal. Os que
têm corações fracos colocam-se em dívida. Independentemente de saber se Píndaro
acreditava que a fraqueza de coração poderia depender do querer de cada um, ou
se cada um estava por toda a vida ligado à força ou à fraqueza com que houvesse
nascido – independentemente de saber isso, Píndaro lança por intermédio destas
palavras um repto, um incentivo, na verdade um aviso aos fracos. Cf. Eurípedes
(séc. V a.C.), O Ciclope, 696-698: πέτρας
τὸ λῆμα κἀδάμαντος ἕξομεν. / χώρει δ᾽ ἐς οἴκους πρίν τι τὸν πατέρα παθεῖν / ἀπάλαμνον: “Teremos uma vontade de
pedra ou aço! Avança para casa antes que o meu pai sofra alguma contrariedade“. A noção aqui presente
em ἀπάλαμνον pode ser comparada ao papel do rio no trecho da Ilíada. Nesta, o rio é uma contrariedade
que aquele que é contrariado não está em condições de vencer. Na passagem de
Eurípedes o Coro (na verdade, representando os sátiros) pede a Ulisses que
avance antes que algo de mal aconteça a Sileno (a quem os sátiros chamam pai).
O
termo ἀπάλαμνος abrange um horizonte bastante largo de significados. O sentido
decisivo parece ser o de desprezível.
Contudo, como se viu pelos exemplos citados, só o contexto pode determinar o
sentido mais conveniente.
ἀρχή - [arkhé] origem; fonte original; começo;
princípio constitutivo; o primeiro lugar, a regra geral, a fonte da lei, a
magistratura. Com efeito, parece também ser aplicada no sentido de poder ou governo - ver Aristóteles, Política, 1284b 30: "παραπλήσιον γὰρ κἂν
εἰ τοῦ Διὸς ἄρχειν ἀξιοῖεν, μερίζοντες τὰς ἀρχάς" - "seria o mesmo que reclamar governar Zeus dividindo os seus poderes", ou "seria o mesmo que reclamar o direito a ser primeiro que Zeus partilhando com ele o princípio". De resto, o verbo ἄρχω significa tanto ser primeiro como governar. Cf. μοναρχία [monarkhia]: governo de um só, monarquia. A ideia decisiva é a de precedência, não necessariamente de um ponto de vista cronológico. Difere de αἴτιος/αἰτία - ver Aretaeus, Melancolia, In De causis et signis
diuturnorum morborum, I, 5: "οὔ τινι ἐπ᾽ αἰτίῃ, μελαγχολίης ἀρχή" - "sem qualquer causa manifesta, assim é o começo da melancolia". A diferença entre ambos os conceitos é reforçada na possibilidade que os gregos reconheciam de um começo vir a dar-se sem causas evidentes, sendo que a ausência desta evidência se mostrava, precisamente, no começo que se evidenciara. Pode evidenciar-se um começo sem se evidenciarem causas.
Καιρός / καῖρος – tempo
oportuno, momento favorável; oportunidade, ocasião; momento propício,
tempo como na expressão “é tempo de fazer a colheita”. Os antigos
tinham vários termos que usavam para se referirem àquilo que os nossos
contemporâneos referem pelo termo tempo.
Por outras palavras, distinguiam diferentes tempos.
Ver, por exemplo: ELIADE, Mircea, Tratado de História das Religiões, Asa
Editores, Rio Tinto, 2004, 5ª edição, p. 481 s. O termo καιρός designa aquela
noção muitas vezes identificada no termo do sânscrito ksana (vide idem, Imagens e Símbolos, Martins Fontes, São
Paulo, 1996, 1ª ed., 2ª tiragem, pp. 76-79, 166-172. Nesta noção estão em jogo
as ideias de momento favorável a uma
execução, tempo próprio de uma
actividade, tempo dedicado,
vocacionado, destinado, doador de sentido.
O momento oportuno é a hora propícia, tempo de plenitude, de realização, de
consumação. O momento favorável não é repetível, acontece e, ou é capturado,
cumprido, ou desperdiçado – com consequências tremendas para quem recebeu e
para quem deixou escapar a oportunidade. Não se trata, portanto, de um tempo cronológico, de um continuum de momentos vazios preenchidos com o que de cada vez é o
caso. Não. Neste sentido, o καιρός não é um tempo
histórico, mas as consequências que advêm da forma como é aberto são
avassaladoras para aquilo que doravante será o caso. O tempo cairótico não é um
tempo banalizado, vulgar, à-mão de semear: pelo contrário, exige ao humano um
modo próprio de como se acercar dele. Sendo um tempo de cumprir, é um instante de
plenitude, doador de sentido, que enforma tudo o que se foi e o como do que
se vai ser. É um momento de revelação, de aclaramento, de esclarecimento do ser
consigo mesmo: um momento doado, uma luz dispensada que chega e, como um
relâmpago, se espraia pela vida enquanto totalidade. Perder o momento é, neste
sentido, perder a vez de ser o que se tinha desde sempre, e para sempre, para
ser. Significa que no καιρός o sujeito tem a oportunidade de se cumprir, de ser
em conformidade consigo mesmo, tanto quanto possível, sendo que esta
conformidade extravasa o próprio tempo cronológico. Desta forma pode dizer-se
que o tempo cairótico é atemporal: fonte de sentido, de compreensão, espraia-se
e toca o mundo da vida, faz vibrar a vida num vibração querida, sempre
desejada. Não interessa se (tentando falar do momento cairótico como se fala do
tempo cronológico) essa conformação, essa homogeneidade entre sujeito e mundo, passa. Pois no momento em que é
cumprindo-se a si mesmo o sujeito cumpre-se na vida, realiza-se, faz vida:
ilumina o caminho percorrido e a percorrer. Neste sentido, καιρός é instante de
iluminação, momento pelo qual vez luz ao mundo, tempo de ganho. Mas na noção de
καιρός está patente essa amplitude que vai do ganho absoluto à perda total: do
resgate, à falência de si; da iluminação, da salvação, à escuridão, à
condenação. Porque o tempo cairótico exige um trato adequado, uma apropriação
do que está em causa naquilo a que diz respeito. Ora, a utilização comum do
termo καιρός respeita, precisamente, ao tempo próprio de uma determinada coisa,
o qual exige um manuseamento. Nas colheitas, como na vida, há um tempo propícia
destinado a cada tarefa. E este tempo é oportunidade, é abertura, é portanto
transporte: que se pode apanhar ou não, que se pode saber abrir ou não. Na
noção de καιρός está compreendido este sentido de medida adequada, trato devido,
devida proporção, porção bem medida, aptidão. Na verdade, o momento oportuno exige o conhecimento da
natureza daquilo a que diz respeito. Cada coisa tem o seu tempo, e cada coisa
deve ser cuidada de uma maneira própria. Importante para perceber o termo καιρός
é o uso que dele foi feito na medicina.
Na lida em vista ao tratamento de uma doença mortal há um momento crítico em
que está indeciso o que virá a ser o caso: a morte ou a cura. Esse momento é o
momento certo, irrepetível, em que um tratamento específico, por exemplo uma
certa solução, deve ser ministrada com vista a obviar a doença. Perder esse
momento ou, de qualquer forma, não executar os procedimentos propícios da
devida maneira, implicará a morte do paciente. A vida do paciente está em jogo,
indecisa, dependente do trato adequado, do manuseamento devido. Esse momento é
único, mas também fugaz: urge. A urgência do καιρός era um aspecto sobejamente
reconhecido pelos gregos, mas deixamos aqui apenas uma citação (Píndaro, Odes Píticas, IV, 286): “Ὁ γὰρ καιρὸς πρὸς ἀνθρώπων βραχὺ μέτρον ἔχει”
(o momento
oportuno é, para o humano, uma medida curta). Quem sabe não adia uma decisão,
não protela uma acção, mas também não precipita um projecto, não antecipa um
agendamento. Adiar e precipitar são modos de deitar a perder a oportunidade.
κατασκευὴ τοῦ βίου - construção da vida; produto da vida. A expressão
"κατασκευὴ τοῦ" aplica-se a algo que é produzido por outra
coisa, sendo que se distingue daquilo que o produz. Diferente dos ramos de uma
árvore, por exemplo, o ovo é produzido pela galinha, tornando-se um ente
diferente. O ovo é exterior à galinha.
ναυσία - o mesmo que ναυτία: enjoo, enjoo causado pelo mar; asco, repugnância; má-disposição; desgosto. Νόσος: má-disposição; enfermidade, doença; maleita, moléstia, praga. Cf. Homero, Ilíada, I, 9-10: "ὃ γὰρ βασιλῆϊ χολωθεὶς νοῦσον ἀνὰ στρατὸν ὄρσε κακήν" - "Irritado contra o rei incutiu no exército uma doença perversa"; Emílio Güemes verte por: "Contra el rey irritado, una peste maligna a sus huestes mando" - In Ilíada, Editorial Gredos, Madrid, 1996; Vicenzo Monti traduz assim: "Irato al Sire destò quel Dio nel campo un feral morbo". Cf. Sófocles, Édipo Rei, 960: "πότερα δόλοισιν ἢ νόσου ξυναλλαγῇ;" - "por ardil ou na sequência de doença?"; Maria Z. Fialho traduz por: "Como? Por uma conjura ou na sequência de alguma enfermidade?", In Rei Édipo, Edições 70, Lisboa, 1995; Sir Richard Jebb verte por: "By treachery, or from illness?"; outra tradução possível em inglês: "By treason or through sickness". Cf. Hipócrates, De prisca medicina, I: "ἐς βραχὺ ἄγοντες τὴν ἀρχὴν τῆς αἰτίης τοῖσι ἀνθρώποισι νούσων τε καὶ θανάτου" - "quem apoucar o princípio responsável por levar as doenças e a morte aos homens". Cf. Pseudo-Hipócrates, Do Senado e do povo de Abdera a Hipócrates: "ὡς καὶ τὰ ἀγαθὰ περιττεύσαντα νοῦσοι τυγχάνουσιν" - "como até o bem que ultrapassa o limite se torna doença"; Littré verte para: "comme le bien même, quand il va dans l'excès, se tourne en maladie". Ver também Xenofonte, Banquete, IV, 37: "καὶ πάνυ οἰκτίρω τῆς ἄγαν χαλεπῆς νόσου" - "e tenho muita pena deles pela sua grave doença". O que está em causa é, portanto, uma enfermidade, uma espécie de perversão, mais ou menos grave, que incapacita, que impossibilita, que no limite impossibilita definitivamente. Contudo, não se refere necessariamente a uma condição física. Cf. Píndaro, Odes Píticas, IV, 293-294: "ἀλλ᾽ εὔχεται οὐλομέναν νοῦσον διαντλήσαις ποτὲ οἶκον ἰδεῖν" - "Mas suplica que, quanto tiver bebido até às borras da doença maldita, um dia veja a sua casa"; António Caeiro verte assim: "O seu pedido de sempre é que, depois de ter suportado a doença mortal, possa um dia voltar a ver a sua casa" - In Odes, Quetzal editores, Lisboa, 2010; Diane Svarlien traduz da seguinte forma: "But he prays that at some time, when he has drained to the dregs his cup of ruinous affliction, he will see his home"; Faustin Colin interpreta: "Il souhaite, après avoir subi une mortelle infortune, de revoir enfin ses foyers". A doença em causa neste passo de Píndaro é a dor do regresso, à qual chamamos nostalgia, termo que, embora não tenha sido cunhado pelos gregos, é formado por termos gregos (νόστος-: regresso; -ἄλγος: dor).
οἰκουμένη - terra habitada; porção da terra que é habitada; territórios
habitados pelos helenos por oposição às terras dos bárbaros; durante o Império
Romano correspondia aos territórios habitados por súbditos do Imperador; de
forma mais geral pode designar toda a terra ou todo o mundo; pode ainda
significar a totalidade dos habitantes do mundo. O significado decisivo é de habitat, de horizonte de familiaridade, por oposição ao inóspito, desconhecido e estranho.
παιδεία - educação,
formação; treino do espírito, cultivo da alma tendo em vista a virtude ou a
excelência. Tem origem em παῖς, que significa criança ou menino,
sendo o verbo originário παίω: atingir, ferir com um
único golpe; bater, bater com uma verdasca - cf. Ev. Mateus, XXVI, 68: "Προφήτευσον ἡμῖν, Χριστέ, τίς ἐστιν ὁ παίσας σε;" ("Ó Messias, se és profeta, adivinha quem te bateu!"). O
verbo παιδεύω referia-se a educar, formar; ensinar as crianças; castigar,
admoestar, dar ensinamento. Os termos παιδεία e παιδεύω parecem
ter derivado do diminutivo de παῖς: παιδίον, criancinha. O termo παιδεία é complexo, difícil de definir, junta significações tão importantes
como: educação, cultura, civilização, civilidade, tradição, literatura, escola,
conjunto de normas (Direito e Ética/Moral). Sem se deixar identificar com
nenhuma delas engloba todas essas significações. Por este motivo, muitos
autores preferem utilizar o termo grego παιδεία, ou vertê-lo para
caracteres latinos (paideia, paidéia), em vez de o traduzir. De qualquer forma, o latim
desde o século II a.C., com Varrão, Aulo Gélio, Cícero, que utiliza o
termo humanitas num sentido semelhante a παιδεία. De facto, humanitas apresentava
dois sentidos: a) o cuidado humanitário; b) a formação do homem tendo em vista a sua excelência, a sua essência, o que é
adequado ao seu modo particular de ser. Portanto, humanitas era a educação do homem de acordo com a sua verdadeira natureza, elevando-o a uma forma nobre. Moldar, modelar o humano, tornando-o naquilo que ele deve ser,
adequando-o ao destino do seu ser, não através de um adestramento em nome de
objectivos exteriores, mas reflectindo uma consciência e uma vontade de
excelência do próprio ser que se torna naquilo que de melhor tem para
ser. Está implícita uma certa imagem de homem, de natureza (ou de essência)
humana, ou se quisermos, um certo modelo é utilizado - um modelo que implica a
criação de um tipo de homem formado para a sua excelência, para levar a vida da melhor forma
possível. Neste sentido não há uma mera adaptação do homem ao meio, mas uma
modelação do humano de acordo com a sua forma mais excelente. De modo muito
simples podemos dizer que se pretende tornar cada homem no melhor humano que
ele pode ser. Assim, devemos ainda ter em consideração este sentido de
"humanismo" na noção de παιδεία, tendo o devido cuidado de
distinguir "humanismo" de "humanitarismo", bem como de
"individualismo". Deve ainda ter-se o cuidado de preservar a noção
grega da contaminação subjectivista, sendo que para os Gregos a παιδεία
era comunitária, por assim dizer, fruto de uma consciência e
de uma vontade colectiva de ter mão na definição do
próprio destino: reflectia a consciência da pertença a um todo, a uma
totalidade a qual era doadora de sentido e definidora da posição de cada um.
Portanto, neste espírito consciente de formação estava pressuposta uma vontade
de esclarecer as leis profundas que regem o humano e uma intenção clara de
derivar delas as normas que cada um deverá seguir. Por outro
lado, também ficou já claro que a παιδεία também não é uma noção
gregária: na verdade, incorpora em si a constituição do humano como ideia.
A educação é uma modelagem, no início e na maioria das vezes
automática, dos indivíduos pela sociedade. Mas a παιδεία revela a sua
extraordinária peculiaridade na consciência que os Gregos tiveram
desse processo, na vontade e no esforço sistemático de intervirem deliberadamente nesse processo que, noutros povos era,
sobretudo, inconsciente. Como consequência disso, a παιδεία incorpora um questionamento da
forma adequada e uma intenção clara de modelar a partir da forma excelente. Verdadeiramente,
a παιδεία implica um ideal de humano - que, por sua vez,
implica uma reflexão profunda sobre a natureza e o destino humano.
πλάττω (πλάττειν) - modelar. Respeita à acção do oleiro sobre o barro dando-lhe forma. Na República, 377 B, Platão utiliza este verbo para se referir à idade em que se é "tenro", altura em "que se é modelado". O termo alemão Bildung designa habitualmente "educação, formação", mantendo a remissão a "forma" em Bild, utilizado para dizer "imagem, figura". Portanto, o termo grego pode ser relacionado com os termos bilden e formar.
ὑπομονή - paciência; impassibilidade, imperturbabilidade, impavidez; firmeza, constância, perseverança. Termo que provém de ὑπομένω, remanescer, ficar para trás, suportar (com bravura e calma). Por sua vez ὑπομένω provém de ὑπό e μένω. O sufixo ὑπό- transmite a ideia de por, sob, debaixo de, para debaixo de, e que está na origem de termos portugueses como hipogástrico, hipobulia, hipoglicemia, retendo o sentido de dimuição, por baixo de. Μένω significa manter-se, permanecer, continuar, aguentar. A noção de ὑπομονή aparece, por exemplo, em Aristóteles, Ética a Nicómaco, 1104b1: "ἐθιζόμενοι γὰρ καταφρονεῖν τῶν φοβερῶν καὶ ὑπομένειν αὐτὰ γινόμεθα ἀνδρεῖοι, καὶ γενόμενοι μάλιστα δυνησόμεθα ὑπομένειν τὰ φοβερά", com o sentido de resistência - "habituando-nos a desprezar e a resistir a coisas que são terríveis tornamo-nos corajosos, e é nessa altura que estaremos melhor preparados para resistir às coisas terríveis". António Caeiro verte a expressão da seguinte forma: "tornamo-nos corajosos habituando-nos a menosprezar situações terríveis e ao resistir-lhes" - In Ética a Nicómaco, Quetzal Editores. O sentido é o de aguentar, suportar, resistir face às coisas que, pela sua natureza, metem medo. Trata-se de um termo comum na Bíblia (aparece pelo menos 31 vezes), tornando-se muito importante na reflexão teológica e soteriológica cristã. Uma das passagens ficou muito conhecida e podemos destacá-la: Lucas, XXI, XIX: "ἐν τῇ ὑπομονῇ ὑμῶν κτήσεσθε τὰς ψυχὰς ὑμῶν" - na vossa paciência adquirireis as vossas almas. A Vulgata verte para: "In patientia vestra possidebitis animas vestras". A Bíblia de Lutero apresenta: "Fasset eure Seelen mit Geduld". A tradução dada pela KJV (King James Version) é: "In your patience possess ye your souls". A NAS (New American Standard Bible) traduz: "By
your endurance you will gain your lives". Desta forma, o termo ὑπομονή referia originalmente uma virtude militar, característica daqueles que não abandonam o seu posto mesmo quando sob ataque serrado e sem perspectivas de vencer as hostes inimigas. Realça a resistência daqueles que permanecem onde é preciso lutando contra a adversidade. Qualquer tradução do termo ὑπομονή deve reter e reforçar esta ideia de persistência, de resistência. Neste contexto há duas ressalvas a fazer: ao verter-se o termo grego para o português paciência deverá ter-se em atenção que ὑπομονή não é a simples manutenção de uma situação em que o sujeito se encontra enfadado. A paciência envolvida pela noção de ὑπομονή não é uma capacidade de persistir em circunstâncias ou em lidas aborrecidas, nem de manter ocupações ou diálogos sem interesse e sem sentido. Por outro lado, a noção de ὑπομονή deve distinguir-se da coragem em geral como relacionamento que se adopta face a entes que metem medo e contra os quais é possível agir, ainda que para isso seja necessário resistir ao medo. A paciência pode ser considerada uma forma de coragem enquanto é uma resistência às coisas medonhas, mas é uma forma peculiar de coragem, de resistência. A paciência é concebida, enquanto ὑπομονή, como a coragem particular que é necessária nas situações em que a adversidade não pode ser obviada. Não se trata de resistir ao medo da adversidade para poder evitar a adversidade, mas de resistir perante a adversidade que não pode ser evitada. Perante situações adversas desta natureza falamos de ὑπομονή como a paciência que suporta toda a adversidade, ainda que nada possa ser feito para diminuir a adversidade em causa. Neste sentido, a paciência é antes de mais um relacionamento do humano consigo mesmo enquanto este se relaciona com a adversidade inevitável aguentando-a de forma imperturbável. A paciência é claramente distinguível da característica daquele que se deixa abater, que desiste, em vez de resistir.
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