quarta-feira, 16 de julho de 2014

Construir e edificar

A propósito de edificação...

Cada vez mais o nosso mundo está obcecado com a construção, quer horizontal quer vertical. Construir, construir, construir... mas não lhe interessa, de facto, edificar! Pois para edificar exige-se uma construção peculiar, específica: que a construção se eleve a partir do fundamento, que a elevação corresponda integralmente à profundidade.

O auto-engano em Descartes

A propósito de auto-engano...

"E tal como um escravo que goza em sonhos de uma liberdade imaginária logo que começa a desconfiar que a sua liberdade não é mais do que um sonho teme ser acordado e conspira, com as suas ilusões agradáveis, para continuar a ser enganado, assim também eu recaio insensivelmente por mim mesmo nas minhas antigas opiniões e refreio-me de me acordar desse adormecimento com medo de que a vigília laboriosa que sucederia à tranquilidade desse repouso, em vez de me fazer chegar alguma clareza e alguma luz no conhecimento da verdade, não seja suficiente para esclarecer as trevas das dificuldades"

Descartes, Meditações, Primeira Meditação

Neutralização

A propósito de finitude...


"[...] por um peculiar condicionamento do nosso ponto de vista, essas novas perspectivas, mesmo quando se impõem numa evidência, mesmo quando percebo que a realidade a que se reportam é tão real quanto a que tenho efectivamente apresentada, tende, apesar disso, a não ter o mesmo grau de impacto que aquilo que naturalmente me está dado. De tal modo que até quando claramente compreendo e homologo que as coisas são assim, como nessas perspectivas se aponta, isso não invade, tende a não invadir o meu campo numa incontornável imposição de si, num prendimento ao facto que manifesta. Notícia, que é, do remoto, a apercepção dos horizontes não tidos tende a conservar-se, não obstante a sua evidência, ela própria algo de remoto, que não move, não "faz frente" ao nosso ponto de vista."
Mário Jorge de Carvalho, Problemas Fundamentais de Fenomenologia da Finitude, pp. 753





"um sujeito pode perfeitamente «perceber» um enunciado e mantê-lo, ainda assim, muito longe de ter significado PARA A SUA VIDA"
Nuno Ferro e Mário Jorge de Carvalho (in Kierkegaard, Adquirir a Sua Alma na Paciência, p. 266) (destaque com maiúsculas meu)


"Nenhum enunciado pode, por si mesmo, obrigar o leitor a despertar para o facto de que, quando lê, tende para o adormecimento da sua própria situação."
Nuno Ferro e Mário Jorge de Carvalho (in Kierkegaard, Adquirir a Sua Alma na Paciência, p. 266) 

terça-feira, 8 de julho de 2014

Sobre o REI está a MORRER, de IONESCO

A propósito da vida


O humano procura o máximo em cada fôlego, quer respirar vida em cada compasso. E nessa ânsia de usufruir da vida, de a aproveitar para viver, o humano não escapa ao mesmo de tudo. O último acto é a morte, e na vida nunca se chega realmente a viver.

para quê?



Comeria eu e beberia, só para poder voltar a ter fome e sede e comer e beber, até que a sepultura aberta sob os meus pés me tragasse e eu mesmo brotasse do solo como alimento? Geraria eu seres iguais a mim mesmo, para também eles comerem e beberem, e morrerem, e deixarem atrás de si seres como eles, que hão-de fazer o mesmo que eu já fiz? Para quê este círculo que continuamente torna a si, este jogo que sempre recomeça do mesmo modo, em que tudo passa-a-ser para perecer e perece para passar-a-ser de novo, tal como já foi; [para quê] este monstro incessantemente a devorar-se a si mesmo, para poder voltar a gerar-se, e a gerar-se, para poder de novo devorar-se?

FICHTE, Die Bestimmung des Menschen, trad. N. Ferro e M.J. Carvalho (a tradução surge em KIERKEGAARD, Diapsalmata, p. 57, numa nota da autoria dos tradutores)
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