quinta-feira, 31 de maio de 2012

"Sobrenatural", a série

A propósito do "que interessa"...

Na sexta temporada de Sobrenatural, Sam não possui alma - encontra-se sem alma e não sabe muito bem o que ele próprio é.

Fisicamente, ele permanece igual ao que sempre foi. Entretanto, o seu raciocínio e manejo conceptual desenvolveu-se forma exponencial. Na verdade, ele é agora exímio na caça, não apresentando os problemas morais de outrora.

Independentemente das nossas crenças enquanto espectadores, interessa perceber o papel da alma na série. Não quero dizer que a alma existe na realidade, nem que, se de facto existe, tem a função ou o papel desempenhado na série. Não. Estou a reportar-me exclusivamente à série.

Sam não tem alma. Na série isso significa que ele é incapaz de reconhecer o bem e o mal e conceder-lhe uma importância objectiva. Na verdade, a ideia da série é que Sam possui apenas a capacidade racional. Ora, não interessa vermos se a série é radicalmente fiel a este aspecto, pois parece-me que é feito um esforço sincero para colocar em cena uma personagem a-moral. Por isso, há de facto comportamentos e raciocínios que Sam faz que só poderia fazer se, e apenas se tivesse uma qualquer noção de bem e de mal. Mas não sejamos tão minuciosos, pois o fundamental está em perceber as diferenças que radicalmente distinguem Sam, sem alma, de Dean e de todos nós em geral.


Num episódio, Dean é raptado. Sam não encontra nada ao seu alcance que possa ser feito, por isso vai para a cama com uma rapariga bem bonita. Entretanto, Dean consegue regressar e encontra Sam na cama com a rapariga.

Dean tenta, pois, explicar a Sam que não é compreensível dedicar-se à prática do sexo quando o seu irmão (ele, Dean) foi raptado por sabe-se lá que entes estranhos... Mas Sam não percebe o argumento: pois, se nada há que se possa fazer, de que adiantaria ficar em casa a chorar o facto de ter ficado sem o irmão? Dean diz-lhe que a sua atitude mostra que ele não se preocupa com nada.

Sam, de forma muito reveladora, pergunta: "Mas devo preocupar-me exactamente com o quê?"

Esta questão é muito importante, e se a colocarmos de facto, de forma intelectualmente sincera, ela pode dar-nos dores de cabeça bem sérias. Estou a falar de colocar a questão a sério. Não vale responder-lhe apenas: "devemos preocupar-nos com a família" - pois então teríamos ainda de perguntar (se sermos honestos for nosso objectivo): "porquê?"

Então iremos perceber que, seja qual for a nossa resposta, poderemos sempre perguntar: "porquê?" Talvez assim se entenda que Aristóteles tenha dito que nós não deliberamos sobre os fins, mas tão só sobre os meios para os fins.

Normalmente, os filósofos mais ou menos honestamente procuram estabelecer uma rede de questionamento racional sobre este assunto. Ou, pelo menos, alguns filósofos foram suficientemente sinceros para admitirmos que tentaram. Bem, não foram tantos como isso, mas podemos referir Nietzsche e Aristóteles - embora com uma complexidade que não interessa aqui desvendar.

Enfim, os filósofos que empreenderam esta tarefa, não raramente, acabam chocando na "felicidade" ou em "Deus". Há muitas formas diferentes de acabar em Deus ou na Felicidade, mas o que quero dizer é que, normalmente, no fim da cadeia de questionamento, de sucessivos porquê's, os filósofos espetam com Deus ou com a felicidade, na tentativa última e desesperada de validar toda a série de respostas.

Quando à colocação de Deus no final da série, existe uma questão que evidentemente se poderia colocar: mesmo que esta seja a vontade de Deus, por que razão eu devo segui-la, mesmo quando a sua vontade não seria o meu desejo? Esta pergunta impõe-se por ela mesma: nem sempre eu concordo com aquilo que é a vontade de Deus. Os crentes modernos eliminam esta questão afirmando que, na verdade, ninguém sabe o que Deus pensa. Assim, sempre que a religião, ou a Igreja afirmam qualquer coisa com a qual o crente moderno não concorda, este defende-se dizendo que a Igreja deve estar errada. No fundo, aquilo que o crente afirma é: eu penso que X está errado, logo Deus deve pensar como eu!

Existe uma presunção imensa nesta pensamento, mas o que aqui nos interessa é outro aspecto: mesmo quando se aceita que X é a vontade de Deus, um humano pode discordar seriamente. O livro de Job constitui uma boa oportunidade de reflectirmos sobre esta importante observação: eu posso discordar de Deus. Logo, a série de respostas à sucessão de porquê's não deve terminar em Deus. A afirmação de que Deus existe não constitui uma legitimação, por si mesma, para aquilo que seja a Sua vontade, mesmo que admitindo que nos seja possível saber qual seja a sua vontade.


Quando à colocação da Felicidade no final da série, normalmente o leitor toma o problema por resolvido. É mais ou menos consensual que todos queremos ser felizes. Esta observação é uma constatação de tal forma generalizada que obscurece um outro facto muito importante: nenhuma constatação tem, por si mesma, qualquer significado existencial próprio. Ou seja, a constatação de que o ADN humano é muito semelhante ao de um chimpanzé não tem significado existencial nenhum. Não significa um mais nem um menos naquilo que o humano, enquanto tal, é. Claro que a constatação parece impor uma determinada interpretação, mas na verdade é a nossa compreensão, com base naquilo que previamente sabíamos, que agora interpreta a nova constatação. Ou seja, o facto de haver uma nova constatação cria a ilusão de que se faz uma nova interpretação, quando na verdade é o mesmo sistema compreensivo que estabelece uma interpretação para o novo dado, sem realmente avaliar as consequências que este dado deveria ter, ou não ter, sobre o sistema compreensivo anterior à sua descoberta.

Enfim, o que isto tudo quer dizer é tão simples como o seguinte: o facto de que todos desejam ser felizes (e, para efeitos desta análise, assumimos aqui que isso possa ser verdade e assumimos que é verdade) não mostra, mas sobretudo não prova que o humano deva ser feliz, nem mostra, mas sobretudo não prova que o humano deve preferir aquilo que o fará feliz àquilo que o fará infeliz. Claro que há uma preferência sensível daquilo que me faz sentir bem, tal como há uma preferência sensível entre o que me sabe bem, e o que me sabe mal, mas isso não significa que o doce seja preferível ao amargo. O facto de X ter mais probabilidades de me vir a tornar feliz não faz do facto X um facto preferível a qualquer outro. Pois, quando eu digo que prefiro X a Y, porque X me faz feliz, estou a presumir que ser feliz é aquilo que importa: mas, precisamente, é aquilo que importa que estava em questão. Ou seja, porquê?, por que é que eu devo preferir aquilo que me faz feliz?


Curiosamente, Sam, livre de qualquer preceito moral, vê como evidente que aquilo que o faz sentir bem é preferível. Isto, se podemos assim falar de uma série televisiva, mostra uma coisa, mas apenas isto: que nós temos uma balança interior, íntima, profunda, radical, que pesa, avalia as coisas segundo a forma que elas nos dispõem. Contudo, como já disse, isso não mostra, mas sobretudo não prova que essa balança é a balança correcta. O livro do Ecclesiastes constitui uma boa oportunidade para colocarmos este problema. O facto de algo nos alegrar, nos fazer sentir bem, enfim, de, em última análise, nos fazer felizes, significa que isso é bom, é correcto, é preferível? E, ainda mais fundo do que isso devemos perguntar (e se o fizermos de forma honesta, sem subterfúgios em definições, em conceitos que apenas conseguem ocultar a possibilidade desta pergunta, então veremos que nos dará dores de cabeça): ainda que se aceite um conjunto de máximas como definindo o que é BOM/BEM, ou correcto, ainda que soubéssemos, sem conflitos internos, aquilo que é verdadeiramente BOM/BEM, por que é que deveríamos fazer isso em vez de alguma coisa qualquer? Se alguém nos disser: "eu sei que é correcto não roubar, mas vou roubar na mesma" - qual é a ponte que liga uma observação, ainda que moral, ainda que no domínio dos conceitos, à acção? Porque há sempre um salto.

Há portanto dois questionamentos fundamentais nesta série de episódios de "Sobrenatural":

1.º Seja o que for que se diga que é o Bem, ou o Mal, o Bom, ou o Mau, o que é que me permite dizer que isso é o Mal, o Bom, ou o Mau? Porquê é errado matar? - por exemplo?


2.º Seja o que for que se diga que é o Bem, ou o Mal, o Bom, ou o Mau, o que é que me permite dizer que é isso que tenho que fazer? Por que é que o devo deve ser interpretado como um tenho que fazer?

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Heraclito, frag. B 112


A propósito de coração...

σωφρονεῖν ἀρετὴ μεγίστη (de Heraclito, frag. B 112 (parcial)

Podem-se trilhar pelo menos dois caminhos de tradução:


1) Σωφρονεῖν: compreender com o coração - "compreender com o coração é a maior excelência". I.e.: o que há de mais excelente é compreender com o coração.


2) Σωφρονεῖν: ser sensato - "Ser sensato é a maior excelência". I.e.. o que há de mais excelente é ser-se sensato.

"Com o coração" é maneira de dizer algo mais do que aquilo que está literalmente expresso. No grego, o verbo σω-φρονεῖν faz referência ao diafragma (ou a uma qualquer víscera provavelmente relacionada com a respiração).

Mas, em português, como se entenderia a expressão "sentir com o diafragma"?

Contudo, "sabemos bem" o que é "sentir com o coração". Não é com certeza uma dor no miocárdio, o prenúncio de um enfarte maldito. Encontramos na vida pessoas sem coração, poucas com um coração muito grande, algumas que nos fazem tremer o coração. O coração bate descompassadamente quando alguém especial nos dirige uma palavra que é como um punhal, ou quando alguém predilecto nos oferta uma palavra doce e desejada.

Mas o que é "compreender com o coração"? Σωφρονεῖν remete-nos para φρήν (diafragma, i.e., coração) e trás à colacção o verbo νοεῖν (compreender). Mas "compreender" em grego, como em português, é complexo.

Quem é compreensivo comigo é para mim uma pessoa sensível. Compreender é encontrar sentido, e quem compreende é sensível à palavra do outro, mas também aos seus próprios padecimentos. Compreender o outro, ser capaz de o entender, sentir com ele é uma forma de compreensão (εὔνοια). Compreendo bem os problemas do outro, ou não os compreendo de todo, ignoro-o, desleixo-me, demito-me.

Compreender com o coração é uma coisa de vivos, não de mortos. Os mortos são frios. Sem vitalidade não há entendimento. O coração frio é aquele que não bate por nada, no qual a vida se esgotou. Homero diz que os mortos são sopro, e o sopro é frio (em grego alma, sopro e frio confundem-se), como fumo, imagem apenas, sem coração (ἀφραδέες).

Sem coração (ἀφραδής). Sem vida. Frio. Fumo. Sopro.

Traduzir ἀφραδής por insensato não nos deixa perceber o que têm os mortos que ver com isso. "Os mortos insensatos" - quê?, quem?

Mas compreendemos que os mortos não tenham coração? Esperaríamos que eles nos viessem aconchegar?

Sem coração significa sem consistência. Os mortos de Homero choram, balbuciam, queixam-se com saudade da vida, desejam voltar, pedem notícias de quem ainda se passeia pela terra. Os mortos não têm resistência, estão desfeitos pela impossibilidade do regresso. São apenas fantasmas do que foram. Não manifestam vitalidade, antes se lamentam continuamente.

Cumpre lembrar que o coração, para os romanos, era a sede da cor-agem. "Cor" é coração, também sede da sensibilidade, da sabedoria, da emoção, do sentimento...

terça-feira, 29 de maio de 2012

"Como ser num mundo vazio de sentido?"

A propósito da pergunta pelo sentido e da sua aparente inutilidade



"Como ser num mundo vazio de sentido?"

Uma pergunta fundamental que não se mostra importante até se abater sobre uma pessoa e aterrá-la sob os escombros do mundo inóspito em que já não se habita.

Habitualmente, tudo se passa como se se sobrepusesse à questão "o que é existir?". Parece quase sempre que há coisas "realmente" importantes a questionar, em vez disto...

Contudo, por vezes todo o habitual resvala no nada, e a pergunta interroga-nos mais fundo que qualquer ocupação, mais intimamente que qualquer negócio, como se nos atravessasse fundo onde já não somos "nós" e nos ferisse de urgência...

Esses momentos são decisivos, tão decisivos que levaram Camus a dizer "o único problema verdadeiramente filosófico é o suicídio". Nesses momentos, a questão existencial mostra a sua importância quando tudo o mais resvala, não cumpre a sua função de bóia, e o humano, que passou a vida toda ao lado da questão "o que é existir?", como se fosse mera banalidade, afunda-se no NADA.

sábado, 26 de maio de 2012

Será possível provar a existência de Deus?

A propósito de,

Tomemos este exemplo de argumento:
AàB
A
Então, B.
Isto é, se A implica B, e A acontece, conclui-se B.
Também podemos dizer: se A cria B, e tenho A, então B foi criado (por A).


Se Deus existe como criador, então tudo o que existe é, em última análise, efeito ou consequência de Deus.

Ora, se tudo é efeito da criação divina, então, seja o que for que se observe na criação nada se pode concluir sobre Deus.

Tenta-se provar, por vezes, a existência de Deus a partir da existência do mundo. Ora, isto é um equívoco. Da afirmação do consequente não se deduz a afirmação do antecedente. Ou seja, nessa suposta prova pretende-se inverter a relação lógica como se se pudesse dizer “se existe mundo, então existe Deus”, quando aquilo que podemos de facto dizer é que “Deus é criador do mundo”. 

Se Deus é “p” e o mundo é “q”, então o que posso logicamente dizer é “pàq”. Esta é a relação lógica entre Criador e Criatura: Deus implica Mundo.

Mas, neste caso, ainda que saibamos que existe mundo, não podemos afirmar Deus, pois da afirmação do consequente não se retira a afirmação do antecedente.
Então eu posso afirmar com segurança que, se não existisse mundo, Deus não existiria, mas que dado que existe mundo, então não sei se existe Deus. Ainda assim, se Deus existir, então Deus criou o mundo.

Eu não posso fazer mais do que afirmar:

pàq

Eu não posso afirmar que p. Contudo é isto mesmo que se tenta fazer para provar que Deus existe. Ao pretenderem deduzir a existência de Deus a partir da existência do mundo, estão a assumir, sem provas prévias, a existência de Deus, quando é isso mesmo que estão a tentar provar.

Conclusão: existindo mundo, este pode ter vindo de qualquer parte.

O Filósofo e as Paixões

A propósito de um livro sobre a natureza humana

O Filósofo e as Paixões é um livro de Michel Meyer, editado em Portugal pelas Edições ASA, e traduzido Sandra Fitas.

Trata-se de um livro muito interessante. Traça a evolução da concepção da natureza humana ao longo dos séculos, na sociedade ocidental, tendo como ponto de análise a compreensão das paixões, desde a Antiguidade.

"No fundo, razão e paixão não é mais do que ruína da alma".

As paixões, no entanto, tendem a ser vistas como grilhões capazes de acorrentar o sujeito a uma determinada perspectiva deturpada acerca do que se passa... "mas para quem vive na paixão, isso não constitui uma escravatura".

A análise do problema da natureza humana, nomeadamente da dicotomia entre racionalidade e paixão, tão entranhada na filosofia ocidental, é a colocação duma questão que "me implica directamente", e que "me implica directa ou indirectamente em tudo o que existe."

"Viver a nossa paixão é viver a nossa temporalidade", mas como saber quando estamos a viver o máximo que nos é pedido, e como saber quando não estamos a incorrer em erro, a correr numa ilusão óptica?

Quando olhamos para trás largámos o momento de que temos consciência para nos encontrarmos num outro momento de consciência. Ter consciência de um erro não elimina a hipótese de se estar num outro erro. "A paixão torna-se a verdade da consciência, ela aceita ou não aquilo que «sentia», consoante as circunstâncias."

Mas se amar é amar amar (Santo Agostinho), não haverá uma propensão para tomar aparência como uma clareza das coisas? Se amo amar, há uma propensão para amar aquilo que amo, de tal modo que é difícil ficar livre para identificar a "verdade" do que amo.

Mas não podemos decidir os nossos fins, apenas podemos decidir sobre os meios para alcançar os nossos fins. Não podemos decidir aquilo de que gostamos, podemos apenas decidir como obter o que gostamos.

Não há, então, nada a fazer? Estamos presos nos fins que se impõem?

Podemos, é certo, investigar isso mesmo que "nós queremos". Não podemos decidir aquilo que amamos, mas podemos investigar-nos a nós mesmos à procura daquilo que verdadeiramente amamos...

"Os homens não gostam de colocar a si próprios demasiadas questões" - o que parece ser um entrave à busca de uma boa vida, realmente boa. Pois a "paixão é, e continua a ser, aquilo que trata o problemático como se estivesse resolvido"...

Mas é porque o problema da natureza humana desde sempre parece ter acompanhado o ser humano, e sempre parece impor-se a cada um dos humanos como questão própria, pessoal e intransmissível, que este livro pode ser extremamente útil. Pelo problema que aborda, pelas questões que levanta, pelas inúmeras soluções que explora de entre as que foram colocadas ao longo da história da humanidade... Porque a filosofia é um constante diálogo com aqueles que foram antes de nós.

Do sentido da vida

A propósito de ausência de sentido e o sentido disso...


‎"Se a vida não tem um sentido, então..."

Seja o que for que se siga às reticências é apresentado como fundamentado na "falta de fundamento":

"Se a vida não tem um sentido, então valia mais não ter nascido. A vida não tem sentido. Logo, valia mais não ter nascido."

A ausência de sentido adquire sentido (neste caso, negativo: não haver sentido na vida parece querer dizer alguma coisa, a saber, que valia mais não ter nascido).

Mas o que está verdadeiramente em causa é saber SE:
1) A vida não tem sentido (pode acontecer que apenas ainda não se tenha revelado);
2) A ausência de sentido pode ter algum sentido;
3) Ainda que a ausência de sentido tenha um sentido, este sentido é aquele que é proposto no argumento em causa (pode acontecer que o sentido da ausência de sentido seja a necessidade de criar sentido, pois parece que o próprio argumento indicado "cria" um sentido na falta de sentido, ainda que crie negativamente).

Da legitimidade para acreditar.

A propósito de legitimação da crença...


Há argumentos a favor da existência de Deus.

“Se esses argumentos forem válidos e as suas premissas verdadeiras, então segue-se que Deus existe necessariamente.”

Esta premissa pode apresentar-se assim:

p --> q

Se ocorrer p (os argumentos a favor da existência de Deus são sólidos), podemos concuir q (Deus existe).

Mas se  não ocorrer p (~p), não poderemos concluir ~q (Deus não existe). Pois, da negação do antecedente (p), nada se conclui.

Assim, ainda que se mostre que nenhum argumento a favor da existência de Deus é sólido, Deus pode logicamente existir.

O mesmo vale para a ciência, com uma diferença importantíssima: a ciência não deve colocar hipóteses que não sejam testáveis.

Assim: a ciência não pode afirmar que pode explicar tudo, porque nenhuma teoria testável foi proposta até ao momento que tenha a capacidade para explicar tudo. As teorias que explicam tudo (das cordas, M) não são testáveis, as testáveis (M. Quâtica, Relatividade) não explicam tudo cada uma por si.


Ora:
Se os argumentos que provam a não-existência de Deus forem sólidos, Deus não existe.

Mas tudo o que posso almejar é mostrar que o mundo físico pode explicar tudo sem necessitar de Deus. Não há nenhuma prova propriamente dita da não existência de Deus. Contudo, ainda que a ciência possa explicar tudo sem necessidade de assumir Deus como criador, Deus pode existir.

Nada intramundano pode ter força sobre Deus, a não ser que Deus não seja Deus, todo poderoso, independente de qualquer materialidade. Mas se Deus é Deus, então o Universo pode começar e acabar sem que isso possa interferir no ente Deus. A ideia é:
Deus pode (ou não) interferir no mundo, criar ou destruir o mundo, etc.
O mundo não pode interferir em Deus, nem criar nem destruir Deus.
Deus está fora da lei da causalidade, nenhuma causa pode agir sobre ele, nele não pode ocorrer nenhum efeito do mundo.
Nada no mundo pode provar alguma coisa sobre Deus. Porque se o pudesse, ter-se-ia que admitir uma causalidade do mundo sobre Deus.

Pode objectar-se que o mundo é um efeito de Deus, e que muitas vezes podemos saber a causa de um efeito apenas pelo estudo deste. É, de facto, assim que funciona a ciência forense. Analisam-se os efeitos como constituindo provas.

Aqui esconde-se uma inversão lógica, como se da afirmação do consequente se pudesse obter a afirmação do antecedente. Todavia, não é isso que acontece na ciência forense.

O que o investigador faz é procurar "indícios" de causas para os efeitos observáveis. Por exemplo: dos vestígios de gasolina pode assumir a hipótese de fogo posto, porque é sabido que a gasolina é uma causa de fogo. Com uma combinação assaz eficiente de indícios, o detective pode estabelecer um mapa de hipóteses acerca das causas do crime, desde a presença de um suspeito, até aos motivos que ele tinha.

Pode assumir-se isso no mundo em relação a Deus? Pode. Pode, de facto, aceitar-se isso e aceitar-se que Deus possa existir com base em indícios. O que não é possível é o contrário, a saber, provar que Deus não existe.

Mas, então, é possível provar que Deus exista?

Não, o que se pode fazer é estabelecer causas prováveis, entre as quais Deus se indicará, com uma maior ou menor probabilidade, dependendo do espírito e da "imparcialidade" de quem avaliará os "supostos" indícios.

Tudo o que por via da razão e do empirismo se pode alcançar é uma probabilística de Deus...

A crença, claro está, é muito mais sincera, quando autêntica...

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Harris vs. Craig

A propósito da existência de Deus...

Mais um debate muito interessante e com elevada qualidade lógica e filosófica, abordando a existência de Deus:


 

Debate Craig & Atkins


A propósito da existência de Deus.

Debatem-se aqui as evidências da existência de Deus, e as evidências contra a existência de Deus. Muito interessante.

 Devo dizer que, como ateu, admito que Craig se manteve a um nível acima de Atkins, o qual não foi capaz de rebater os argumentos do crente de forma convincente.


 



 O que me parece evidente é que o Crente continuará a encontrar evidências de Deus onde o Ateu encontra evidências da desnecessidade, ou mesmo evidências da não existência de Deus.

 Mas, no final, ainda que tudo prove, e seja de facto provado, de algum modo empírico, lógico, válido e sólido que não posso imaginar qual seja, que Deus não existe, ainda assim Deus pode existir. Porque, precisamente, Deus estará acima de toda a nossa vã lógica e capacidade de compreender. Mas uma teoria científica ficará inválida e não pode mais ser aceite se for contradita em testes.

Portanto, mesmo que seja humanamente possível provar a inexistência de Deus, o crente pode muito bem afirmar que Deus está além e acima de qualquer prova. Isto mostra uma coisa apenas: que a religião pode estar sempre certa, apesar de toda a evidência, ao contrário da ciência que poderá estar errada. Ou seja, a Religião não é, de facto, uma teoria científica, e por isso é também legítimo perguntar se será legítimo pretender discutir religião como se se tratasse de uma teoria científica.

 Craig toca este ponto: podemos afastar-nos de tal modo em argumentos sofisticados, que na verdade perdemo-nos para o mais importante.


De qualquer forma, apesar de ateu, parece-me inadequado abordar a questão da existência de Deus como se Deus se tratasse de um ente entre outros, como se Deus fosse dotado do mesmo modo de ser que um ente intramundano.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Esboço sobre os pecados capitais

A propósito de pecados mortais...

Meramente um esboço sobre a primazia dos pecados capitais

Os sete pecados capitais são, por vezes, mal entendidos e desconsiderados.

Podemos legitimamente questionar por que a gula é pecado capital enquanto o assassínio não, mas os pecados capitais não devem ser desconsiderados - ainda que se seja não-crente.

O problema com os pecados é que levam à morte - no sentido em que quem os pratica perde a sua vida, se desvirtua.

Mas, a maior parte dos pecados que podemos pensar isoladamente são de modo a permitir, com alguma facilidade, que o perpetrador perceba o erro que cometeu, tome conhecimento de que agiu mal, se arrependa e deseje melhorar de futuro.

Uma pessoa de boa índole pode encontrar-se exposta a uma coincidência funesta de acontecimentos, de tal modo que o mal lhe surja como opção. A ocasião faz o ladrão, mas muitas vezes as circunstâncias forçam o agente, criam condições propícias ao pecado, por assim dizer.

Um bom pai de família pode ser levado a roubar, e todos nós podemos imaginar situações que nos apelariam ao assassínio. Um assassino de circunstância pode muito bem perceber que agiu mal, que não deveria ter assassinado, arrepender-se, ou mesmo que não veja outra opção que lhe fosse viável, pode comiserar-se pelo acto que praticou. A realidade está cheia de exemplos destes, e muitas vezes os outros não percebem isso apenas porque não se conseguem colocar no lugar de quem praticou o acto perverso.

Ninguém é tão forte que resista sempre a todas as calamidades sem decair. A decadência pode ser facilitada e/ou forçada. Os casos de mães que matam pelos filhos, de pais que roubam pela família são bem conhecidos.

Mas se olharmos com atenção, podemos ver por detrás de cada acto perverso um pecado mortal. O que assassina agiu provavelmente sob ira, o que roubou sob avareza... Aquele que rouba sob a avareza não é aquele que rouba apenas para matar a própria fome. Mas a ira assume por vezes um aspecto que a torna mais aceitável aos olhos humanos. Desculpamos o pai que mata o violador da filha, desculpamos a mulher despeitada que se vinga do marido. Enfim...

O problema com os pecados mortais, no entanto, não é só o facto de levarem a muitos actos perversos. A gula leva a que alguém possa roubar sem necessidade, gaste sem precisar, use abastadamente aquilo que faz falta reservar ou que poderia valer a vida de outros. Mas não é só aqui que está o problema dos pecados mortais.

O problema com os pecados mortais é que dizem respeito à própria forma como alguém compreende o mundo. Enquanto que o assassínio é um acto, mais ou menos isolado, a gula é uma forma de compreender. Aquele que está sob gula não se vê como prevaricador, tem muita dificuldade em desligar-se da própria gula para se considerar a si mesmo e à sua vida sem a gula que enforma a sua própria visão das coisas. Assim, aquele que padece de um pecado mortal, na maioria das vezes desconhece-o, não tem consciência disso, nem de qualquer necessidade de alterar o seu comportamento. Sem consciência do pecado nunca pode haver verdadeira libertação dele.

Mas o problema não fica por aqui. Os pecados mortais são de tal ordem que aquele que se deixou conduzir por eles, mesmo que mais tarde acorde e venha a tomar consciência da sua possessão (o que é muito difícil, na medida em que vê as coisas sob o prisma dos pecados mortais que o dominam), terá muita dificuldade em conseguir desligar-se deles, pois eles correspondem à própria forma da sua vida, muitas vezes criaram hábitos que se confundem com a sua própria forma de viver. Os vícios instalados sob a soberania de um pecado mortal dificilmente são percebidos, mas quando percebidos dificilmente são vencidos. Esta dificuldade, por seu lado, tende a fazer permanecer o pecador na ilusão de que nada de errado se passa com ele, de que na verdade são os outros à sua volta que não o compreendem, não o aceitam. Ou seja, a dificuldade em resistir aos vícios instalados, conjugada com os prazeres imediatos obtidos pelo gozo vicioso e com uma visão toldada pelo próprio ministério do pecado mortal - tudo isto junto, torna o agente cada vez mais resistente a qualquer mudança, a qualquer liberdade.

Por isso os pecados capitais são propriamente chamados mortais. Porque aquele que está dominado por eles se encontra sob o seu poder que retira a vida das mãos do próprio sujeito da vida. O sujeito não tem mão na sua vida, porque não tem a possibilidade de a decidir livre da própria visão imposta pelo pecado mortal, e porque a sua vida tende a ser cada vez mais completamente ocupada pelos vícios de que, ou não tem consciência de serem vícios, ou, tendo-a, não tem como deles se libertar.

A vida afunda-se e perde-se, de facto. Não se trata de uma metáfora aqui. A vida perde-se de facto. A vida não é mais sua. É uma morte contínua.

Nietzsche, compositor...

A propósito da música de Nietzsche.

De Nietzsche:

terça-feira, 22 de maio de 2012

O Universo Num Átomo

A propósito da convergência entre a ciência moderna e o Budismo


"Há uma máxima na filosofia budista segundo a qual manter um dogma que contraria a razão é minar a credibilidade de quem o faz; contrariar a evidência empírica é um erro ainda maior".
"Houve um Big Bang ou houve vários? Existe um universo ou existem muitos, ou mesmo um número infinito? O universo é finito ou infinito, como afirmam os budistas? O nosso universo ir-se-á expandir indefinidamente ou a sua expansão abrandará, e chegará mesmo a inverter-se, de tal modo que no final acabará num big crunch? O nosso universo faz parte de um cosmos que se reproduz eternamente? Os cientistas debatem estas questões intensamente."


Tendo discutido com alguns dos maiores nomes da ciência, as teorias e a recolocação moderna de alguns dos mais antigos problemas, Sua Santidade O Dalai Lama aborda neste livro, O Universo Num Átomo, muitas das mais actuais questões da ciência. Interpelando as teorias da Relatividade e da Mecânica Quântica, dialogando com a ciência actual, este livro expõe os problemas e debate as respostas, faz relações entre o que a ciência nos diz e o que o Budismo diz há milhares de anos...

Ciência e espiritualidade, Budismo, religião e ciência, crença e investigação, o novo e a tradição, sabedoria e conhecimento: este livro é, simultaneamente, um livro de divulgação científica e de divulgação do Budismo em geral, e do Budismo Tibetano em particular, tendo como autor uma autoridade, na verdadeira acepção do termo!

A sua mente lúcida, o seu espírito crítico, nada supersticioso, nada melancólico, ainda menos melodramático, trata de assumir a ciência e o seu espólio, sem espoliar a tradição da qual é o máximo representante.

sábado, 19 de maio de 2012

Esboço filosófico - o que é ser humano?

A propósito de uma definição de humano...


[TEXTO MUITO BREVE SOBRE A DEFINIÇÃO DE "HUMANO"]

O que é o ser humano?

A pergunta sobre o que seja isto de "humano" é muito antiga. Já os clássicos a colocavam e procuraram encontrar-lhe respostas.

Todos nós supomos ter uma ideia mais ou menos clara sobre aquilo que é o humano. E podemos facilmente fornecer pistas ou mesmo uma ou outra definição mais ou menos complexa.

Contudo, se começamos a pensar no assunto ele enrola-se, torce-se e retorce-se, redobra-se, embrulha-se e vão-se-nos as certezas por terra.

Mas a questão é difícil não só pelo aspecto mais evidente, o de que é difícil e complexo definir o humano, mas também porque nos é difícil perceber o que significa "definir", sobretudo quando aplicado ao ser "humano".

Porque à medida que fazemos caminho na indagação, percebemos que, para definir o "humano", nos exigimos escavações anormalmente árduas, que não seriam necessárias para definir uma galinha.

Normalmente, uma definição faz-se pela indicação do género e a junção da diferença específica. Dizendo de uma forma fácil, uma definição faz-se indicando a diferença que distingue um tipo específico (uma espécie) dos demais tipos do mesmo género. Esta forma de definição é conhecida pelo seu criador, Aristóteles, e chamada aristotélica. Mas há uma exigência nela que é muito importante: ela deve indicar a característica limitadora, essencial, fundamental, daquilo que é o ente que pretendemos definir.

Ora, há muitos tipos de definição e não cabe neste pequeno esboço considerá-las todas. Mas devemos ter em mente que uma definição deve convir ao definido e mais nada que ao definido. Ou seja, quando definimos um determinado segmento da realidade devemos fornecer uma definição tal que esta envolva todos os entes desse segmento, mas não represente nenhum ente que não pertença a esse mesmo segmento. Se eu defino o que é "mamífero", então a definição apresentada deve contemplar todos os mamíferos (não deve existir nenhum mamífero que não seja compreendido por ela), sem contemplar algum ente que não seja mamífero.
Se eu disser que "os mamíferos são animais com cabeça", então estou a dar uma definição demasiado abrangente, pois há animais que têm cabeça mas não são mamíferos. Isto significa também que o "ter cabeça" não é uma característica específica dos mamíferos. Notar que a definição, propriamente dita, é "animal com cabeça", pois a asserção "um mamífero é um animal com cabeça" já é uma proposição e enuncia um juízo, a saber, a de que os mamíferos têm cabeça.
Se eu disser que "os mamíferos são animais vivíparos", estou a dar uma definição que não é suficiente, pois o ornitorrinco é um mamífero, mas não é vivíparo.

Não interessa que aquilo que escapa à definição seja raro - se a definição deixa escapar algo, ou se, pelo contrário, envolve algo que não deveria, seja muito ou pouco, então não é uma boa definição.

Uma definição comentada desde os tempos antigos é de que "o homem é um animal bípede sem penas". É fácil mostrar que esta definição não é própria, pois há animais bípedes implumes e que não são humanos. Diógenes, de forma bem cínica, terá mesmo depenado uma galinha exibindo-a dizendo: "eis o humano".

Mas, apesar de tudo, o que é fundamentalmente insuficiente é a capacidade de tal definição para limitar, para dar os limites daquilo que faz de um ente ser humano. De facto, mesmo que não existissem cangurus, nem galinhas depenadas, a verdade é que não se poderia dizer ainda assim que o humano é "um animal bípede sem penas". É que podemos imaginar muito facilmente que um animal fosse bípede, não tivesse penas, e não fosse humano. Ser humano não tem nada que ver com ter ou não penas.

Na verdade, quando procuramos a definição de humano, pelo menos de um ponto de vista filosófico, não procuramos apenas uma característica entre outras que, pela força do acaso ou da necessidade, tenha calhado apenas ao humano. Não. Para definirmos o ornitorrinco indicaríamos apenas uma característica física específica dessa espécie, distintiva face a todos os restantes animais. Mas sobre o humano queremos saber o que é isso que significa ser-se humano. Não queremos apenas saber a diferença entre o corpo humano e o corpo do ornitorrinco, e é fundamentalmente isto que nos força a escavar mais quando se trata de definirmos o ser humano.

Todos nós concordamos que o humano é um animal. Mas o que faz do humano um animal diferente dos outros? Sabendo o que difere entre o humano e os restantes animais, resta ainda saber o que é que, sendo característica específica do humano, faz dele ser o que ele é enquanto humano. Não imaginamos que um ente fisicamente igual aos homens seja humano apenas pela igualdade física - pois não? Podemos muito bem imaginar um mundo onde os entes fisicamente idênticos aos homens que conhecemos não fossem humanos. Ou basta-nos que seja fisicamente homem para o considerarmos humano? Com um cão podemos dizer que sim. Mas a "humanidade", ou seja, essa característica que faz de um ente um humano, não é algo de físico, nem de biológico (a respeito disto recomenda-se a leitura de fábulas, bem como das Viagens de Gulliver, particularmente o país dos Houyhnhnms).

Então é disto que andamos à procura, ou é sobretudo disto: "o que faz de um ente ser humano?"

A definição mais conhecida é, suponho, a de "animal racional". Ora, esta definição tem muitas limitações, muitas falhas, mas isso não significa que seja tão má como também muitas vezes se supõe. Contudo, levanta muitos problemas, não só porque parece simplesmente adiar o problema para a definição de "racional" - pois o que é isso de ser racional? - mas ainda porque não é óbvio que a racionalidade seja essa tal característica essencial que faz de um ser um humano, ou que ela seja apenas uma consequência, ou ainda, que ela seja apenas uma coincidência. Não vamos abordar as questões mais importantes em torno desta definição, notamos apenas algumas das suas dificuldades mais fáceis: não seria possível ser-se humano sem racionalidade?; e, não sendo, não poderá acontecer que a racionalidade seja apenas uma consequência do ser-se humano, sem ser ela mesma a essência daquilo que é ser humano?; ou não poderá ser o caso de que ser racional seja uma condição sine qua non (sem a qual) não se pode ser humano, mas não uma condição suficiente para se ser humano?

O facto de todos os humanos serem isto ou aquilo, e mais nenhum ente ser isso, não significa que se encontrou a essência do ser humano (ou como quer que lhe chamemos).

Se encontrássemos outros seres racionais no Universo eles seriam necessariamente humanos?

Afinal, o que é que faz do macaco sem pêlo um ser humano?


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Ver, também: 
A Vida e a Morte Segundo Aquiles: Notas para uma Análise da Compreensão de Aquiles Acerca da Natureza e da Condição Humanas, Revista Portuguesa de Filosofia,Natureza Humana Em Questão I, 
Tomo 68, Fasc. 3, 2012, pp. 375-390


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Neste blog:

quinta-feira, 10 de maio de 2012

House: episódio 18 da temporada 8

A propósito de Ciência e Religião...

Neste episódio há um rapaz que se encontra adoentado e o House torna-se o seu médico.

Os sintomas que o afectam, e a história a que pertence, fazem com que o rapaz se torne um paciente peculiar, digno do interesse do House.

Na tentativa de curar o paciente, a equipa dos médicos engana-se várias vezes, como é normal na actividade destes médicos. O facto de errarem tantas vezes leva a mãe do paciente a começar a duvidar da "eficácia" da ciência.

No início do episódio, a mãe tem um espírito científico e sente-se ofendida quando um médico supõe que ela possa ter crenças antiquadas. É engenheira, não uma feiticeira. Mas pertence a um povo muito antigo, com crenças muito antigas.

O avô do paciente acredita nos rituais dos seus ancestrais e está convencido de que o seu neto está possuído por um espírito maligno.

Entretanto, sucedem-se os erros dos médicos, aumentando a desconfiança da família do doente. Dão-se acontecimentos estranhos, como o miúdo levitar na cama do hospital. Os olhos incautos rápido são atraídos pela sugestão do paranormal, mas o House tem uma explicação perfeitamente "racional". Segundo ele trata-se de um truque, e para o provar ele próprio executa o truque, levitando à frente de toda a equipa.

É importante que o episódio não desvende este aspecto: deixa que o espectador decida. Não é dito a quem vê o episódio se tudo se tratou de um truque, talvez orquestrado pelo avô, ou de uma acção de um espírito maligno.

Perto do final o House tem uma das suas epifanias e pensa ter resolvido o caso. Mas, depois de tantos fracassos da equipa médica, a mãe do paciente está disponível para deixar que o avô execute o ritual ancestral.

O ritual ancestral não interfere directamente com os tratamentos, de forma que não prejudica a saúde, nem os efeitos dos tratamentos médicos, por isso não há base legal para negar à família a execução do ritual. Para os médicos trata-se de um absurdo, mas a mãe prefere tentar todas as hipóteses que tem ao seu alcance para salvar o filho.

O diagnóstico do House, por sua vez, também não convence a sua equipa. As probabilidades estão contra ele. Apenas 7 pessoas em todo o mundo sofrerão da doença que o House pretende ter identificado. Isto são 7 para 7 mil milhões!!! A estatística diz que o House, muito provavelmente, está errado. Mas o tratamento que o seu diagnóstico indica resume-se à administração de um comprimido para as dores de cabeça, o qual irá ser suficiente para debelar a doença do miúdo. Este medicamento é, portanto, inócuo, sem efeitos perversos consideráveis, portanto não há razões de peso para não administrar o fármaco: não poderá ser prejudicial, mas há uma probabilidade, ainda que muito reduzida, de curar o paciente.

O House tem um entendimento diferente. Ele sabe que a família do paciente decidiu realizar o ritual. Ora, se o medicamento for administrado e curar o paciente, a família deste irá assumir que foi o ritual, e não o procedimento médico, que na verdade curou o miúdo. Por isso proíbe a sua equipa de administrar qualquer tratamento que não estejam convencidos de que irá funcionar. O House sabe que eles não confiam na sua hipótese e, por isso, na verdade está a proibi-los de administrar o medicamento que ele próprio sugeriu.

Durante a realização do ritual pelo avô, o paciente tem uma recaída e, enquanto o ritual continua, um dos médicos decide administrar o medicamento - sabendo que, mesmo no caso do House estar errado, não resultará da administração do fármaco qualquer efeito perverso.

Temos, então, esta curiosa circunstância - tal qual a previra o House: o avô cumpriu o ritual; o medicamento foi administrado; o paciente curou-se.

Perante este sucesso, os médicos tendem a considerar que foi o medicamento sugerido pelo House que curou o paciente - apesar de admitirem que a hipótese tinha uma probabilidade muito reduzida. Os familiares consideram que foi o ritual que curou o doente - apesar de se tratar de um procedimento no qual a ciência não vê um potencial real.

Um dos médicos resume: tudo o que podemos dizer é que dois procedimentos foram executados e que UM DELES curou o paciente.

Com isto, o médico está a assumir uma atitude "empirista". Mas, de um ponto de vista lógico teríamos ainda de admitir que nem sequer sabemos se a cura se deveu a um dos procedimentos executados. Poderia ter sido muito bem a intervenção de Deus, que, como muito bem se sabe, gosta de colocar a mão por baixo do menino e do borracho.

Note-se que o pensamento do avô não é menos causal que o dos médicos. Os médicos confiam na causalidade que têm por evidente, tal como o avô. Este acredita que umas rosas no chão e uma reza adequada afugentará os espíritos malignos (enquanto causa dos sintomas). Os médicos acreditam que uns produtos químicos eliminarão a causa patológica dos sintomas.

Aquilo que cada sujeito identifica como causalidade deriva da observação da sucessão entre fenómenos. O médico observa que a administração do químico X é sucedida pelo desaparecimento do sintoma Z. O ritualista observa (sim, também ele saberá relatar casos) que a execução de um certo procedimento Y é sucedido pelo desaparecimento do mal Z. O médico citará bibliografia de referência, o ritualista fará referência aos antepassados e talvez, também, a literatura específica (que quase sempre a há também nestes casos).

Ora, no caso deste episódio temos simplesmente que se observa X e Y, sendo a sua mútua ocorrência em simultâneo sucedida por Z. Que é que, verdadeiramente, neste caso nos permite escolher a explicação médica, ou a explicação ancestral, visto que ambas recolhem um número de testemunhos em seu favor? Note-se que, na verdade, nem sequer há algo que comprove cientificamente que estávamos perante a doença que o House diagnosticou. Tudo quanto podemos dizer é que o paciente foi curado, sendo que não se tem comprovação empírica para decidir qual dos dois procedimentos provocou a cura e, deste modo, também não temos indícios empíricos que confirmem a doença. Recordemos que houve apenas 7 casos em todo o mundo, de modo que, para todos os efeitos, neste caso há mais testemunhos a confirmar a validade do procedimento ancestral do que a do procedimento médico adoptado que apenas seria adequado na eventualidade de tal doença extremamente rara ter sido a causa dos sintomas.

A questão de fundo é, pois: há, de facto, algum meio que não envolva juízos prévios, ou preconceitos, que nos permita decidir qual dos dois actos - o acto médico, ou o acto tradicional - teve eficácia curativa? Teríamos alguma base para aceitar que foi o procedimento médico aquele que curou o paciente, se não partirmos, precisamente, do pressuposto de que os procedimentos médicos têm uma eficácia real e os rituais não?

Ciência e Filosofia: ἐπιστήμη

A propósito de episteme...

O termo grego ἐπιστήμη, por vezes traduzido por "saber", outras por "conhecimento", outras ainda por "ciência". Do grego (ἐπιστήμη - epistéme) temos, hoje, "epistemologia". Por sua vez, o termo ἐπιστήμη parece derivar de ἐπί- (perto, próximo) com ἵστημι (estabelecer, restar, reter, ficar, colocar, apontar). Assim, temos que ἐπιστήμη é qualquer coisa como estar perto, estar colocado em posição de proximidade em relação a). Este aspecto é muito importante, indicando que se trata de um conhecimento cuja particularidade reside numa posição de proximidade relativamente a algo.


Ora, a epistéme não é uma mera opinião, também não é uma mera crença, nem o mesmo que verdade, nem tão pouco uma opinião verdadeira.


Não é uma mera opinião porque opiniões têm-se muitas sobre muitas coisas sem que de nenhuma se detenha uma posição privilegiada, seja ela qual for, relativamente ao tema em debate. Vemos isso todos os dias nas conversas de café, das quais emanam miríades de opiniões sem que ninguém saiba verdadeiramente do que fala. Muitas vezes ninguém estaria, sequer, disposto a tomar responsabilidade pelas opiniões formuladas, se a isso fosse chamado, apenas as proferindo enquanto delas não haverá consequências.


Não é crença, porque esta não resulta de nenhuma fundamentação, mas de uma confiança radical. Um crença radical é de tal forma que não há nenhuma razão para que a tenhamos, de facto não há mais razões para se ter uma ou outra - ou, havendo-as, não são as razões que justificam a confiança que se tem. Um crença não se disputa de facto. Ora, isto não significa que o crente não passe por momentos de descrença, de desconfiança, de dúvida, mas estes momentos são propriamente humanos, não propriamente do crente. Enquanto duvida, o humano não é crente. Enquanto crente não há dúvida. A essência da fé está na confiança cega. Mas há muitos géneros de crenças, não apenas crenças científicas. Na verdade, a nossa vida diária corre como habitualmente graças a um conjunto de crenças raramente ou nunca formuladas conscientemente, das quais o sujeito não seria capaz de dar conta se isso lhe fosse solicitado. Pode mesmo dizer-se que as crenças mais fundamentais não são sequer notadas, e quando notadas não são percebidas enquanto crenças, mas habitualmente como "factos". Por exemplo: não há qualquer forma de provar a existência real, objectiva e externa do mundo que os nossos sentidos nos trazem, no entanto a maioria das pessoas, a maioria das vezes, toma-a (à existência desse mundo) como facto, portanto, como indiscutível, como qualquer coisa de que é supérfluo e parvo duvidar.


Mas então o que é a ἐπιστήμη? Podemos dizer que é uma opinião, mas uma opinião fundamentada. Podemos dizer que o sujeito mantém nela confiança, mas que esta confiança se apoia na fundamentação e apenas enquanto esta fundamentação se mantiver válida.


Portanto, a ἐπιστήμη também não é o mesmo que verdade. Porque uma opinião que se defenda, por mais que a fundamentemos, pode sempre vir a revelar-se falsa no futuro. A confiança, na ἐπιστήμη, é condicional. De resto, muitas das opiniões fundamentadas que mantemos encontram-se fundamentadas, precisamente, sobre crenças que não são passíveis de fundamentação, dada a sua radicalidade. Sempre que o sujeito toma consciência de uma crença que tem, pode fazer resvalar um conjunto imenso de opiniões que supunha bem fundamentadas. A ἐπιστήμη é, assim, uma opinião bem fundamentada e correcta, de tal modo que, vindo a verificar-se a sua falsidade, não pode continuar a ser considerada ἐπιστήμη. Por outro lado, uma pessoa pode falar verdade desconhecendo por completo as razões pelas quais tal coisa é verdadeira. 


Neste caso, não podemos falar de ἐπιστήμη, mas apenas de opinião correcta. Falta-lhe a fundamentação, falta-lhe a explicação. Deste modo, não podemos dizer que a ἐπιστήμη seja opinião verdadeira, mas sim opinião verdadeira com conhecimento de causa.


Neste termo, ἐπιστήμη, a ciência e a filosofia tocam-se e revela-se ao mais incauto a sua familiaridade que justificou durante milénios que a ciência brotasse como vergôntea da filosofia. Ambas procuram dar explicação dos fenómenos que são o caso.


Entretanto, a filosofia diversificou a sua actuação, de tal modo que um campo delimitado do seu inquérito ficou reservado naquilo a que hoje chamamos ciência. Além disso, a filosofia teve a tendência para se recusar a ter que admitir que certos elementos base do nosso conhecimentos ficassem por questionar. A radicalidade da filosofia levou-a a pesquisar os próprios fundamentos - coisa que a ciência não pode fazer quando se confronta com aquilo que estabeleceu como plano a partir do qual pode erigir um conjunto de conhecimentos, cuja legitimidade se encontra, precisamente, alicerçada nesse fundo. 


Duas coisas (pelo menos) distinguem a filosofia da ciência: a primeira é mais abrangente e mais radical que a segunda. Mas a diferença essencial é a radicalidade.




sexta-feira, 4 de maio de 2012

Determinismo, libertismo e o caso do burro que morreu à fome...

A propósito de "a pensar morreu um burro"...


Desde sempre ouvi esta expressão: “a pensar morreu um burro”.

Quando era gaiato a minha mãe dizia-mo muitas vezes, normalmente para reforçar a ideia de que eu deveria fazer menos perguntas! A visão prática e vivida da minha mãe sempre me meteu inveja. Mas, então, longe de me aquietar, a sua revelação suscitava-me nova questão: “mas sobre o quê pensava o burro?”

Na sua ingenuidade, o gaiato que eu era nesses dias pensava que, se o burro morreu a pensar, o caso deveria ser de monta! Mas o que poderia ser assim tão importante na vida de um burro? A situação parecia-me esdrúxula: “mãe, de onde vem essa história?”

A minha mãe não sabia – mas sabia que pensar demasiado sobre um assunto tem a desvantagem de deixar passar a maré!

Ora, a expressão a pensar morreu um burro parece vir do famoso caso do burro de Buridano. Tanto quanto se sabe, o paradoxo não foi inventado por Buridano (1300 - 1358), nem se sabe ao certo por que lhe é atribuído, mas o facto é que há séculos que os filósofos se lhe dirigem como de Buridano.

O paradoxo, se lhe quisermos chamar assim, é o seguinte:
Um burro está com fome e sede na mesma proporção, e tem à disposição um recipiente com água e outro com palha, sendo que cada um destes recipientes está à mesma distância do burro.
Apesar do burro se encontrar extremamente esfomeado e sequioso, não tem nenhuma razão para preferir a água ou a palha, visto ter a mesma intensidade de fome e sede em simultâneo e a palha estar tão afastada quanto a água.
Desta forma, o burro acaba por não se mover nem para a água, nem para a palha, e acaba por morrer de fome e sede.

Outras versões substituem a água por mais palha: estando o burro equidistante de dois fardos de palha igualmente apetitosa, apesar de esfomeado, acaba por não escolher nenhum e morre de fome.

O paradoxo consiste no facto de o burro ter a disposição aquilo que o poderia salvar, bastando-lhe fazer uma escolha. No entanto, é precisamente essa escolha que ele não faz.

Não é certo se esta história foi atribuída a Buridano para exemplificar alguma espécie de crítica que ele fizesse a outros filósofos, ou se foi a sua posterioridade que, satirizando-o, lhe atribuiu o caso.

Seja como for, Buridano parece ter defendido que, perante um dilema moral, a vontade escolhe sempre o melhor – sendo que, se não o faz é porque decidiu por desconhecimento (daquilo que estava propriamente em causa) ou por impedimento (externo à vontade). De algum modo, Buridano pensa com Platão que só se decide mal por ignorância (ou imposição externa).
Segundo Buridano, a vontade humana pode e deve adiar a decisão até estar na posse dos aspectos relevantes para a decisão. Perante um dilema moral, a vontade deve decidir-se apenas se e quando estiver na posse de todos os elementos necessários para garantir uma boa decisão.

Claro que isso implica diversas dificuldades, dos quais nomeamos apenas os mais óbvios: 1) como saber quando se está na posse daquilo que verdadeiramente é importante para tomar a decisão?; 2) como fazer nos casos em que o agir está sob condicionamento, de tal forma que um tempo útil para a acção pode transitar antes de se ter reunido todos os elementos essenciais?

O problema 1) é obviamente importante, mas pode também ser levar-nos ao 2). Ou seja, se ficarmos indefinidamente à espera de estarmos certos de que estamos na posse de todos os elementos importantes, podemos deixar passar o prazo. Por outro lado, mesmo quando finalmente supomos ter reunido tudo quanto é importante, podemos ainda estar em erro e, precisamente, podemos estar a decidir sob ignorância daquele aspecto fulcral que nos faria tomar uma decisão completamente diferente.

Assim, sempre que, para uma decisão, existe um contínuo de informações a chegar ao decisor, este fica suspenso sem decidir, necessitando de pesar todos os novos dados. Desta forma, quando há um fluxo contínuo de informações sobre um determinado dilema moral, o agente não consegue decidir-se em tempo útil – daí que acabe por morrer sem decidir-se.

Este problema recorda-nos o conhecido aforismo de Pitágoras: Ὁ βίος βραχὺς, ἡ δὲ τέχνη μακρὴ, ὁ δὲ καιρὸς ὀξὺς – “A vida é curta, mas a ciência é longa, e o momento oportuno estreito” (Afor., I, 1). O conhecimento necessário para que a decisão seja a mais adequada a uma situação da vida pode ser demasiado longo – e este longo pode ter mais do que um sentido – do que a curteza da vida permite. Por outro lado, mesmo que a vida fosse suficientemente longa, pode acontecer que o tempo útil de decisão não dê tempo de tomar uma decisão cabalmente abalizada. O burro não só corre o risco de morrer de fome antes de escolher o fardo de palha a que se dirigir, como corre o risco da palha apodrecer antes de ter chegado a uma decisão esclarecida.

O problema imediatamente evidente é, então, saber se a necessidade de esclarecimento não deverá ser limitada pela necessidade de agir em tempo útil.

O caso do burro parece, então, ser uma sátira a Buridano como se lhe fosse objectado que, se um humano ficar eternamente à espera de estar na posse dos elementos fundamentais para tomar uma decisão, esta não será tomada em tempo útil (no limite, não será tomada em tempo de vida).

Por outro lado, o paradoxo ilustra a posição dos deterministas que supõem que a vontade se determina sempre em função dos condicionantes, internos (como a fome, o desejo, as preferências, etc.) e externos (a disponibilidade das coisas, as suas características, as limitações envolvidas, etc.). Ou seja, segundo o determinismo a vontade funciona como uma espécie de balança na qual vão sendo colocados vários pesos, de um lado e do outro, até que um dos lados vence.

No caso do burro acontece que nada faz a balança pesar para um lado ou para o outro, de tal modo que ele não decide nunca. O mesmo acontece se houver uma chegada contínua de novos dados que, à vez inseridos, ora num dos lados da balança, ora no outro, fazem com que a balança permaneça estável sem se inclinar decisivamente para um dos lados.

O caso do burro mostra que, numa situação como essa, a vontade teria que, de algum modo, decidir por si mesma, ou nunca se decidir.
Os defensores do determinismo consideram, de facto, que se fosse possível uma situação exactamente como a do burro, a vontade jamais se decidiria. Apenas há decisão quando os elementos a favor de um dos lados pesam mais que os favoráveis ao outro.
Os defensores do livre-arbítrio dizem, por seu lado, que a capacidade de decisão reside na própria vontade enquanto tal, podendo esta decidir até mesmo contra o que os estímulos ou condicionantes sugeririam.

Segundo os defensores do livre-arbítrio, o caso do burro mostra que a decisão não reside nos elementos considerados, mas na vontade e/ou na razão (dependendo do filósofo que considerarmos).

Enfim, o caso do burro pode levar-nos a muitos outros problemas (por exemplo, a relação entre a vontade e a razão, o papel de cada uma na decisão, etc.) e a resolução dos poucos aqui apresentados é já de si, também, muito complexa, discutível, polémica.

Porém, o problema em si não vem de Buridano, mas é muito anterior ao século XIV. Na verdade, mais de 1600 anos anterior. Podemos encontrar a indicação do mesmo em Aristóteles (384 a.C – 322 a.C):

Aristóteles, De Caelo, 295 b 32-34:
καὶ τοῦ πεινῶντος καὶ διψῶντος σφόδρα μέν, ὁμοίως δέ, καὶ τῶν ἐδωδίμων καὶ ποτῶν ἴσον ἀπέχοντος· καὶ γὰρ τοῦτον ἠρεμεῖν ἀναγκαῖον

“or of the man who, though exceedingly hungry and thirsty, and both equally, yet being equidistant from food and drink, is therefore bound to stay where he is”, De Caelo, In De Caelo; De Generatione et Corruptione. By J. L. Stocks and H. H. Joachim. New York: Oxford University Press.

“também aquele que tem fome e sede em excesso, mas homogeneamente, e da comida e da bebida está igualmente afastado: certamente também será forçado a ficar parado”

Porquê, então, falar-se de um burro e do burro de Buridano?
Bem, em português o nome de Buridano parece lembrar burro, o que não acontece nas restantes línguas.

Não deixa, no entanto, de ser uma pergunta interessante.
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