domingo, 30 de outubro de 2011

Nietzsche

A propósito de, citações...

"Cada igreja é uma lápide na sepultura de um homem-deus: não deseja que ele se re-erga em nenhuma circunstância."

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A cabana de Heidegger

A propósito de, cabanas...


Hoje não temos os ares de habitantes das florestas. Hoje talvez Heidegger não tivesse pela sua cabana a mesma predilecção. Ou talvez levasse para lá um portátil, um telemóvel e tv por cabo.

Este é um modo diferente de pensar. Sein und Zeit, o Ser e Tempo, nasceu dessa vivência em cabana. A experiência que Heidegger tinha na sua cabana não é coisa que se tenha na nossa civilização, hoje.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O génio, a natureza e a teimosia

A propósito de grandes homens...

Parece que os grandes homens da história normalmente encontraram o fim da sua grandiosidade num ou noutro momento em que se mostraram teimosos. Mas será que alguma vez teriam sido grandes homens se não tivessem sido teimosos por natureza?


Será que os grandes homens podem ser grandes homens sem a teimosia que lhes permite lutar persistentemente contra as ideias pré-estabelecidas?

Será que os grandes homens podem ser grandes homens sem essa "natureza" tendencialmente belicosa? (belicosa no sentido de intransigente nas suas ideias, no sentido de defender a sua visão das coisas e de lutar por ela)

Será que o que faz do grande homem um grande homem terá sempre de contemplar uma grande dose de teimosia que já lhe vem no sangue, no ADN?

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A evolução de Deus, de Robert Wright

A propósito de, uma crítica

"A Evolução de Deus" é um livro de Robert Wright* com o título original The Evolution of God. A edição portuguesa tem a chancela da editora Guerra e Paz e a tradução é de David G. Santos.

Um dos livros intelectualmente mais cativantes que li nos últimos tempos. Penso que se trata de uma leitura fundamental para todos nós. Para compreendermos o mundo em que vivemos conhecendo a história, o passado que é o nosso num âmbito tão importante como a ideia de Deus. Este livro é uma lição de história, de cultura, de filosofia.

O livro apresenta um raciocínio claro e lúcido, assaz justificado e fundamentado num trabalho exemplar de citação e referência, fruto de uma erudição evidente. O autor mostra conhecer muito bem o assunto de que fala, o que é muito importante. Mas, apesar disso, não se arroga o direito de não discutir plenamente os problemas técnicos, nem de evitar a parafernália de citações, indicações e comentários bibliográficos para confirmar as suas hipóteses, teses ou teorias - e mesmo para permitir que o leitor decida por si mesmo sobre o assunto em questão, ou para avaliar uma determinada interpretação das palavras de outro autor.

Nesse sentido, Wright é corajoso. Corajoso porque hoje está na moda não discutir, não fundamentar, não referir/citar - em nome da suposta agilidade textual. Com a desculpa de se querer manter os textos acessíveis e leves, não se mostram os fundamentos das teses, nem se calcorreiam os problemas envolvidos em cada tema/motivo. Wright não foi por esse caminho mais fácil, mais óbvio. Este livro é uma obra densa, é verdade, mas é claro o esforço de manter o leitor informado, esclarecido sobre o significado de cada questão, as respostas possíveis e respectivas dificuldades - é esse um dos fins da Filosofia, e na verdade de todas as ciências: esclarecimento.

No livro, Wright aborda o tema da evolução de Deus, ou melhor, da noção ou conceito de Deus, ao longo dos milénios e séculos, desde as ideias e práticas religiosas primitivas até ao monoteísmo claro e distinto do Islamismo. A abordagem é filosófica, mas abundantemente informada e enformada por dados oriundos das ciências, sobretudo da Antropologia, mas também da Arqueologia, da História, da Sociologia e da Psicologia. São utilizados argumentos que procuram a sua estruturação mesmo na própria Mecânica Quântica. No entanto, a utilização dos dados científicos é criteriosa, integrada de forma clara e comentada convenientemente. O autor esclarece sempre a utilização dos dados e apresenta as dificuldades envolvidas, permitindo que o leitor avalie a pertinência dos mesmos, bem como a legitimidade das opções tomadas no livro.

O sentido geral da obra é mostrar que a evolução da noção e do conceito de Deus ao longo da história da civilização é comparável à evolução das espécies. A referência às ideias darwinistas é inevitável. Apresenta-nos assim uma ideia geral sobre os factos: uma evolução plenamente naturalista da cultura. Wright pretende mostrar que a cultura, e mais especificamente, as ideias religiosas, evoluem naturalmente. A Religião participa dessa evolução natural que ocorre no relacionamento entre o ser humano e o meio ambiente. A tese geral da obra é a de que o edifício cultural evolui de modo análogo às espécies animais: uma lógica de incentivos e desincentivos, de estímulos positivos e negativos, de selecção natural opera no mundo cultural, tal como opera no mundo animal.

Por outro lado, o autor traça um esboço conceptual que vai para além da tese anterior. Ao longo do livro são apresentadas interpretações relativas à evolução natural da cultura que indiciam, na perspectiva do autor, uma continuidade com sentido nessa evolução. Estes indícios podem ser considerados, então, como argumentos a favor da existência de um sentido histórico, como se a história cultural se constituísse de patamares evolutivos, sendo que estes patamares revelariam uma subida gradual em direcção à verdade ética ou moral.

Assim, o autor avalia a história da noção e do conceito de Deus, sempre associado a uma estrutura moral, como indiciando uma evolução passível de ser compreendido como "progresso", como um aperfeiçoamento que pressupõe uma "verdade" moral de que esse progresso se aproxima paulatinamente - de forma lenta, com avanços e recuos, mas decididamente.

Neste sentido, Wright assume a possibilidade da existência de um ente, ao qual se poderia chamar Deus, e que incutiu esse destino, essa direcção à história, mas que também estabeleceu essa verdade moral que se impõe como destino ao mundo. O mundo natural é compreendido como tendo um destino, destino esse para o qual a espécie humana, criadora de cultura, se encaminha.

Portanto, Wright defende várias teses neste livro: 1ª) evolucionismo cultural: a evolução cultural procede de modo semelhante à evolução natural; 2ª) que nessa evolução é possível encontrar um caminho, uma evolução com sentido; 3ª que esse sentido revela uma intenção, um fim, um destino; 4ª) que este destino permite assumir a existência de um ente transcendente (ou não), ao qual poderíamos chamar de facto Deus (ou outra coisa qualquer), mas que, de alguma forma criou o mundo com as suas leis, as quais dirigem a evolução com um sentido, um fim, um destino; 5ª) que este destino pode ser associado a uma verdade moral que incorpora as noções éticas mais tolerantes e humanas, no sentido de uma ética universalista, assente no respeito pelo outro, qualquer que ele seja. Segundo o autor, é a própria lógica das coisas, a própria organização do mundo tal como ele é, a própria necessidade que fará evoluir os paradigmas culturais vigentes no mundo, sempre num sentido cada vez mais amplo. As religiões irão, então, crescer para aceitar as diferenças entre elas, talvez fundindo-se ou aprendendo a dialogar. As religiões que não souberem adaptar-se a esta necessidade perecerão; mas esta necessidade permite pensar que existe um Deus universalista, que é o responsável pela criação das leis que regem o mundo e impõem esta necessidade.

Ora, estas ideias não são novas: o evolucionismo cultural não é uma ideia nova; a ideia de que por detrás das leis da natureza está Deus também não é uma ideia nova; a ideia de que podemos ver na evolução natural um sentido progressista muito menos nova é. Na verdade, o nosso ponto de vista está naturalmente predisposto a ver uma progressão onde encontra uma evolução, a ver um destino onde encontra um movimento, a ver uma intenção onde encontra eventos. O nosso ponto de vista também tende a entender-se a si mesmo como um melhoramento dos pontos de vista anteriores, e como estando mais próximo da verdade do que qualquer outro. Nesse sentido, estamos predispostos a assumir que correspondemos a um patamar mais próximo de uma suposta perfeição, do que todos os outros. Wright parece assumir que sabe como determinar qual é a "verdade moral" e, nesse sentido, estipula que esta ou aquela moral se encontra mais próxima de tal verdade, que este ou aquele traço cultural deve extinguir-se.

Apesar de as ideias defendidas não serem novas, apesar de podermos não concordar com a sua perspectiva mais progressista do que evolucionista - a obra A Evolução de Deus não deixa de conseguir uma empresa inovadora. Na forma como utiliza dados científicos, como entrelaça conhecimentos científicos e argumentos filosóficos - é uma obra verdadeiramente inovadora. Mostra que a Filosofia não se divorciou da Ciência, mostra que a Ciência não é filosoficamente inócua. Destarte, patenteia a necessidade de diálogo entre Ciência e Filosofia, entre conhecimentos empíricos e leituras filosóficas. O que está em causa em muitas discussões ciêntificas são posições filosóficas diferentes, mas Wright mostra que a Filosofia também pode e deve desenvolver-se informando-se cientificamente. Se é verdade que a Ciência continua sempre a enfrentar problemas filosóficos, também é verdade que a Filosofia não deve ignorar as questões científicas. Isto não significa que o papel da Filosofia inclui a resolução de problemas científicos, também não significa que a Ciência possa solucionar ou erradicar os problemas filosóficos. Significa que ambas devem manter-se informadas, e que ambas podem fornecer novos pontos de abordagem uma à outra.

O que me parece mais relevante neste livro é o seu contributo para o diálogo da Filosofia com as ciências. Em muitas áreas filosóficas o filósofo não deve continuar a filosofar sem considerar os dados científicos mais recentes.

Numa perspectiva diferente, este livro levanta e aborda problemas bem actuais, como seja o relacionamento entre as três religiões monoteístas principais. Também aponta o caminho que lhe parece essencial: o da compreensão. Mas neste aspecto, apesar de justificar a necessidade desta compreensão entre crentes de diferentes fés, como estando radicada na própria lógica do mundo contemporâneo globalizado - permanece o problema de saber como ir da identificação de um fim, até à sua concretização. Percebemos que a necessidade de diálogo interreligioso exista, mas como convencer disso os que desejam exterminar aqueles que têm uma fé diferente da sua? Claro que Wright pensa que a própria necessidade das coisas conduzirá inexoravelmente a um fim pacífico e universalista - todavia, este pensamento não resolve os problemas, apenas assume que os problemas serão necessariamente resolvidos de uma forma profícua.


Resumindo: podemos não concordar com todas as teses do autor, mas parece-me que o trabalho desenvolvido em torno da fundamentação do evolucionismo cultural é de ter em conta. É uma ideia poderosa e, apesar de não ser nova, surge aqui apoiada em informações históricas, antropológicas, científicas. Na verdade, trata-se de um trabalho importantíssimo, não só pela forma de filosofar (recorrendo às ciências), mas também pelo conteúdo (a tese de que a Religião evolui naturalmente, como qualquer outro elemento biológico). Portanto, a tese não é nova, mas o trabalho de fundamentação aqui elaborado é muito relevante.


LEIA O LIVRO e deixe a sua crítica aqui.


Notas:
* Robert Wright: filósofo, autor de obras como The Moral Animal e Nonzero, foi considerado um dos 100 maiores pensadores mundiais em 2009, pela revista Foreign Policy. Já foi professor de Filosofia na Universidade de Princeton e de Religião na Universidade da Pennsylvania. Actualmente, é investigador da New America Foundation.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O Big Bang e o Eterno Retorno

A propósito de, Eterno Retorno do Mesmo...

Antes de o Dalai Lama escrever sobre as semelhanças entre o Budismo e a ciência moderna, Carl Sagan mostra as semelhanças entre esta e o Hinduismo.

Veja-se este vídeo com espírito filosófico, tão característico dos grandes cientistas. E confronte-se com as teorias de Nietzsche relativas ao Eterno Retorno do mesmo.


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O que é o "gato de Schrödinger"?

A propósito de mecânica quântica: o que é o gato de Schrödinger?

Designa-se por "gato de Schrödinger", ou "experiência do gato de Schrödinger" uma experiência mental* imaginada por Erwin Schrödinger* em 1935.

Nesta experiência é imaginada uma caixa de aço dentro da qual se encontra um engenho potencialmente mortal e um gato. O engenho deve estar protegido contra qualquer interferência do gato.
Dentro da caixa está um material radioactivo em quantidade tão pequena que, durante uma hora, há 50% de probabilidades de um dos seus átomos decair e 50 % de probabilidades de nenhum dos seus átomos decair. Se um dos átomos decair, o engenho, dotado de um detector, irá accionar um martelo que partirá um frasco contendo ácido cianídrico.

Alguém poderia dizer que o gato se mantém vivo e morto até que alguém abra a caixa e observe o gato - pois, segundo a Mecânica Quântica, é a medição/observação que colapsa a superposição das várias possibilidades numa posição única.

Habitualmente, interpreta-se esta experiência como se Schrödinger estivesse simplesmente a chamar a atenção para o ridículo da interpretação de Copenhaga que assume a existência de uma superposição que combina todos os estados possíveis, a qual colapsa num desses estados ao ser "observada".

A interpretação desta experiência é mais complexa e diversificada que isso (leia-se o texto de Schrödinger aqui) - e não pode ser esgotada em poucas palavras. Schrödinger parece estar a chamar a atenção para o facto de não devermos utilizar exemplos do macroscópico para nos referirmos ao domínio atómico, como se pudessemos resolver os problemas deste último recorrendo à observação. Schrödinger considera ingénua esta representação "turva" da realidade.

Ou seja, com esta experiência Schrödinger pretendeu mostrar que não devemos utilizar termos relativos ao mundo macroscópico quando nos referimos à indeterminação originalmente limitada ao domínio atómico. Ao transformar a indeterminação de eventos atómicos numa indeterminação de eventos visíveis temos a sensação que podemos resolver os problemas relativos à primeira através da observação directa, como fazemos ao relacionar-nos com o macroscópico. Por outro lado, ficamos com a ideia de que a indeterminação do domínio atómico deve ser resolvida a partir de raciocínios intuitivos que se referem, originalmente, ao mundo visível.

Nesta experiência Schrödinger mostra que a indeterminação quântica é de um outro género, diferente da confusão entre estar vivo e estar morto. E imaginar aquela nos moldes desta não aclarará o problema.

Finalmente, refira-se que com esta experiência começa-se a ver alguns dos problemas que provocarão divisões na Mecânica Quântica, dando origem a diversas versões e interpretações. Nomeadamente, está já questionado o papel e a natureza do "colapso", bem como da "medição". Também vemos questionada a noção de "superposição" e a sua relação com a "medição" e o "colapso". A crítica destas noções pode ser compreendida como precursora da teoria dos múltiplos universos*, bem como da teoria M e da tese das 11 dimensões que lhe está associada.

Para discutir os problemas envolvidos na experiência do gato de Schrödinger ver neste blog o artigo O gato de Schrödinger.



    Notas:





  1. Experiência mental: uma experiência que pelas suas características físicas não é possível reproduzir, ou que, apesar de ser possível que venha a ser reproduzida um dia, ainda não detemos técnicas ou conhecimentos para tal. É uma experiência que podemos imaginar e, a partir dela, calcular resultados ou observações expectáveis (se fosse possível reproduzi-la). Este método foi muito utilizado ao longo da história da Filosofia desde os pré-socráticos. Einstein utilizou experiências mentais sistematicamente, sobretudo como forma de sujeitar teorias à crítica racional e matemática.







  2. Erwin Schrödinger: Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger foi um físico teórico nascido no império Austro-Húngaro a 1887, em Viena. Conhecido pela sua contribuição para a Mecânica Quântica, recebeu o prémio Nobel em 1933 pela equação que recebe o seu nome. Esta equação é fundamental na quântica e descreve a evolução temporal de um estado quântico de um sistema físico, conjugando todas as probabilidades de resultados possíveis nesse sistema. Esta equação permite salvar a noção de regularidade na natureza se se considerar a abordagem de Schrödinger como equivalente do princípio de incerteza (de Heisenberg). Schrödinger morreu a 4 de Janeiro de 1961, em Viena.







  3. Teoria dos muitos universos (múltiplos universos): teoria que afirma que existem muitos universos, possivelmente em número infinito. Assume diversas versões, muitas das quais integradas em interpretações da Mecânica Quântica. Conjugando a teoria dos muitos universos com a teoria das cordas ou a teoria M (da membrana), os cientistas desenvolveram a hipótese dos universos paralelos, os quais ocupam simultaneamente o mesmo espaço. Segundo esta interpretação da Mecânica Quântica, cada universo corresponde ao colapso num determinado estado que era uma possibilidade do sistema. Assim, todas as possibilidades ocorrem simultaneamente, mas em universos diferentes. O gato estaria vivo num universo, mas morto noutro. Estes universos, na sua totalidade, correspondem à totalidade do que é possível ou provável em qualquer grau. Trata-se de uma forma de resolver o problema do colapso, o que, em combinação com as soluções da teoria M, apresenta uma concepção total e unitária da totalidade do que existe permitindo combinar a Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica. No entanto, trata-se apenas de uma hipótese ainda sem evidências científicas.

Ver e medir - o colapso da função de onda

A propósito do significado de "ver" no mundo subatómico...

"Ver", no mundo subatómico, significa alterar o que é visto.

Não é possível "ver" de facto o mundo subatómico ou quântico. O mundo subatómico pode apenas ser medido. Os efeitos dos objectos subatómicos podem ser medidos.

"Ver", relativamente ao mundo subatómico, significa medir. Esta "medição" dos objectos subatómicos, como electrões, por exemplo, é sempre mediada.

Para vermos a olho nu, por exemplo, o nosso gato, precisamos que os fotões cumpram a sua função. Contudo, quando estamos a falar de objectos quânticos devemos ter em atenção que as alterações produzidas pelo processo de medição naquilo que se pretende medir são muito significativas. Para medirmos o momentum do electrão recorrendo ao fotão, devemos estar cientes de que quando o fotão colide com o electrão altera o comportamento deste.

"Ver", no mundo subatómico, é medir os efeitos de um objecto que se supõe ser a origem dos efeitos medidos. Mas jamais vimos esses objectos. Na verdade, não temos a certeza de que existam enquanto objectos-partículas. Estes objectos quânticos comportam-se habitualmente como ondas. Têm a característica de manifestarem trajectórias ondulatórias que, se as tentarmos medir, colapsam. O comportamento ondulatório não pode ser observado, pois a observação colapsa-o.

"Ver", observar e medir é o que, na mecânica quântica, provoca o colapso de uma função de onda caracterizada pela incerteza (um conjunto de posições equitativamente, ou não, possíveis). Ao tentarmos observar esta incerteza, a observação provoca o colapso dessa superposição (conjunto de possíveis) numa posição descritível classicamente.

"Ver" significa, no mundo quântico, um observar que altera o observado, mantendo-nos no domínio do indeterminístico. No mundo macroscópico, ver significa obter uma razoabilidade. Ver é mais que olhar, é conseguir aferir o que se passa, permitindo-nos obter dados com os quais predizemos eventos. No mundo subatómico domina a incerteza, e mesmo vendo não conseguimos elidir este facto.

"Ver" relaciona-se com as noções de "medição" e "colapso". Entretanto, estas noções são elas mesmas confusas e objecto de múltiplas versões interpretativas. Filósofos e Físicos multiplicam diferentes interpretações sobre o que significam e qual o estatuto ontológico e científico destas noções.

A interpretação de Copenhaga, que podemos associar a Bohr, parece ser mais comum entre os físicos quânticos, mas trata-se de uma interpretação não-intuitiva da realidade que o senso comum dificilmente aceita. Opõem-se-lhe muitos outros, mas podemos referir Einstein (talvez um dos "fundadores" da "quântica") e Schrödinger, os quais, apesar de tudo, preservam a ideia de regularidade intrínseca da natureza, a despeito da nossa dificuldade ou incapacidade para a decifrar na sua plenitude.

Determinismo versus probabilismo

A propósito de, Einstein e Bohr

A discussão entre Einstein e Bohr foi sobretudo uma discussão filosófica.

Em causa estão duas visões do mundo: de um lado, o de Einstein, está um mundo determinável por princípio, independentemente das dificuldades e imperfeições humanas; do outro lado, o de Bohr, está um mundo indeterminável por princípio, independentemente das imperfeições e incapacidades humanas.

Regularidade versus incerteza. Determinismo versos probabilismo.

Princípio de incerteza

A propósito de, padrões de interferência...

Se lançarmos um feixe de electrões contra uma parede que tem duas fendas e tivermos um detector de partículas à frente, iremos notar um padrão interessante.

Os electrões que passam pelas fendas irão causar um padrão tipo onda. Ou seja, irão acertar em diferentes sítios no detector, como se fossem ondas.

Uma onda atravessa as várias fendas e, depois de as atravessar, volta a alastrar-se, alargando-se à medida que se afasta. Cada onda resultante de cada fenda irá interferir com as outras. Quando a parte baixa de uma onda encontra a parte alta da outra, anulam-se. Quando as partes altas de duas ondas se encontram, intensificam-se. Se tivermos um receptor de ondas para medir a sua chegada, iremos verificar um padrão típico, chamado padrão de interferência. Como imaginam, as ondas não irão criar padrões de chegada correspondendo a trajectos lineares à frente de cada fenda.

Ora, o feixe de electrões cria um padrão de interferência, um padrão tipo onda. Mas se colocarmos no detector um sinal sonoro que indica a chegada de cada electrão, verificamos que cada electrão colide com o detector como se fosse uma partícula. Ou seja, produz um padrão de dispersão de chegada tipo onda, mas colide como se fosse uma partícula.

Os cientistas pensaram que os electrões colidiam uns com os outros em voo, provocando desse modo o padrão de interferência. Então repetiram a experiência lançando os electrões isoladamente, um a um. Mas, depois de algum tempo, verificou-se que o padrão resultante era de onda. À medida que os electrões iam chegando, um a um, o resultado do conjunto era cada vez mais uma onda. Ou seja, os electrões, apesar de lançados isoladamente, mostravam um padrão de interferência. A explicação só poderia ser a seguinte: o electrão passa pelas duas fendas ao mesmo tempo, interfere consigo mesmo, e colide com o detector como se fosse uma partícula. Confuso?

Mas não fica por aqui. Os cientistas perceberam que não era possível traçar ou prever a trajectória do electrão: ele comporta-se como uma onda de dispersão de pontos de chegada, portanto apenas se podem descrever conjuntos de possibilidades para a sua trajectória, e apenas se pode prever um conjunto de possibilidades para o local da sua chegada. Tão pouco podemos perceber por qual das fendas cada electrão passou, até porque as indicações que temos são no sentido de que ele passou pelas duas.

Os cientistas realizaram experiências no sentido de detectar o electrão ao passar pelas fendas. Colocou-se um instrumento capaz de "ver" o electrão numa das fendas, de modo a perceber por qual das fendas ele passou, determinar a sua velocidade e talvez calcular a sua trajectória. Para "ver" utilizou-se um instrumento que envia fotões. O fotão lançado irá colidir com o electrão. É assim que nós vemos: os fotões colidem com coisas e são reflectidos para os nossos olhos. Aqui o sistema é idêntico: utiliza-se o fotão para ver o electrão.

Ao medirmos o electrão, este revela um comportamento de partícula, desaparecendo a figura de interferência. Quando tentamos localizar o electrão, de facto é localizado, mas perde o seu carácter ondulatório. O padrão que estes electrões "vistos" irão produzir já não será um padrão do tipo onda, mas um padrão do tipo partícula: à frente de cada fenda.

Ora, o que acontece é que, para medir o electrão provocamos uma alteração das suas características. O fotão, ao colidir com o electrão, irá alterá-lo. Na verdade, a alteração produzida por esta colisão é da ordem dos valores associados ao electrão: o electrão pode duplicar os seus valores ou tender inversamente. Então, esta alteração, produzida pela medição, é tão significativa que, na verdade, não consigo determinar para onde o electrão se dirigirá. Depois de visto, o electrão já não é igual ao que era no momento ou antes de ser visto. É possível apenas determinar um conjunto de probabilidades para a sua trajectória, sendo que estas probabilidades irão resultar num padrão do tipo de partículas, à frente de cada fenda.

Ao determinar um ponto da trajectória do electrão, não posso saber o seu destino; se eu localizo o ponto de chegada, já não sou capaz de saber a sua trajectória.

Quando falamos de coisas tão pequenas como electrões, a própria medição contamina o que é medido. Chama-se a esta noção: colapso da função de onda.

Determinismo

A propósito de, causalidade...

Laplace acreditava que se existisse um ser omnisciente, que soubesse a localização de tudo na natureza, devido às leis da física, ele poderia saber tudo sempre.

Libniz explicou melhor - o que liga o futuro, o presente e o passado é a ligação entre causas e efeitos.

Para Einstein o mundo é como um relógio, o qual eu não tenho ainda conhecimento suficiente para abrir a caixa, mas eu posso ouvir o seu mecanismo e por isso prescrever leis e prever eventos. A ideia mais "natural da civilização": a regularidade.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Indeterminismo

A propósito de, natureza e humano...

Um feixe de fotões pode incidir sobre um objecto refractável, acontecendo que os fotões se dispersam em várias direcções. Acontece que não é possível determinar para onde cada fotão irá dispersar-se. Temos apenas um conjunto de possibilidades. Se existirem dois caminhos possíveis, há 50% de probabilidades de cada fotão seguir cada um deles. Também não é possível identificar cada fotão e dizer: o fotão nº X, que identificámos antes de atravessar o objecto refractável, é este. Não sabemos onde cada fotão se encontra agora, depois de atravessar o tal objecto. Sabemos apenas que uns passaram numa trajectória, e outros noutra, mas não temos como saber qual fotão passou por qual. Tudo o que podemos dizer é que, antes da experiência, cada fotão tinha as mesmas probabilidades de adoptar cada uma das trajectórias.

Esta indeterminação dos objectos quânticos terá reflexos na liberdade humana?

Um mundo regular parece erradicar a liberdade, mas um mundo indeterminado não o fará igualmente?

Ou será que o caso humano deve ser analisado a partir de outros pressupostos?

domingo, 16 de outubro de 2011

O gato de Schrödinger X

A propósito de, conclusão...

A experiência mental de Schrödinger mostra-nos várias coisas. Independentemente daquilo que Schrödinger pretendia mostrar - o absurdo da interpretação de Copenhaga - podemos retirar várias lições:

1º. A interpretação de Copenhaga colide de forma gritante com a linearidade imediata do ponto de vista comum. O senso comum está pronto a aceitar que existam eventos incompreensíveis, ou que a natureza seja permeável à magia, à astrologia, à leitura da sina ou até ao mao olhado. No entanto, estas superstições, que ao cientista parecem distituídas de linearidade, têm a sua própria regularidade. Os Xamãs actuavam e actuam de acordo com certas prescrições ancestrais, e a astrologia baseia-se em regras ocultas ao comum dos mortais, mas que deixam adivinhar uma relação causal entre a sorte do ser humano e os astros. O senso comum até aceita que o mundo invisível posso introduzir-se no visível, mas em tudo isso não se verifica uma contradição imediata. Pelo contrário, a interpretação de Copenhaga apresenta uma forma de conceber o mundo que colide com a linearidade imediata. Contudo, isto não significa que a interpretação de Copenhaga não seja ela própria um produto da linearidade. Na verdade, é um produto da linearidade sofisticada de um ponto de vista temático, científico sobre o mundo, caracterizado pela matematicidade e pela lógica.

2º. Não devemos referir-nos sem escrúpulos à realidade quântica nos mesmos termos em que nos refimos à realidade macroscópica. Os objectos quânticos devem deter a sua própria linguagem na ciência, devem deter um modo próprio de ser descritos, o que não significa que este modo de descrição seja sempre coincidente com o modo de descrição adoptado para os objectos macroscópicos. A própia comparação dos electrões com os gatos nos levantam suspeitas e exigem um cuidado suplementar de forma a não confundir nem electrões com gatos, nem gatos com electrões.

3º. A experiência coloca em evidência o problema do colapso. Existirá, de facto, um colapso? Como é possível o colapso e que significa ele? Em que momento ocorre e de que forma? Como podemos admitir que a medição imponha algo ao que é medido? Mas, se não ocorre um colapso, como conciliar o que sabemos sobre a incerteza e a não determinação com a medição de um estado descrito de uma forma única? Aqui, onde a linearidade parece ter sido despedaçada, para ser encontrada apenas após o colapso, fazemos uma nota: a linearidade do ponto de vista humano não é suprimida na realidade, supostamente não linear, da mecânica quântica. As superposições ditas não lineares são justificadas da forma mais linear e lógica que podemos imaginar. A linearidade lógica e matemática fundamentam a necessidade de cosiderar estas combinações (aparentemente não lineares) de várias descrições clássicas (notoriamente lineares). A aparente não linearidade reduz-se à admissão da simultaneidade de possibilidades de descição não coincidentes. A não coincidência, no entanto, é, precisamente, uma necessidade linearmente justificada. Ou seja, a linearidade do ponto de vista leva à assumpção de eventos não lineares, que, então, estão perfeitamente enquadrados num ponto de vista de fundo linear. Tal como estas descrições não determinísticas são propostas pelos cientistas porque estas lhes parecem necessárias: é a necessidade lógica e matemática que funda a assumpção do não determinístico.

4º. Temos, então, evidentemente o problema da medição: é necessária ao colapso?, o que significa?, em que é que consiste? O que é extactamente a medição ou a observação? O que é que, na sua natureza, impõe o colapso?

5º. Esta experiência parece colocar-nos frente com uma data de problemas que, numa primeira abordagem não estavam imediatamente evidentes. Daí que vários cientistas tenham reescrito a versões desta experiência. De forma clara parece óbvio que a eliminação da ideia de colapso poderia conciliar a mecância quântica e a Teoria da Relatividade, desde que, como vimos, a eliminação do colapso acompanhasse a eliminação da simultaneidade de estados inconciliáveis. Poderíamos, neste sentido, supor a existência de Deus como observador universal e omnipresente, o qual reduziria o colapso ao momento inicial de cada evento, ou seja, na prática nunca existiria nenhum superestado de facto, pois Deus, como observador omnipresente, provocaria o colapso de todos os superestados. Assim eliminar-se-ia o problema do colapso.

6º. Não devemos assumir que as nossas explicações estabelecem uma correspondência perfeita com o mundo que supostamente descrevem. A nossa compreensão tem uma forma, e esta forma permite-nos estabelecer um conhecimento. Não nos é possível compreender nada fora do âmbito da nossa compreensão, portanto, da sua forma. O mundo que conhecemos é um mundo enformado pela nossa compreensão, não é o mundo em si. Pode parecer uma tautologia, mas o mundo que conhecemos é o mundo resultante das nossas faculdades. As nossas explicações e, portanto, a ciência, é um conhecimento humano, e o mundo por ela descrito não pode deixar de se acomodar ao ente que tem a capacidade de conhecer e descrever. O ser humano, este ente que conhece e descreve, conhece um mundo que cabe na forma da sua compreensão. Em última análise, não devemos ter a veleidade de supormos que conhecemos as coisas em si.

A mecânica quântica e a Teoria da Relatividade permanecem inconsistentes uma com a outra. Sendo contraditórias, não podem ser simultaneamente verdadeiras. Entretanto, formas de as unificar têm sido tentadas, no entanto sem suficiente evidência. Estas formas unificadoras não trazem nenhuma explicação nova para eventos que não tenham sido explicados pela teoria da Relatividade ou pela mecânica quântica, e parecem apenas criar conhecimento novo sobre uma nova realidade que elas próprias postulam. Nada nos evidencia a necessidade de recorrer a estas teorias, pelo menos enquanto não imporem as suas próprias evidências através de testes credíveis.

Por outro lado, nenhuma teoria científica deve ser confundida com "a verdade", nem deve ter a pretensão de se impor como tal. A teoria científica é validade como tal, como teoria válida, mas jamais como Verdade. A ciência não deve ser confundida com a religião. Uma teoria científica permanece sempre uma hipótese que deve ser constantemente reavaliada, deixando em aberto a própria mudança de paradigma, pois foi, precisamente, esta dinâmica crítica e criativa que permitiu e impulsionou o desenvolvimento científico, o qual nunca teria sido possível, como foi, se a ciência não se abstivesse de dogmas. Na ciência não há dogmas, há hipóteses. Uma teoria nunca é definitivamente confirmada. Jamais teremos uma teoria científica definitivamente verificada. Temos, sim, teorias que resistem à refutação, hipóteses que nostram evidências da sua validade. De acordo com os resultados, utilizam-se as teorias que melhor servem em cada caso. Não há problema algum em utilizar a mecânica quântica quando esta é mais eficiente, e utilizar a Teoria da Relatividade quando esta é mais eficaz. Não estamos perante dois deuses únicos, duas religiões monoteístas mutuamente exclusivas. Estamos perante teorias científicas, e na ciência utiliza-se o que dá mostras de ser eficaz. O que dá resultados preserva-se, o que é refutado, transforma-se, corrige-se ou abandona-se, se tal for o caso.

A ciência não deve ter a arrogância de pensar deter uma forma adequada de aceder à realidade em si. O humano detem um acesso, e esse acesso jamais pode ir além da sua forma. Compreendemos as coisas de acordo com a nosso forma de compreender. Se existe um mundo independente de nós, independente da nossa compreensão, o que quer que ele seja, o que dele chega até nós, chega através dos nossos canais de recepção e tratamento de informação. O mundo não nos pode entrar pela cabeça dentro, não pode saltar a nossa forma de pensar e apresentar-se puro e duro. As nossas teorias resultam da nossa forma de pensar, da linearidade do nosso pensamento, entre tantas outras categorias que delineiam a condição de possibilidade de qualquer teoria se apresentar. E qualquer teoria que se apresente, apresenta-se segundo tais condições. E é só: não sabemos se o electrão é uma onda, nem se o electrão é uma partícula, nem sabemos se o electrão existe, mas sabemos que é eficaz considerar que ele existe, sabemos que por vezes é eficiente considerá-lo como uma onda e que outras vezes é eficaz tomá-lo como uma partícula.

Com tudo isto, não queremos dizer que não se deve especular em ciência sobre coisas tão abstrusas ao senso comum, e sem evidência científica, como multiversos e teorias M. O que quisemos dizer é que nunca se deve confundir nem especulação nem evidência científica com um pretenso e pretencioso acesso à verdade. Mas, claro, a especulação é ela própria útil e o debate entre diferentes hipoteses especulativas ajuda, muitas vezes, a estabelecer evidências científicas. Outras vezes, a especulação resulta no desenvolvimento de utensílios que fazem avançar a humanidade.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O gato de Schrödinger IX

A propósito de, Teoria M...

A interpretação que postula a existência de múltiplos universos, possivelmente um número infinito, tem várias versões, mas uma das suas ideias fundamentais é tornar desnecessária a função de colapso da medição. Por que deixa de ser necessária o colapso? Por que deixa de ser necessário que um superestado (contendo todas as possibilidades, cada uma delas descrita de forma clássica e por isso inconsistente com cada uma das restantes) com a medição/observação colapse num estado descrito de uma forma clássica? Ou seja, por que é que deixa de ser útil admitir que o gato da experiência de Schrödinger, estando vivo e morto, colapse numa dessas possibilidades quando abrimos a caixa?

Porque, existindo múltiplos universos paralelos, ambas as possibilidades, simplesmente no nosso universo ocorre uma das duas, enquanto noutro universo deve ocorrer a outra. Ao abrir a caixa, num universo o gato mostra-se vivo, noutro mostra-se morto, pois num desses mundos houve detecção da partícula e o veneno foi libertado, no outro mundo isso não se deu. Então, não há necessidade de colapso, simplesmente admitem-se todas as possibilidades, pois na multiplicidade de mundos infinitos, todas devem ocorrer. Por outro lado, em cada universo ocorrerão as possibilidades consistentes umas com as outras, de tal modo que cada universo é consistente na sua totalidade. Quando um evento não determinístico, ou seja, para o qual são descritas várias possibilidades, tem lugar, cada uma dessas possibilidades ocorre em universos paralelos, sendo que cada uma determina os eventos determinísticos que lhe seguem. Por exemplo, se o a partícula foi detectada e o gato foi morto, quando se abrir a caixa o gato não irá aparecer vivo, pois isso seria inconsistente. Ou seja, a ocorrência de uma certa possibilidade, de entre um conjunto de possíveis, num universo, determina os eventos determinísticos que lhe seguem. De igual modo, condiciona o que será possível ocorrer em próximos eventos não determinísticos, pois seja o que for que aí ocorra deve manter a coerência. Não irá acontecer que o gato, depois de morto, se levante e vá comer, pois este evento é incoerente. Note-se que se eu reduzir o gato a cinzas, queimando-o com gasolina, neste evento não está em aberto a possibilidade das cinzas voltarem a juntar-se para formar o gato. Nem tudo o que podemos imaginar são possibilidades. Quando se referem possibilidades para a física quântica, referem-se possibilidades "possíveis", como é o caso do gato ser morto ou não ser morto na experiência mental de Schrödinger. A mecânica quântica não postula que o meu gato pode acordar amanhã a saber ler, nem que depois de amanhã o meu canário se transformará numa fénix. Enfim, pode parecer supérfluo afirmá-lo, mas não nos devemos esquecer que uma possibilidade, se é de facto uma possibilidade, tem de ser, antes de mais, possível dado o estado do Universo e em conistência com ele.

Ora, aquilo que é consistente num universo, pode não o ser noutro. No universo em que o gato morreu certas possibilidades foram fechadas, enquanto permaneceram abertas no universo em que ele sobreviveu à experiência. Daqui resulta que os devem existir universos muito semelhantes. Em tese, podemos imaginar universos em que apenas um evento, ou uma pequena quantidade de eventos com pouca relevância diferem. Outros universos começaram a divergir desde a ocorrência do primeiro evento não determinístico.

Alguns teóricos assumem que estes universos serão totalmente independentes. Se estes universos são todos totalmente independentes uns dos outros, então nunca poderemos ter notícia deles: podemos colocar a hipótese da sua existência, mas nunca teremos qualquer evidência disso. Para todos os efeitos, é como se existisse apenas o nosso universo, pois a existência do multiverso não nos afecta.

Habitualmente, os cientistas assumem que pode ocorrer algum tipo de interacção entre os universos. Não concordam quanto à natureza e amplitude dessa interacção. Já falámos da possibilidades dos universos bolha chocarem uns com os outros. Também se pode imaginar que existam canais ou tubos, resultantes de buracos no tecido do espaço-tempo, que liguem os universos, permitindo a "comunicação" entre universos, a passagem de um para o outro - como no caso da teoria dos "buracos de verme". No caso de universos que ocupam o mesmo espaço, alguns cientistas aceitam que uma variação na vibração de certas cordas poderá fazer passar objectos de um universo para outros.

Mas para compreendermos de forma mais completa a teoria das cordas, devemos considerar a teoria das membranas, ou Teoria M. A teoria das cordas supõe que cordas de energia vibram, produzindo tudo o que existe. O desenvolvimento conceptual desta teoria e o confronto entre diversas versões, levaram a uma descoberta: não existem apenas cordas, mas também membranas. Tudo o que assumimos antes para a teoria das cordas, foi integrado e explicado por esta teoria que postula que tudo o que existe é resulta da vibração de cordas e membranas.

Os cientistas perceberam que para a teoria M englobar a teoria da Relatividade (com a sua regularidade) e a teoria quântica (com a sua confusão e incerteza), é necessário considerar a existência de 11 dimensões. Cada ponto que considerarmos, por exemplo um ponto do meu casaco, possui onze dimensões, das quais algumas delas não são por nós percepcionadas. Nós percepcionamos 4 dessas dimensões, mas são as onze que permitem explicar o mundo macroscópico e o mundo subatómico de forma integrada, coerente. São as dimensões invisíveis que ligam cada ponto a todos os outros pontos. Assim explica-se a razão pela qual cada partícula "sabe" o que se passa com todas as restantes. Permite saber como a partícula sabe que deve inverter a sua polaridade, quando outra partícula sofreu uma inversão da sua.
Esta teoria assume que cada universo existe numa membrana energética gigante (possivelmente constituída pelas cordas e membranas elementares). Estas membranas estão no espaço (ou "massa") e podem estar tão próximas umas das outras quando se quiser. Podemos ter uma membrana (que constitui um universo), e imediatamente ao lado, à distância que se quiser imaginar - um milímetro, por exemplo - uma outra membrana. Podem estar tão próximas que os objectos resultantes da sua vibração ocupam o mesmo espaço. Na verdade, estas membranas flutuam lado a lado, à deriva numa estrutura maior, que é o espaço, à qual os cientistas também chamam "massa".

Segundo a Teoria M, o nosso universo foi criado pela colisão entre duas destas membranas à deriva. Ora, se esta colisão ocurreu uma vez, então deve ocorrer recorrentemente, continuamente. Os universos são criados continuamente. Estes universos podem ocupar, como já deve ser claro, o mesmo espaço. No mesmo espaço devem estar várias versões de mim mesmo. Tal como o electrão pode estar e estar de facto em dois lugares ao mesmo tempo, assume-se que esta particularidade acarreta a mesma incerteza e confusão para os corpos macroscópicos, como os gatos, por exemplo.

Podemos legitimamente supor que as minhas decisões resultam ou dependem do comportamento de certas partículas no meu cérebro. Se estas partículas podem ocupar, ao mesmo tempo, lugares diferentes (e aqui basta que existam as duas possibilidades em simultâneo, ou seja, não é necessário que a partícula ocupe dois lugares ao mesmo tempo, basta que existam duas possibilidades, cada uma com 50% de probabilidades), então posso legitimamente aceitar que eu posso decidir-me igualmente por A ou B: ou seja, assumo que esta decisão é aleatória. Eu poderia decidir A ou B, não estava determinado a decidir-me por uma delas, tal como o electrão poderia ocupar qualquer uma das localizações possíveis. Na Teoria M o colapso foi inutilizado, tal como nas teorias das cordas que lhe deram origem, pois assume que, de facto, todas as decisões possíveis são efectivamente tomadas. Ocorre nesse momento a divergência entre os mundos inconsistentes: num mundo eu decidi estudar Filosofia, noutro decidi estudar Literatura, etc. Uma pequeníssima diferença quântica no meu pensamento faz divergir universos inteiros.

Então, a mecânica quântica é protegida: o gato está simultaneamente vivo e morto. Vivo num universo, morto no outro. Mas é protegida a regularidade interna de cada mundo, onde as equações determinísticas (que postulam que para cada evento há apenas um resultado realmente possível) são coerentes com a assumpção probabilística da combinação de possibilidades possíveis. Os cientistas falam de "ramificação de universos", admitindo que possa existir alguma forma de coisas de um objecto atravessarem para outro.

Alguns dos universos paralelos não resultam simplesmente de diferenças quânticas ao longo do seu desenvolvimento. Há, também, universos criados em que as descrições da Física e da Química seriam totalmente diferentes.

Ora, para que a hipótese dos mundos paralelos segundo a Teoria M possa ser considerada válida, os cientistas devem testá-la. A possibilidade de testar esta teoria depende, como é óbvio, da conectividade entre os universos. Se os universos forem totalmente independentes, será impossível detectar qualquer notícia da sua existência. Portanto, a condição de possibilidade de se obter evidência nesta Teoria reside na possibilidade de detectar pontos de ligação que permitam inferir a existência de outros universos. Ora, esta ligação seria estabelecida através das dimensões invisíveis. Os cientistas acreditam que os gravitons são partículas carregadas com gravidade, e que esta possui todas as dimensões. Os gravitões poderiam, então, mover-se entre dimensões. Se se conseguir criar um gravitão, isso implicaria o seu desaparecimento de outra dimensão - ele ter-se-ia movido de outras dimensões ao surgir na nossa.

Einstein imaginou a possibilidade de existirem buracos de verme. O que são estes buracos?
Ora, os buracos negros resultam de uma concentração tão elevada de massa num volume tão exíguo, que o tecido do espaço-tempo fica com um buraco. Teoricamente, dois buracos negros poderiam formar um canal de ligação entre dois pontos na estrutura do espaço-tempo. A este canal chama-se "buraco de verme", ou "buraco de minhoca". Os cientistas propõem a possibilidade de existirem buracos de verme entre as membranas. Mas como seria possível um humano atravessar por um túnel que tem início num buraco negro e termina noutro? Mesmo que sobrevivesse, como saíria desse buraco negro se nem a luz lhe escapa?
Alguns cientistas assumem que, em tese, o ser humano poderia atravessar por um buraco no espaço-tempo (não produzido por um buraco negro, mas de uma forma controlada, utilizando técnicas humanas para concentrar energia num único ponto) e chegar com vida a outro universo. Mas o que faríamos se fôssemos parar no interior de um planeta, ou dentro de uma estrela?

Enfim, existem muitas dificuldades no estabelecimento de evidências relativamente à Teoria M, a qual resulta das teorias das cordas, que também não apresentam evidências significativas, como já foi dito. Entretanto, a Teoria da Relatividade, e a Teoria Quântica, têm apresentado evidências muito significativas. E em conjunto explicam a totalidade do conhecimento científico humano sobre o universo. Por outro lado, permanecem inconsistentes uma relativamente à outra. Consideradas por si próprias, estas duas teorias são inconciliáveis, e em última análise não podem estar ambas simultaneamente correctas. Ao serem integradas em sistemas complexos que relacionam ambas, estes sistemas encontram dificuldades em fundearem-se em evidências científicas.

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O gato de Schrödinger VIII

A propósito de, infinito...

A interpretação dos muitos mundos, ou many-worlds interpretation.

O infinito. Já falámos do infinito. O infinito é uma série interminável, por definição sem fim nem término. Podemos definir o infinito, mas não podemos percepcionar o infinito dado. Ou seja, não podemos pensar nem imaginar uma totalidade infinita dada, e a própria noção de totalidade infinita parece contradizer-se. Entretanto, o conceito de infinito é bastante distinto, pois podemos facilmente distingui-lo dos restantes. Aliás, parece ser precisamente por essa distinção que o definimos. Um ente apresenta-se nos limites da sua apresentação, mas não o infinito, pois caracteriza-se por não apresentar limites. Então o que é que se apresenta no infinito? Nada de infinito se pode apresentar propriamente. Assim, tem-se habitualmente negado a possibilidade da realidade ser infinita. Se o Universo fosse infinito, por que motivo diriamos que na natureza nada se perde nem se cria? Ao infinito nada se pode retirar que o transforme noutra coisa que não o infinito. Nada se lhe pode acrescentar que o torne mais extenso. Não se pode fazer do infinito um infinito maior, nem menor. Entretanto, sabemos que se algo desaparece, deve ter-se deslocado para algum lado. Mas porquê? Se há a necessidade de se manter sempre a mesma totalidade, parece que deve existir uma totalidade finita.

Não estou a negar o infinito, estou a considerá-lo nas suas dificuldades. Agora supunhamos que o tempo é infinito. Ora, se o tempo fosse infinito, então tudo o que está a acontecer deveria ter acontecido antes, pois o tempo necessário para que isto acontecesse teria sempre já passado antes. Se o tempo não teve início, então qualquer que seja o tempo necessário para uma coisa acontecer, ele já passou. Eu estou a escrever, mas se o tempo é infinito, o que agora está a acontecer "já vem tarde", deveria já ter ocorrido há mais tempo. Mas qualquer que seja o momento em que eu coloque um acontecimento, esse acontecimento deveria sempre ter ocorrido mais cedo.

Na verdade, se o tempo é infinito, tudo o que acontece deve, também, já ter-se repetido antes. Houve tempo suficiente para que aquilo que acontece já tenha acontecido antes. Assim, se o tempo é infinito, o universo deve repetir-se de forma infinita. Mais do que isso, se o tempo é infinito, há tempo suficiente para que todas as possibilidades ocorram. Não é só o mundo como o conhecemos que se repete no infinito, mas todas as possibilidades alternativas (isto é, se assumirmos que o que acontece não é necessário - para alguns cientistas e filósofos, mesmo que o tempo fosse infinito, repetir-se-ia sempre o mesmo, sempre a mesma combinação de coisas, pois o que acontece decorre de leis necessárias que impõem o seu acontecimento. Note-se que é normal que não nos lembremos de já ter vivido a nossa vida, pois a repetição do mesmo implica repetir as mesmas condições).

Então, se o tempo é infinito, na sua infinitude deverão ocorrer todos os possíveis - se assumirmos que há possíveis alternativos, então no infinito do tempo todos devem ocorrer, e todos devem repetir-se, infinitamente. Portanto, na experiência de Schrödinger, se no nosso mundo, ao abrirmos a caixa, temos um gato morto, num outro mundo de entre aqueles que se repetiram ele deve estar morto. Note-se que, nesta interpretação, se assume que a indeterminação é eficaz, não só que ela existe de facto ao nível subatómico, mas que ela produz efeitos ao nível macroscópico. Assumindo que há vários possíveis, várias alternativas para o que acontece, elas todas devem ocorrer no tempo infinito. Então, deverão acontecer repetições infinitas do Universo, mas também de versões diferentes. Deverão já ter acontecido versões do Universo apenas ligeiramente diferentes do nosso (uma mosca que viveu menos um dia), versões significativamente diferentes (o espermatozóide que daria origem a Hitler não foi o primeiro a alcançar o óvulo), e versões muito diferentes do nosso, onde, talvez, nem o sistema solar se tenha formado. Na verdade, podemos continuar a dizer que é sempre um Universo, o qual produz revoluções infinitas, provocando a ocorrência de todas as possibilidades.

Imaginemos agora que é o espaço que é infinito. Mais importante do que isso, imaginemos que a matéria-energia que ocupa o espaço infinito é, também ela, infinita. Então todas as possibilidades devem repetir-se. Algures, numa qualquer parte do espaço, deve existir um sistema solar igual ao nosso, com a Terra a ser habitada por nós. Mas também todas as possibilidades devem ocorrer e repetir-se. Se aqui, ao abrir a caixa, o gato está morto, num outro ponto do espaço eu abro a caixa, mas o gato está vivo.
Podemos também imaginar a combinação do infinito do tempo com o infinito da matéria-energia.

Mas no espaço infinito podemos supor vários modos de existirem muitos mundos. Pode tratar-se de um Universo contínuo, infinito, onde todas as possibilidades ocorrem e se repetem. Mas pode também acontecer que, no espaço infinito ocorram vários Universos separados por espaços vazios. Podemos imaginar bolhas, sendo cada bolha um Universo no espaço vazio. Podemos imaginar que há um número infinito de Universos. Assim, o nosso Universo, a nossa bolha, deve repetir-se pelo espaço infinito, mas também todas as possibilidades devem repetir-se. Esta teoria dos universos bolha contradiz o significado da palavra "universo". "Universo" significa que se trata de uma versão única. Mas nesta teoria ocorrem muitos universos. Infinitos universos. Algumas destas bolhas poderiam chocar entre si, misturando-se ou colapsando num novo universo, maior. Considerando esta teoria, podemos assumir que em algumas bolhas as forças básicas não sejam as mesmas que no nosso universo. As quatro forças básicas do nosso Universo poderão não ser vigentes noutros universos. Podem existir universos com leis totalmente diferentes daquelas que actuam no nosso, com outras dimensões além das quatro que conhecemos, ou em vez delas. Poderíamos considerar a possibilidade de existir um universo com forças, leis e dimensões totalmente diferentes. Não temos forma de imaginar quais seriam, a não ser extrapolando das nossas, por exemplo, imaginando uma quarta dimensão espacial, a qual descrevemos como se se tratasse de outra dimensão do tipo da largura, da altura e do comprimento. Ora, pode acontecer que existam dimensões tão diferentes das nossas dimensões espaciais e do tempo, como a dimensão do tempo é diferente das dimensões espaciais.
Podemos ainda conjugar o infinito do tempo, com o infinito da matéria, ou ainda com o número infinito das bolhas. Há quem diga que seria mesmo possível combinar o infinito da matéria de cada um dos universos, com o número infinito de bolhas à deriva no espaço infinito. Assim teríamos universos infinitos, em tempo e matéria-energia, à deriva dentro do espaço infinito. Note-se, portanto, que cada novo tipo de infinito permite ser combinado com os infinitos precedentes.

Para o próximo género de infinito que queremos abordar, consideremos uma teoria que é famosa e que toda a gente parece já ter ouvido falar: a teoria das cordas.

A teoria (ou sistema, se considerarmos que se trata de uma visão global sobre como as coisas são, implicando a re-descrição e integração de um conjunto amplo e interdependente de teorias, inter-explicativas e que se justificam entre si) das cordas apresenta-se como uma espécie de teoria mitológica da Física. Não porque esclareça as origens da Física (as origens da Física encontram-se na Filosofia), mas porque insinua a possibilidade de fundir e conciliar electrodinâmica e gravidade, mundo quântico e mundo macroscópico, teoria da relatividade e mecânica quântica, noção de partícula e noção de onda. Trata-se, no entanto, de uma hipótese e ainda não apresentou qualquer evidência científica. A evidência científica, como já dissemos, não está na confirmação ou na verificabilidade, ou seja, não está em que as suas explicações encaixem nas obervações, ou que as observações possam ser explicadas pela teoria. Como já dissemos, a evidência científica exige testes nos quais a teoria possa ser confirmada ou refutada. Uma teoria que não descreve as condições da sua refutabilidade, ou em que essas condições, mesmo que descritas, não podem ser testadas, não pode fornecer evidência científica - pois esta reside na resistência perante os testes em que pode ser refutada. Ora, tudo o que o sistema das cordas conseguiu foi explicar observações que são também explicadas por outros sistemas (nomeadamente, pelo composto pela teoria da relatividade, ou pelo composto pela mecância quântica e suas várias interpretações, ou até por estes dois sistemas), ou então resistir a testes a que também resistem outros sistemas. Ainda não foi capaz de executar um teste para uma situação em que todas as restantes teorias sejam refutadas. Em parte, isto deve-se ao facto de que aquilo que é de facto novo neste sistema é precisamente aquilo que não temos como testá-lo. Ora, se se cria uma teoria para explicar um problema, mas que não traz uma compreensão mais eficaz, a não ser sobre uma realidade que apenas ela descreve (ou cria), deixando no final o mesmo problema para resolver relativamente a essa realidade apenas por ela descrita, então esta teoria deve ser vista com reservas. Como quando se tenta explicar a origem do Universo introduzindo o conceito de Deus: esta teoria traz um novo conhecimento, a religião, mas é um conhecimento que ela própria estipulou, visto Deus não ser um problema antes de se ter sugerido a sua existência; por outro lado, deveríamos então questionar o que criou Deus; se afirmamos que Deus é eterno, então estamos a justificar o facto de nos termos resignado a Deus com um argumento que nos deveria ter deixado ficar com o Universo - ou seja, se explico a existência do Universo com um outro ente que é eterno, então por que é que não assumi desde início que o Universo era eterno? A teoria das cordas parece trazer uma nova concepção da realidade, a saber, as cordas, mas as cordas só se tornaram algo sobre o qual poderia existir conhecimento quando a teoria as postulou. Por outro lado, embora explique a dualidade partícula-onda, não torna a compreensão da natureza menos estranha. A noção de corda não é menos estranha que a noção de partícula-onda. Contudo, a teoria das cordas parece visar uma solução para a estranheza da noção de partícula-onda.

Como já vimos, os objectos subatómicos ou quânticos, nas observações que deles se fazem, por vezes comportam-se como ondas, outras vezes como partículas. No entanto, apesar de se falar em observação, não é possível observá-los directamente. Tomando como exemplo o electrão, nunca ninguém viu um electrão. Simplesmente, pode-se medir os seus efeitos naquilo que o cerca. A sua massa, por exemplo, produz efeitos/alterações no vácuo que o envolve. São os efeitos da sua massa, por exemplo, que são medidos. Pelas medições dos seus efeitos, assumimos a existência do electrão. Poderíamos chamar-lhe outra coisa, mas convencionou-se chamar electrão àquilo que assumimos produzir os efeitos que medimos. Na verdade, muitos filósofos e cientistas consideram que, epistemologicamente, não podemos afirmar que o electrão existe. Alguns filósofos e cientistas consideram que apenas podemos assumir, na resolução de problemas, "algo", ao qual poderíamos chamar electrão, mas apenas por razão de conveniência pela utilidade que tem esta assumpção - contudo, não podemos dizer que existe um electrão, muito menos afirmar que é um corpúsculo ou uma onda.

Alguns cientistas consideraram então que todas as observações e medições resultam do efeito das vibrações de cordas. Propõem que a forma elementar da realidade é a destas cordas, as quais, ao vibrarem, produzem os efeitos que são mensuráveis. Assim, a realidade seria, na verdade, o efeito das vibrações destas cordas. As cordas podem vibrar com diferentes tons - tal como uma corda musical pode produzir diferentes tons, diferentes notas. Determinados tons reflectir-se-ão em medições do padrão das ondas, outros em medições do padrão das partículas. Assim, tudo o que existe no Universo é o efeito destas vibrações. Esta teoria consegue assim a união entre o mundo visível e invisível. Resolve-se a confusão entre onda e partícula. Na verdade não haveria partículas a comportarem-se como ondas, nem ondas a comportarem-se como partículas. A verdade seria que são as cordas que, ao vibrarem, produzem determinados efeitos, que são medidos, umas vezes registando padrões de tipo onda, outras vezes registando padrões de tipo partícula. Note-se que estas cordas, por si, não ocupam espaço, pois toda a medição resulta da sua vibração, incluindo a extensão.

Podemos, então, imaginar que as cordas poderão vibrar em tons de tipo inconsistente. Podem coexistir, num mesmo ponto, diversas cordas a vibrar em tons inconsistentes. As cordas que vibram em tons consistentes uns com os outros, produzem um universo, outras cordas vibrarão em tons inconsistentes com aqueles, mas consistentes entre si, e produzirão, deste modo, outro universo. Se imaginarmos que as cordas podem vibrar numa quantidade infinita de tipos de tons (por assim dizer), então colocamos a hipótese de existir uma infinidade de universos a ocupar o mesmo espaço. A ocupar o mesmo espaço que eu pode estar uma infinidade de universos paralelos - sendo que aqui o conceito de paralelo é confuso. Esta possibilidade (de vários universos "paralelos" ocuparem o mesmo espaço) tem sido explorada em alguns filmes de ficção científica, bem como em séries televisivas, das quais gostaríamos de destacar Freezer (apesar de, nesta série, se abordar explicitamente a existência de "apenas" dois universos paralelos). Nestas obras de ficção utiliza-se habitualmente o termo "dimensão", ou a expressão "dimensões paralelas". Na verdade, tratam-se de outros universos, onde podem, de facto, existir dimensões diferentes.
Finalmente, podemos imaginar combinações de todos os tipos de infinitos descritos até aqui.

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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O gato de Schrödinger VII

A propósito de, colapso e observação...

Uma das indicações mais importantes que podemos retirar da experiência de Schrödinger é que não devemos extrapolar, sem mais, para o macroscópico aquilo que "se verifica" ao nível do subatómico. Mas isto também é, de si, confuso: como se justifica que os corpos não mantenham as mesmas características dos seus compostos?

Se tudo é composto de partículas subatómicas, então tudo deve deter as suas características. Neste caso teríamos de assumir que um cão pode ser uma onda? Ou melhor, teríamos de assumir que o comportamento do cão é aleatório? De uma forma ou de outra, parecemos cair na confusão.

Também já vimos que podemos considerar que o indeterminado não é, por natureza, indeterminável. Ou seja, podemos considerar que existem variáveis incógnitas que de algum modo actuam. Assim assumimos que não são as partículas que são aleatórias, mas sim o nosso modelo explicativo que está incompleto.

Mas o grande problema parece ser "o momento de medição" e o que se passa durante o período de incerteza. Ou seja, o problema estabelece-se sobre a interpretação desta incerteza. Para uns significa apenas que existe algo indeterminado, para outros trata-se de algo indeterminável. O problema não fica por aqui, como também já vimos. Para aqueles que assumem a indeterminabilidade do mundo quântico, a única forma de representar o período de incerteza é pelo conjunto das possibilidades, sem a assumpção de nenhuma delas de forma isolada.

Ora, isto gera, também, problemas: o gato tem que ser assumido como vivo e morto, mas isto significa o quê? Na medição ele está vivo, ou está morto. Mas antes, como é que ele estava? Durante o período de incerteza eramos só nós que desconhecíamos o estado do gato, ou era o próprio gato que não tinha um estado? Imagine que estamos a falar de objectos quânticos.

A interpretação da mecânica quântica mais comum, a interpretação de Copenhaga, afirma que uma superposição se torna num estado único quando uma observação/medição acontece. Mas que se quer dizer por observação? Querer-se-á, de facto, dizer que a realidade apenas colapsa numa descrição única (clássica) quando há um observador, mas que enquanto não é observada anda a brincar sem se decidir por ser uma coisa ou outra? Imaginemos que estamos na caixa em vez do gato e que temos 50% de hipóteses de nos suicidarmos. Bem, na nossa perspectiva estaríamos sempre vivos enquanto estivessemos a observar. Quando morressemos deixaríamos de observar, logo, não ocorrendo observação, estaríamos vivos e mortos. Esta experiência pode ser interessante, na interpretação que aceita que os corpos macroscópicos devem manter a incerteza dos objectos quânticos, pois não é possível a um electrão proceder à própria observação. A não ser que por observação se queira dizer algo de muito diferente daquilo que habitualmente queremos dizer com isso.

Se em vez do gato, estivermos nós na caixa, chegamos ao paradoxo que nos diz que, se eu me suicidar, fico vivo e morto até que alguém abra a caixa para saber se eu me suicidei. Mas, então, quando ocorre a observação: quando o detector capta a partícula, ou quando alguém abre a caixa? Na experiência de Schrödinger, quando é que o superestado do gato colapsa num estado específico? Quando a partícula é detectada, portanto, medida? Ou quando a caixa é aberta? Ou quando alguém vâ o gato?

Estas perguntas podem ser enganadoras. Lembre-se que estamos a experiência de Schrödinger pretendia referir-se a objectos quânticos, mas utilizando um gato como "metáfora". O que devemos perguntar é se o que determina o colapso é a medição por si, ou a observação por um ser consciente. Voltemos às partículas do exemplo dado por Einstein: a sua rotação é determinada apenas no momento da sua medição; apenas no momento da medição sabemos qual das partículas gira para a direita, e qual gira para a esquerda. Então, agora, devemos perguntar: quando é que o sistema de superposição direita-esquerda para cada uma das partículas colapsa? Quando um instrumento de medição recebe a informação? Quando o cientista lê o registo no instrumento de medição? Ou será que o "observador" deve ser entendido como o resto do Universo? Na verdade, quando uma partícula assumir uma rotação, a outra assume a simétrica. Poderíamos dizer que o sistema de superposição colapsa quando uma partícula detecta a outra, interpretando aleatoriamente como tendo rotação para a direita ou para a esquerda, e instantaneamente assume a rotação simétrica. Esta última interpretação teria a vantagem de manter as coisas compreensíveis na medida em que, de facto, não existiria um período mensurável de incerteza. A detecção seria instantânea, tal como é instantaneamente que uma das partículas reage à alteração da rotação da outra. Por outro lado, isso implicaria que se detectariam simultaneamente uma à outra, determinando cada uma aleatoriamente a rotação da outra - tendo que, cada uma detectar o mesmo, pois não poderia acontecer que ficassem ambas com rotação para o mesmo lado. Deixemos esta interpretação.

Quando é que o sistema de superposição colapsa? Quando um instrumento regista a rotação de uma das partículas? Ou quando um cientista observa esse registo? Ambas parecem pouco intuitivas. Nada intuitivas, de facto. Intuitivamente, consideramos que a medição ocorre quando um detector regista algo. Mas que isso implique a determinação da realidade é estranho. Também é estranho que seja necessária uma consciência para determinar a realidade. Então como foi que a realidade "existiu" até aparecerem seres humanos? Para surgir o primeiro ser humano, foi preciso que uma determinada possibilidade do Universo ocorresse, nomeadamente, a possibilidade que incluía o surgimento de seres humanos. Mas, segundo a mecânica quântica, apenas quando o primeiro ser humano observou o Universo ele colapsou numa descrição única. Até aí era o conjunto das possibilidades. Da mesma forma, este computador que estou a usar tem que ser o resultado de um colapso, mas esse colapso apenas ocorre na medição. Ora, eu jamais irei medir as grandezas quânticas das partículas subatómicas que o compõem. De resto, é impossível observar directamente um electrão, só é possível medir os seus efeitos. Será isso que se passa: a observação do macroscópico provoca o colapso do subatómico? Por outro lado: fará sentido perguntar como era o Universo antes do Homem? De facto nós estudamos tempos anteriores à Humanidade, mas há um reparo a fazer: nós estamos cá para observar o estudo que fazemos sobre o tempo em que não estávamos lá. Não podemos, em situação alguma, estudar sem estarmos cá. Não nos é possível sair do nosso tempo, do tempo em que existimos. Mesmo que viajássemos no tempo e fôssemos ao tempo dos dinaussauros, mantêm-se o facto de estarmos lá a observar. É uma tautologia, mas convém formulá-la: não é possível observar um tempo não observado para ver se existe alguma coisa antes de ser observada. Assim que alguma coisa seja observada, deixou de ser algo não observado.

O problema da observação, reside, de facto, no colapso. Agora percebemos isso. Só é necessário determinar com exactidão o que é "medir" e "observar", e quem ou o quê está habilitado para ser considerado "medidor" e "observador" porque é a medição que provoca o colapso, e o colapso é condição sine qua non da realidade tal como a conhecemos, se assumirmos que antes do colapso há superestados que são conjuntos de possibilidades. Note-se que "possibilidade", em quântica, não significa necessariamente algo que pode ocorrer mas não ocorre. Pelo menos uma das possibilidades ocorre - numa visão de pendor determinista em que se considera o gato vivo ou morto. Segundo muitos cientistas, ocorrem todas as possibilidades, embora apenas uma delas se efective aleatoriamente no momento da medição - visão probabilística.

A visão de pendor determinista também é problemática, na medida em que há grandezas que não podem ser determinadas, simultaneamente, de forma precisa. Por outro lado, parecem existir, de facto, variáveis incógnitas (não sabemos, por exemplo, como é que as partículas da experiência de Aspect sabem sempre, instantaneamente, qual é a polaridade uma da outra, se essa informação não pode viajar mais rápido do que a luz). Em muitos casos, a mecânica quântica explica e resolve problemas, resiste aos testes e é consistente com observações feitas, levando ainda, por vezes, ao desenvolvimento de técnicas e instrumentos úteis. Mas como conciliar a incerteza com a certeza, o determinismo com o indeterminismo? Como conciliar o visível (macro) com o invisível (subatómico)? Como combinar partícula e onda?

O modelo probabilístico do invisível deve conciliar-se com o modelo determinístico do visível. Pois, só há um mundo. Ou será que não?

O problema de colapso foi resolvido pela sugestão de que existem, na verdade, vários mundos. Esta interpretação dos vários mundos não torna necessário que a onda de possíveis estados colapse num estado definido. Simultaneamente, mantém a noção de probabilidade e a concepção de Universo não determinístico. Como? Como se combina Universo não determinístico e ausência de colapso? Precisamente, essa combinação ocorre na assumpção da existência de vários mundos. (Nota: há vários tipos de mundos paralelos e concepção várias sobre o que sejam esses mundos, bem como sobre a forma como eles "interagem" ou se situam relativamente uns aos outros; não iremos abordar todas as teorias envolvidas na assumpção de vários mundos, nem todas as concepções existentes de "vários mundos"). Iremos abordar este tema de forma muito selectiva.

Continua em:
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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O gato de Schrödinger VI

A propósito de, incerteza...

Apesar da destreza intelectual de Einstein, a mecânica ou física quântica desenvolveu-se de forma a deitar de lado algumas das teorias de Einstein. Por exemplo, o limite absoluto da velocidade da luz. Atingir este limite seria impossível, segunda a Relatividade Restrita, pois à medida que um corpo se aproxima dessa velocidade limite, a largura se comprime a tender para o infinito. A atingir tal velocidade, a massa desse corpo tornar-se-ia infinita, o que é impossível. Para atingir tal velocidade precisar-se-ia de uma quantidade infinita de energia, mas no Universo inteiro não existe uma quantidade "infinita" de energia. No entanto, no domínio da física quântica, Aspect utilizou duas partículas numa experiência interessante. Afastou-as, uma da outra e mudou a polaridade de uma delas, em voo. Aconteceu que, instantaneamente, a outra mudou também a sua polaridade. Esta experiência negava as conclusões de uma experiência mental de Einstein: de duas partículas, uma seria enviada para uma galáxia distante, enquanto a outra seria mantida na terra; na galáxia distante, sempre que a rotação da partícula for para a direita, a rotação da partícula na terra será para a esquerda, e vice versa, na medida em que o resultado total da rotação das duas partículas tem que ser zero, conforme a lei do momentum angular. Como se lembram, segundo Einstein, o instantâneo não seria possível, dado o limite da velocidade da luz. Seja o que for que propague a informação sobre a rotação da partícula na galáxia distante, não poderá deslocar-se a uma velocidade superior à da luz, logo não pode acontecer que a alteração da rotação de uma partícula provoque a alteração simétrica e simultânea da rotação da outra (note-se que para que isso acontecesse a informação teria que viajar de forma instantânea). Como é que uma partícula poderia saber instantaneamente que a outra alterou a sua rotação, se a informação não poderia viajar de uma partícula até à outra a uma velocidade superior à da luz? A falta de uma resposta a esta questão levou Einstein a afirmar que a teoria quântica estava incompleta. Bell provou matematicamente que de alguma forma as partículas, apesar de uma estar na Terra e a outra a milhões de anos luz, numa galáxia distante, efectivamente "sabiam" o que cada uma estava a "fazer" a cada momento: se uma delas invertesse a rotação, instantaneamente a outra também inverteria a sua. De facto, Alain Aspect provou, como dissemos, que Bell teria razão pois demonstrou que, se invertermos a polaridade de uma partícula, a outra instantaneamente inverte a sua, de modo a manter a totalidade das duas em zero.

O senso comum pode perceber o teorema de Bell, mesmo sem perceber a sua matemática, ou melhor, pode perceber que, se nada no Universo se cria, nada se perde, apenas se transforma, então se uma partícula ganha energia num ponto do Universo, essa energia vem de algum lado, de onde saiu. Se um electrão recebe energia, captou-a de outro lado. Podemos dizer isto de muitas formas, podemos dizer que a totalidade de energia é sempre a mesma, ou dizer que o resultado das somas de todos os positivos e negativos terá que ser zero, ou dizer que a totalidade da soma das rotações terá que ser zero. O que não se percebe é como é que se conjugam estas duas ideias: nada viaja a uma velocidade superior à da luz; inverteu-se a polaridade de uma partícula no ponto X, e a partícula no ponto Y inverteu instantaneamente a sua polaridade (de forma simétrica, mantendo a mesma totalidade: zero). Para a questão, é indiferente saber a que distância as partículas se encontravam uma da outra. Apenas de um ponto de vista prático se torna mais fácil perceber a rapidez da reacção se elas estiverem muito afastadas. Para a questão, o que é relevante é que a alteração é instantânea. Note-se a linearidade do raciocínio, apesar dos paradoxos a que a linearidade parece levar-nos.


De acordo com a mecânica quântica o valor da rotação "não é determinável" antes da medição. Temos aqui a ideia discutida pela experiência de Schrödinder. Mas esta afirmação pode ser interpretada de formas diferentes. À partida, pode significar duas coisas diferentes:

a) não temos, devido a uma incapacidade ou insuficiência da nossa técnica/conhecimento, como saber o valor da rotação antes de a medir de facto, mas ela tem realmente um valor determinável - neste caso, assumimos que a partícula tem uma determinada rotação de facto, e admitimos que exista uma forma de a determinar, sem recorrer à medição, simplesmente sabemos a fórmula para o fazer, e podemos nunca vir a sabê-la; se nos dizem que, para determinar esta grandeza, teríamos de determinar outras duas grandezas, as quais, se relacionam de tal forma que é impossível determinar simultaneamente as duas, logo, só podemos saber uma, ou outra - então, podemos responder que se trata de uma incapacidade nossa de o fazer, e não de uma característica da coisa (partícula ou objecto quântico); nesta hipótese, assumimos que a grandeza em questão é determinável, ou pelo menos é um determinado valor, apesar de termos de assumir que algumas variáveis nos são desconhecidas, quando tomadas como características de um objecto, embora, devido à nossa deficiência, só tenhamos forma de saber o seu valor quando a medirmos - tal como assumimos que o gato está, de facto, vivo ou morto dentro da caixa antes de a abrirmos, não podendo estar num superestado de vivo e morto.

b) não temos como saber o valor da rotação antes de a medir, devido ao facto desta grandeza, enquanto tal, não ser determinável de forma alguma; admite-se que existe uma superposição, representando probabilidades várias, a qual "colapsa" aleatoriamente, no momento da medição, numa posição; assim, a grandeza é tomada como, de facto, indeterminável; daqui conclui-se que o estado "em que o objecto quântico está antes da medição" é aleatório por natureza, e não em virtude de uma deficiência nossa, de tal modo que o seu estado apenas é cognoscível através de uma medição; ou seja, a sua indeterminação não significa que não temos como medir a grandeza, mas sim que esta grandeza não pode ser determinada sem medição (isto não acontece com os corpos, apenas com as partículas subatómicas, ou seja, com os objectos quânticos); neste caso, não faz qualquer sentido perguntar como está o gato antes de abrirmos a caixa, pois é a medição que permite a determinação; ou então assumimos, precisamente, o gato como estando vivo e morto (em estados misturados, ou metade-metade).


Quanto à hipótese a), parece estar mais próxima de uma compreensão linear mais imediata: podemos facilmente acreditar que as grandezas ao nível quântico são realmente determináveis, e que apenas nos falta desenvolver um método de o fazer, ou que então estão além das nossas capacidades de determinação, mas são de uma determinada maneira. Aceitamos que o gato está vivo ou morto, apesar de não termos como saber como ele está, ou de não ser possível determinar como ele está. Também aceitamos imediatamente que existam variáveis desconhecidas. Enfim, de alguma forma, esta perspectiva parece salvar uma certa concordância com o senso comum.

Mas que significa a alínea b)? Podemos assumir que a partícula subatómica "tem" um estado em que se encontra, um valor que a determina, mesmo antes da medição? É isto que nos diz o senso comum: não imaginamos que seja o acto de medir ou de observar que "faz colapsar" o superestado factual num estado determinado; imaginamos, sim, que este estado existe, a medição determina-o, mas ele "já lá estava". É isto que, primeiramente, a experiência de Schrödinger nos mostra: não devemos dizer que o gato está simultaneamente vivo e morto, devemos dizer que, nos nossos cálculos, até fazer a medição, devemos contar com as duas hipóteses. Não é que o gato esteja vivo e morto ao mesmo tempo e seja o facto de o observarmos que o faça colapsar no estado de vivo, ou no estado de morto (a Interpretação de Copenhaga da mecânica quântica parece afirmar que é a observação/medição que provoca o colapso aleatório numa das possibilidades, não fazendo sentido questionar como era a realidade antes de ser medida). Simplesmente, se não há medição, e enquanto a não houver, não temos forma de saber o estado em que se encontra e, por isso, nos nossos cálculos, usamos as duas possibilidades, contando com 50% de probabilidades para cada uma. Mas, precisamente, ao aceitarmos que é indeterminável, aceitamos que esse estado é aleatório: se não for aleatório deve existir uma fórmula para o determinar, sem medição e sem observação directa. Na macro-física é isso que acontece: os alunos calculam a velocidade de um corpo tendo em conta outras grandezas obtidas, mas na física quântica, com as partículas subatómicas, certas grandezas mostram-se indetermináveis.

Esta assumpção mostra-se simultaneamente lógica e confusa. Contra a interpretação de Copenhaga, o senso comum diz-nos que as coisas devem ser de uma ou de outra maneira, nunca de duas maneiras distintas em simultâneo. Mas como poderemos dizer que as coisas são apenas de uma maneira quando apenas podemos prever probabilidades? Quando tudo o que podemos fazer é contar com os dois estados?

É compreensível que, ao falarmos de partículas "elementares", o seu comportamento seja indeterminável, pois que é o seu comportamento que determina o comportamento de tudo, na medida em que tudo é por elas composto. Assim compreende-se que o seu comportamento não seja determinável, pelo menos enquanto não tivermos conhecido outras partículas "mais" elementares (é possível que o electrão não seja uma partícula elementar pura e seja ele próprio composto, tanto que há quem o defenda, e desta forma poderemos dizer que, à medida que conhecermos os seus compostos, iremos encontrar fórmulas para determinar o comportamento do electrão - mas tudo isto não é mais do que uma hipótese à espera de evidências).

Por outro lado, é confuso que, os corpos visíveis se comportem de forma determinável, enquanto que os seus elementos quânticos tenham comportamentos indermináveis. Se os componentes mais básicos dos corpos têm comportamentos aleatórios, como é que estes corpos têm comportamentos determináveis? Como é que, ao nível quântico podemos ter incerteza, e ao nível macro podemos ter certeza? Será que a incerteza é aparente? Ou será que as nossas certezas é que são aparentes?

Bem, afinal o que temos até aqui é apenas um conjunto de partículas que antes de "observadas" (note-se que as partículas subatómicas não são propriamente observáveis - nunca ninguém viu um electrão, apenas se pode medir o seu efeito no que o rodeia, de forma a obter conclusões quanto ao que ele é), isto é, que antes de medidas são incertas. Antes de medirmos não podemos determinar os valores das suas grandezas, ou de algumas delas. Mas o senso comum logo nos adverte que nos espantamos com pouco, pois no nosso dia a dia estamos fartos de saber coisas tarde de mais, apenas depois de as observarmos. É o que acontece quando aprendemos à nossa custa. Algumas pessoas poderão afiançar-nos que nunca se aprende a determinar a vida antes dela acontecer, pois parece que por mais experiência que tenhamos, há sempre surpresas, escolhos que estão onde não os supunhamos. Portanto, o senso comum ainda não se surpreende demasiado com a ideia de que as coisas só são determináveis quando as medimos. A vida parece mostrar-nos o aleatório a cada esquina, apesar do nosso esforço para a compreender.

Agora, depois deste exercício, tente-se convencer o senso comum (o nosso) de que o gato está de facto vivo e morto. Mais, tente-se convencê-lo de que o gato está vivo e morto, simultaneamente, mesmo depois de abrirmos a porta da caixa. Agora, sim, o senso comum dá uma cambalhota. A mecânica quântica chega a afirmar que um objecto quântico não só pode ocupar dois lugares distintos (sem sabermos determinar qual de facto ele ocupa), mas que ele, em algumas circunstâncias, ocupa simultaneamente de facto dois lugares distintos.

A mecânica quântica é complexa, desvirtua (na óptica do senso comum, mas também da física de Newton e de Einstein) o espaço, o tempo, a matéria. A Física contemporânea fala do futuro que interage com o passado (literalmente), de uma realidade estilhaçada em probabilidades, do infinito do universo, de universos paralelos, de infinitos universos paralelos, de universos bolha, de estranhas formas de os universos serem paralelos, de universos paralelos que vibram e ocupam o mesmo espaço. Uns físicos falam de umas teorias, outros de outras, alguns combinam-nas. São hipóteses, que têm de ser testadas, como já se disse.

Tomemos a noção de partícula. Ser partícula traz consigo particularidades que facilitam o raciocínio, pelo menos, ao nível da linearidade mais imediata. Se se atirar uma mão cheia de azeitonas contra uma parede, elas batem na parede, mas não a passam. Se se tiver uma parede com dois orifícios, então umas azeitonas passarão por um deles, outras pelo outro, outras baterão na parede. Se se colocar um papel depois dos orifícios, poder-se-á determinar por qual dos orifícios as azeitonas passaram. Até aqui tudo bem, as partículas comportam-se desta forma: as suas posições são determináveis, não só no presente, mas também o seu percurso pode ser determinado e podemos prever o seu comportamento futuro.

Agora testemos o comportamento das ondas. Por exemplo, num recipiente com água. Colocamos um instrumento que provoca pequenas ondulações à superfície. Em frente, a uma certa distância, colocaremos uma tábua com duas aberturas. No final do aquário fixamos um detector de ondas. Se taparmos uma das fendas, podemos facilmente determinar as ondas que passam, o seu número, etc., e sabemos por onde passaram. Com uma abertura, a medição depois da abertura revelará um comportamento semelhante ao das partículas. Se não tivessemos como ver as ondas, não saberíamos, pela medição, se se tratava de uma onda ou de uma partícula (note-se que as partículas subatómicas não são visíveis, apenas são mensuráveis os seus efeitos - podem ser, portanto, detectadas, mas não vistas directamente). Voltemos ao nosso recipiente com água. Com as duas aberturas verificamos um padrão completamente diferente: as ondas passam pelas duas aberturas e provocam ondulações depois de passarem por elas. Mais do que isso, as ondulações do outro lado da tábua propagam-se e encontram-se, cruzando-se, sendo que quando uma onda encontra a outra na parte baixa, ambas se anulam, quando as duas ondas se encontram na parte alta, intensificam-se (resultando uma onda maior). De forma muito contrária à das partículas, é-nos impossível, pelo padrão das ondas ao serem detectadas, determinar por onde passaram. O padrão detectado é característico das ondas em geral, muito diferente do resultado se se tratar de partículas. Não podemos determinar o seu percurso, pois ocorre uma espécie de fusão entre as ondas que passaram por uma e pela outra das aberturas.

Se sujeitarmos um feixe de electrões ou de fotões ao mesmo tipo de teste, verificamos que detectamos um padrão semelhante ao das ondas. Com uma abertura, os fotões, por exemplo, comportam-se como as partículas. Com duas aberturas, o padrão detectado é típico das ondas. Poderíamos, desta forma, considerar que o electrão e o fotão são, na verdade, ondas e não partículas. Na verdade, com uma abertura as ondulações na água mostram o mesmo padrão que as partículas, tal como os fotões.

O electrão, em torno do núcleo, tem níveis que correspondem ao seu estado de excitação. Saltam de nível em nível conforme a energia que captam ou libertam. Se recebe um quantum de energia, passa para um nível mais externo. Se dispende uma quantidade de energia, passa para um nível mais interno. Há um electrão por órbita e cada órbita tem um certo comprimento de onda. Portanto, os electrões saltam de uma órbita com um certo comprimento de onda, para outra órbita com outro comprimento de onda. Esta concepção levou Louis de Broglie a propôr que os electrões seriam, na verdade, ondas - ou partículas com comportamento de ondas.

Podemos ver a questão de diferentes formas: serão os electrões ou os fotões ondas com comportamento de partículas? Ou serão partículas com comportamento de ondas? Serão ondas, ou serão partículas? Parece que não poderiam ser as duas coisas, pois as ondas não se comportam como partículas, e as partículas não se comportam como ondas. Vemos isso claramente: se tiver um saco com dois furos suficientemente largos, e colocar milho dentro do saco, então alguns grãos cairão por um dos furos, outros cairão pelo outro; mas uma onda tem a habilidade de passar por várias aberturas. Os objectos quânticos por vezes comportam-se como ondas, outras vezes comportam-se como partículas. São partículas-onda. De alguma forma, esta dualidade está presente na física, pelo menos desde Jacomi que agrupava as várias possibilidades de trajectória para um corpúsculo de matéria, de tal modo que a trajectória, ou a sua representação, assumiria a forma de onda (podemos perceber isto se imaginarmos um ponto material que se vai deslocar a uma determinada velocidade, num certo espaço, podendo deslocar-se em qualquer direcção, em linha recta; então, calculando as possibilidades para a sua trajectória temos uma onda; para representarmos as possibilidades para a sua localização um segundo depois de iniciar o movimento teremos de traçar um círculo; a sua trajectória possível é um círculo que se propaga no espaço à medida que o tempo passa; isto é uma onda).

Chegámos, pois, a este ponto: os objectos quânticos comportam-se, por vezes, como corpúsculos, outras vezes como ondas. Mas, para a nossa linearidade imediata, um ente não pode ser simultaneamente onda e corpúsculo. Entretanto, considerar os objectos quânticos (para evitar, neste contexto, a palavra partícula) ora como partículas, ora como ondas, permite-nos resolver muitos problemas em física, e obter boas respostas em experiências de laboratório.

A experiência de Schrödinger alerta-nos que não devemos retirar sem escrúpulos conclusões ao nível subatómico e extrapolar para o mundo macroscópico. O facto de não conseguirmos determinar o estado de um electrão antes de o medir, não nos deve levar a afirmar, sem outras contemplações, que o gato está vivo e morto antes de abrirmos a caixa. Mas se nós aceitarmos a perspectiva de que o electrão não está de facto num estado único antes de ser medido, então teríamos de aceitar que os gatos também poderão não ter apenas uma descrição, antes de observados. O que é confuso. Intuitivamente assumimos que as coisas estão "num estado", comportam-se de uma maneira, são uma coisa. É um dos princípios básicos da lógica: "A" é "A". O que implica que, se "A", então não "não-A". De resto podemos sempre chamar a atenção para este dado: o facto de não ser determinável se "X" é "Y" ou "Z" sem medirmos "X", não se segue que "X" seja "Y" e "Z" simultaneamente, antes de medirmos "X". Quando medimos ficamos a saber o que ele é, então por que é que deveríamos assumir que antes de o medirmos ele era duas coisas diferentes simultaneamente?

Por outro lado, as partículas-onda levantam um sério problema de identidade. Portanto, temos então que a linearidade do nosso ponto de vista desenvolveu um modo temático sobre o mundo, convertendo-o num Universo de estudo sobre os entes que o compõem. Nesta demanda temática, inquisitiva, cada vez mais metódica e sistemática, a habilidade lógica e matemática foi explorada extravagantemente. Pôde-se, assim, abstrair o mundo em fórmulas e começar a obter conhecimento a partir da conjugação de fórmulas cada vez mais complicadas. A Lógica, é de tal natureza que, de proposições auto-intuitivas simples (a Lógica começa por ser, precisamente, intuitiva, sendo a coisa mais lógica do mundo) se desenvolvem teoremos que, reconvertidos em "situações reais" levariam qualquer humano menos precavido a julgar tratar-se de malabarismos inconsequentes. Pelo contrário, estamos no domínio da mais perfeita consequência. É na mais perfeita linearidade lógica que se chega ao princípio da incerteza. Por muito que os defensores deste princípio (sobretudo os que defendem a interpretação de Copenhaga) possam não gostar desta formulação: a verdade é que o princípio da incerteza é absolutamente linear, por isso mesmo é que se trata de um "princípio" e tem uma formulação, também ela, lógica-matemática. Se há cientistas que argumentam em defesa de uma determinada tese/hipótese, se há argumentos, então estamos no domínio lógico. Não acontece que um físico se vire para outro e diga: este é o princípio da incerteza, e proponho-o apenas porque o elaborei aleatoriamente, e apetece-me apresentá-lo à comunidade científica. Pelo contrário, o cientista tem as suas razões, a sua lógica, a sua matemática a apresentar. Acontece também que já não se trata da linearidade imediata do princípio lógico «Se A, então não "não-A"», mas sim de uma combinação complexa de princípios lógicos. Toda a gente aceita sem pestanejar que 2+2=4, mas nem toda a gente aceitará com a mesma facilidade que há mundos paralelos - mesmo que os cientistas mostrem as suas fórmulas e elaborações matemáticas.

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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O gato de Schrödinger V

A propósito de, Einstein...

A linearidade do nosso acesso verifica-se na nossa assumpção de que o queijo que colocámos no frigorífico continua a existir mesmo depois de fechada a porta. Não o vemos, é verdade, mas admitimos que continua lá. Nada nos permite pensar que esta assumpção esteja errada, mas nada nos pode provar que está certa. Ao abrir o frigorífico novamente, apenas verifico que ele "está" lá quando o passo a ver. Por outro lado, nada me garante que os meus sentidos estejam correctos. Na verdade, pode não existir um mundo de coisas. Tudo pode ser ilusão. Mas, por mais que seja impossível provar que o mundo (tomado aqui como objecto de um sujeito) existe, não há evidências que suportem a suposição de que não existe. Da mesma forma, por mais vezes que abra o frigorífico o queijo aparece lá, excepto se alguém de lá o retirar. Enfim, o queijo não dá evidências de que deixe de existir, aparenta uma linearidade ôntica.

Na experiência mental de Schrödinger, contudo, o gato está vivo ou morto, mas não temos como estabelecer o estado "de facto" antes de abrirmos a caixa. O estado do gato parece estar dependente da observação. A linearidade leva-nos a assumir que o gato ou está vivo ou está morto. Esta assumpção, aplicada a gatos, tanto quanto sabemos, está correcta. O gato não pode estar vivo e morto. Mas se o nosso acesso está determinado pela linearidade, não nos poderia (jamais) ser dada uma experiência que a contrariasse (a própria forma com que experienciamos ou tomamos nota da experiência). Por outro lado, podemos estabelecer formas de análise mais pormenorizadas, abstractas, matematicizadas. Através de "contas" elaboradas, que apenas uma dúzia de pessoas conseguem resolver, podemos colocar em abstracto eventos. Podemos, a partir de observações básicas dos astros, estabelecer uma forma matemática de demonstrar que a terra gira em torno do Sol, e não o inverso. Apesar de, quanto ao nosso olhar, continuarmos a ver o Sol a mover-se, sabemos que é a terra que se move em torno dele. Sabemos também que o sistema solar como um todo, e a própria Via Láctea se movem. Enfim, os meus olhos não mudaram de opinião. Entretanto, explicou-se a aparência/ilusão e sugeriu-se uma teoria, a qual resistiu aos testes, pelo menos a um significativo número de testes, e foi-se aperfeiçoando (órbitas elipticas, buraco negro no centro da Via Láctea, espaço-tempo de quatro dimensões, etc.).

A matemática é muito importante para as ciências, pois permite tornar abstracto forças que, na natureza, são concretas. Pode calcular-se o efeito da gravidade, independentemente de outras forças. Pode afirmar-se que um corpo de certa massa, projectado com certa força, atinge certa velocidade e que, atingindo essa velocidade, jamais diminuirá ou acelerará até nova intromissão externa. Os meus olhos contradizem esta evidência matemática: sempre que atiro uma pedra ela irremediavelmente cai e pára de se mover num certo ponto. A matemática, contudo, explicará que a inércia precisa de ser relacionada com o atrito (por exemplo), para explicar o que acontece nos casos particulares que me rodeiam. Assim, postulamos um mundo cujo padrão de evidência é, cada vez mais, a matemática.

Este mundo matemático começou por ser um mundo muito simples, apesar de complexo por vezes. O espaço a duas dimensões, concebido como largura e cumprimento, satisfez por algum tempo, mas exigiu a altura. Este espaço tridimensional já é, de facto, complexo. Ainda assim, o mundo cartesiano-newtoniano é intuitivamente apreendido. Imaginamos uma espécie de espaço vazio tridimensional, estabelecido por uma rede infinita de cubos. Este espaço vazio pode ser ocupado, cada coisa ocupando um espaço. Este espaço e este tempo são vazios e inócuos. Imaginamos que, parando o tempo num dado momento, cada coisa, cada partícula ocuparia um espaço específico. Duas partículas nunca ocupariam o mesmo espaço. Uma mesma coisa jamais ocuparia, simultaneamente, dois lugares distintos. Poderia, em teoria, indicar o lugar de cada coisa, por mais ínfima ou gigantesca que fosse. Os objectos deslocam-se pelo espaço em sucessões de posições lineares, embora esta sucessão não signifique divisibilidade infinita factual do espaço. Cada posição da estrutura resulta da posição imediatamente anterior. Até agora, o senso comum parece compadecer-se facilmente por esta visão científica e apadrinha-a sem relutância. Todavia, esta concepção daria origem a outra mais complexa. A concepção newtoniana-einsteiniana.

Segundo Newton, as forças são instantâneas, na ordem do espaço são exercidas instantaneamente. O tempo não era ainda uma dimensão, mas uma sucessão na dimensão trinitária do espaço. Assim, imaginemos o sistema solar e retiremos-lhe, num dado momento, o Sol. Que aconteceria aos planetas?

Nesta experiência mental não podemos recorrer à prática para ver o que acontece, pois não temos como fazer desaparecer o Sol num instante (único), e, mesmo que tivessemos, também não teríamos interesse em fazê-lo. Apesar disso, temos a matemática que nos permite calcular os resultados. Os resultados revelam que, instantaneamente, a ausência da estrela central provocaria o desaparecimento instantâneo da força de gravidade por ele exercida. Nesse mesmo instante em que o Sol desaparecesse, a matemática mostra que os Planetas, simplesmente, seguiriam em frente. A lei da inércia ditaria que os planetas, soltos da gravidade exercida pelo Sol, seguissem em linha recta, com pequenas alterações quando ponderássemos a aproximação de outros corpos, também exercendo gravidade. No essencial: ao desaparecer o Sol, os planetas do sistema seguiriam em linha recta a partir do ponto em que se encontrassem. Mas Einstein descreveu uma concepção do mundo diferente, ditada pela lei da velocidade da luz. Ora, a velocidade da (propagação da) luz, em si, é irrelevante. Tanto dá que seja 300 mil quilómetros por segundo, ou 300 metro por hora. O ponto chave está em ser uma lei absoluta do Universo.

A teoria da Relatividade Restrita estabelece as leis que resultam do limite da velocidade da luz. Sendo esta velocidade um limite absoluto, há leis que se deduzem daí, de modo a evitar contradições (ou seja, deduzem-se lógica e matematicamente - portanto, de forma linear). Antes de mais, a noção de "instantaneidade" é reduzida à de "simultaneidade", a qual passa a ser uma noção relativa. O que é simultâneo é-o relativamente a determinado observador (tomando um determinado ponto de observação/análise). Dois eventos simultâneos para um observador, podem não o ser para outro observador. Assim, se a velocidade da luz é um limite, então a gravidade, sendo uma força, deve ter uma velocidade de propagação, a qual não poderá exceder a da luz. Retomando a nossa experiência mental: se o Sol desaparecesse, a "ausência" da sua gravidade seria sentida primeiro pelos corpos mais próximos, depois pelos mais longínquos, à medida que a "onda" de propagação os atingisse. Segundo Einstein, esta onda propagar-se-ia à velocidade da Luz. Na base desta resposta está a compreensão do mundo em quatro dimensões: largura, cumprimento, altura e tempo. O tempo passa a ser compreendido como uma dimensão do Universo, não como uma sucessão de estados gerais, instantâneos, do Universo. A nossa experiência mental revela-nos uma malha com estas quatro dimensões, em que a gravidade é representada como uma deformação nesta malha espaço-tempo. O Sol, pela sua gravidade, deforma a malha, como uma bola que está sobre uma rede: afunda o espaço-tempo e esta deformação atrai os corpos que passam nas proximidades. Ao desaparecer o Sol, o desaparecimento dessa deformação na rede provocaria uma onda que se propagaria à velocidade da luz em direcção à periferia, como uma pedra que cai na água.

Aparentemente, esta concepção do mundo ainda se coaduna com a linearidade imediata do senso comum. Na verdade, a regularidade da Teoria da Relatividade apresenta uma concepção do mundo que o senso comum pode aceitar, mas não sem reservas. A teoria de Einstein é um ponto crucial na divergência entre linearidade lógico-matemática e linearidade imediata comum.

Quando se começam a pensar em experiências para verificar os efeitos do limite da velocidade da luz, então começamos a ser confrontados com resultados confusos para a linearidade imediata do senso comum, embora perfeitamente lineares do ponto de vista lógico e matemático. Para perceber isto, tem de se compreender que o limite da velocidade da luz não é um limite que o universo respeita apenas por vezes. Este limite não pode ser ultrapassado (ignoremos aqui as experiências recentes que sugerem que algumas partículas poderão superar esse limite). Não pode ser ultrapassado, nunca. O limite da velocidade de propagação do som, por exemplo, pode ser ultrapassado, provocando um rugido, um estalar como no caso dos raios que provocam os trovões. O limite da velocidade em queda livre, também pode ser vencido facilmente. Mas a velocidade da luz não, nem pela própria luz. Ora, como já dissemos, o importante aqui não é a velocidade a que a luz se propaga, mas o facto de ser um limite absoluto.

Imaginemos que a luz se propagava a 100 Km/h. Imaginemos que temos um carro que se desloca a 99 Km/h. Imaginemos que temos um observador estacionado na berma da estrada com um radar. Imaginemos que o carro levaria as luzes acesas. Na verdade, a luz projectada pelos faróis do carro afastar-se-ia a 100 Km/h do observador estacionado, e afastar-se-ia a 100 Km/h dos faróis donte partira. Se se pensar um pouco sobre o assunto, verificar-se-á que o espaço-tempo sofreu uma transformação confusa para o senso comum.

O que acontece é o seguinte: o ponto X toma-se por estacionado. O corpo Y toma-se como deslocando-se próximo da velocidade da luz, digamos 299 mil Km/s. A luz afasta-se a 300 mil Km/s, quer do ponto X, quer do corpo Y (quando o senso comum assumiria, à partida, que a luz se afastaria de X a uma velocidade igual à soma da velocidade de Y com a própria velocidade com que a luz se afasta de Y). Confuso? Como pode a velocidade manter-se?

Ora, se a velocidade da luz se mantém, e se sabemos que em se tratando de objectos comuns a movimentarem-se a velocidades habituais, a velocidade não seria a mesma nas duas circunstâncias, então algo tem que mudar, sem ser a velocidade. Mas o quê? O tempo.

No sistema de Einstein o tempo é uma dimensão, e tal como as outras dimensões espaciais se deformam com a gravidade, também a dimensão temporal pode deformar-se em determinadas circunstâncias. No caso em apreço, o tempo do objecto que se desloca a velocidades próximas da da luz deve ser diferente do tempo do observador estático. O tempo do objecto que se desloca a uma velocidade próxima da velocidade da luz deve ser "mais lento", por assim dizer. Isto torna-se "claro" numa outra experiência mental.

Imagine-se um comboio que se desloca próximo da velocidade da luz. No chão do comboio colocamos um espelho, e no tecto um instrumento que emite luz. As partículas de luz vão do tecto ao espelho e voltam, sempre propagando-se à velocidade de 300 mil Km/s. Cada partícula percorre esse espaço vertical, perpendicular ao movimento do comboio, entre o espelho e o instrumento - imaginemos uma distância de 2 metros - a uma velocidade constante de 300 mil Km/s. Imaginemos agora que essa distância é de 300 mil Km. Então a luz levará 1 segundo a ir do instrumento ao espelho, e outro segundo a voltar ao instrumento. Até aqui, nada é confuso.

Tomemos agora um observador estacionário, relativamente ao comboio, por exemplo alguém que está numa plataforma por onde passa o comboio. Para este observador, a distância percorrida pela luz não é de 300 mil km, é superior. Porquê? Porque, enquanto a luz vai do instrumento (ponto A) ao espelho (ponto B), o comboio também se deslocará. Portanto, para este observador, a direcção da luz não é um movimento vertical, mas sim diagonal. Ou seja, quer o observador no comboio, quer o observador estacionário, medem a mesma velocidade da luz: 300 mil Km/s. Mas, enquanto o observador no comboio vê a luz percorrer os tais 300 mil Km que dissemos, o observador estacionário verá a luz percorrer uma distância superior.



A linha vertical que se pode ver na figura, corresponde ao que o observador no comboio vê. Para o observador estacionário a luz percorre uma distância superior, como se pode ver na linha da direita. Isto acontece porque, como foi dito, o comboio continua a deslocar-se enquanto a luz se propaga. O importante aqui é compreender que não se trata de uma ilusão de óptica. Por outro lado, lembremo-nos que ambos os observadores chegam à mesma conclusão ao medirem a velocidade da luz: 300 mil Km/s. Assim, quando passar um segundo para o observador no comboio, a luz percorreu 300 mil Km, e chegou ao espelho. Mas, quando passar um segundo para o observador estacionário, apesar de a luz ter percorrido os mesmos 300 mil Km, ainda não alcançou o espelho. Ocorreu, por isso, uma dilatação do tempo. Quando tiver passado um segundo para o observador estacionário, ainda não passou um segundo para o observador no comboio. Quando a luz tiver chegado ao espelho, para o observador no comboio passou um segundo, para o observador estacionário já passou mais de um segundo. Destarte, para o objecto que se propaga à velocidade próxima da da luz o tempo à mais lento. Quando tiverem passado 50 anos para o objecto estacionário, para o objecto que se desloca próximo da velocidade da luz terá passado um tempo consideravelmente inferior. Se fossemos nesse comboio e voltássemos a casa passados cinco minutos, poderíamos descobrir que os nossos amigos envelheceram anos. A vida na terra teria continuado, as pessoas teriam continuado a viver durante anos, enquanto nós teríamos experienciado um período de uns meros cinco minutos quase à velocidade da luz. O filho que deixaramos no infantário estaria agora casado. Nós nem teríamos tido tempo de fazer a barba. Note-se que estamos apenas a exemplificar a ideia geral: dilatação do tempo.

Estamos perante uma concepção do tempo que choca com a linearidade imediata da concepção vulgar do tempo e do espaço: espaço e tempo que de curvam e deformam. A própria aplicação destes termos ao tempo é confusa: tempo que demora mais a passar que outro tempo? Parecemos estar-nos a referir ao tempo psicológico. Mas, segundo esta concepção, e a física tem demonstrado que ela acerta, o tempo "real", chamado objectivo, é também, afinal, relativo. O tempo e o espaço deixaram de ser como que "sacos" preenchidos pelos objectos e seus movimentos, para passarem a ser passíveis de deformação, podendo influenciar e ser influenciados. Não há um espaço inalterável onde as coisas simplesmente ocupam lugar, não há um tempo como mero passar indiferente e equitativo de instantes. Tempo e espaço são relativos. O paradoxal na noção de relatividade, e em qualquer concepção de relativo, é que a própria detecção do que é relativo e a sua medição subsequente, são dependentes de um "absoluto". A Relatividade, ou a sua detecção, é possível porque há uma constante: neste caso, a velocidade da luz. Da mesma forma, os cientistas sabem que lhes falta perceber alguma coisa quando medem um evento no universo de onde parece desaparecer energia/matéria. Se depois de um evento medimos uma diminuição do conjunto matéria-energia resultante, então os cientistas sabem que lhes falta algo, que há matéria-energia a "ir" para algum "lado" não detectado - pois assume-se a constante da totalidade matéria-energia.

Estas concepções resultam da aplicação mais restricta das regras da linearidade lógica e matemática, embora pareçam deformar a linearidade simples e mais ou menos imediata do senso comum. Tal como a conclusão de que a Terra gira em torno do Sol resulta de uma aplicação mais estreita das regras da linearidade lógica e matemática, embora contradiga a percepção imediata e a constatação a nu do senso comum. Por outro lado, a linearidade estreita, rigorosa, complexa da lógica e da matemática exigem esforços intelectuais muitas vezes pouco cativantes para o senso comum, pouco dado a divagações tão afastadas das incumbências do dia a dia. Assim, a ciência arrisca tornar-se, aos olhos do comum dos mortais, uma espécie de conto da carochinha, um conjunto de proposições ficcionadas por espíritos pretenciosamente eruditos. Entretanto, de um lado e do outro, como em todos os campos humanos, manifestam-se modos diferentes da linearidade do acesso humano ao mundo.



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