terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Ética e religião nos dias de hoje...

A propósito de,


Kierkegaard considerava que a Igreja do seu tempo se tinha transformado numa espécie de teatro ou de hotel que fazia os possíveis para atrair clientes. Ora, de facto esta mentalidade permanece ainda hoje - de tal modo que já quase ninguém tem escrúpulos de dizer que a Igreja (qualquer uma delas) deve adaptar-se aos tempos, ir ao encontro das pessoas... Este afã de atrair clientes tem feito autênticas operações plásticas à ideia de salvação e ao caminho da salvação... É verdade que o evangelho diz que a porta da salvação é estreita e o caminho que leva lá difícil - mas quase já ninguém se lembra de tais incómodas palavras! Hoje o discurso religioso - não só dos padres, mas também de qualquer crente bem intencionado que nos pretenda chamar para a luz - embeleza de tal forma o caminho da salvação, o discurso das virtudes da fé que, a páginas tantas, uma pessoa já não sabe bem qual dos caminhos oferece maior tentação: se o caminho recto, se o caminho incorrecto... A fé e a virtude são de tal modo adornadas que parece impossível que o Diabo consiga arranjar coisa mais bela e doce, e parece quase impossível que alguém chegue alguma vez a pecar se o caminho da verdade é tão tentador!

O mesmo acontece com a ética, segundo Kierkegaard... o discurso que hoje se apresenta como ético reveste-se de uma sagacidade cuja máxima é: ne quid nimis. "Nada em excesso" em ordem a poder ainda obter mais... A isto chama Johannes Climacus: a doutrina da prudência - segundo a qual o eudemonista se torna estúpido, não porque - como a antiga ética estupidamente supunha - prefira o caminho do prazer em vez do caminho da virtude, mas porque não escolhe o caminho que, prudentemente, lhe traria mais prazer...

(cf. Kierkegaard, Postscriptum Conclusivo Não-científico, VII, 403-404)

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