quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A actualidade económica, social e política

A propósito da actualidade...



O problema de Portugal, para muitos, continua a ser haver demasiados anos obrigatórios de estudo. Para outros, é a estada na UE. Ainda para outros, são as pessoas que não querem trabalhar.


Se Portugal fosse o país com mais literacia, com mais educação, com mais gente a ler, e, simultaneamente, fosse tão pobre como é, tão metido na crise como é, então poder-se-ia dizer que, de facto, o problema era a educação a mais, ou que talvez andássemos a fazer outras coisas em vez das "úteis". Muito bem. Mas o que acontece não é isso. Será então que a solução e terminar com a escola aos 14 ou 15 anos e mandar os miúdos trabalhar?

Bem, a lista dos países mais ricos ou mais desenvolvidos não segue exactamente a lista dos países onde há mais educação ou mais leitura. E este é sempre um argumento usado por aqueles que acham que se deve estudar menos, ler menos e trabalhar mais.

Por mim penso que não é ler um livro que nos torna úteis. Por outro lado, duvido que o humano não seja senão uma espécie de martelo. Mas penso que aquilo que nos afasta da leitura e nos faz ter uma cultura anti-educação é a mesma mentalidade que nos tem afastado do sucesso. Ainda que possa também acontecer que estejamos todos errados quanto ao que significa ser bem sucedido.

Quando uma pessoa muito bem sucedida se suicida as pessoas estranham. Quando uma pessoa teve muitos azares, já não se estranha. Da mesma forma, pode suceder que em 2014 (antes era 2012, depois 2013) Portugal alcance finalmente uma boa situação económica. Com isto toda a gente parece cair na esperança, tal e qual como aquele que supõe que o "sucesso" lhe dará sentido. Mas também estes podem descobrir o contrário.

Portugal pode estar a caminho do sucesso. Não o neguemos. Imaginemos que sim. E pode, precisamente com isso, estar a tratar do seu próprio suicídio.

Esperemos para ver como será essa situação em que se estará economicamente saudável. Esperemos para ver para quem será essa uma situação "vantajosa". Leiam-se as notícias, as tendências da política nacional e internacional. Restrições na saúde, na educação, decadência da imagem do ser humano.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A banalidade do mal - Hannah Arendt

A propósito da banalidade do mal...




Adolf Hitler ou Adolf Eichmann... Qual destas figuras é mais temível?


Tédio, disposição fundamental

Pequeno apontamento sobre o tédio como disposição fundamental...


O tédio é um "assunto" da Medicina e da Psicologia, mas também da Filosofia e da Religião. Isto, só por si, já mostra que não é uma questão de pormenor, nem de época. Pelo contrário, aparentemente, desde que o ser humano decidiu deitar em forma de letra as suas disposições que o tédio e a melancolia estiveram lá. Aparentemente, o tédio e a melancolia tanto atingem o senhor como o escravo, o rico como o pobre, a activo como o inactivo,... Aparentemente, qualquer acontecimento mundano o pode espoletar, e até a simples normalidade pode ser "motivo" de tédio ou de melancolia - ou de angústia. A Filosofia, como se sabe, chama-lhes "disposições fundamentais" - porque aparentemente estão no fundo! Quer dizer, parece que tudo o que se faz se faz para se lhes escapar, sendo que este escapar parece nunca estar adquirido. A Religião chamou-lhe (ao tédio ou à melancolia, não vou aqui discutir traduções e distinções conceptuais que exigiriam rever milhares de anos de tradições de pensamento) "pecado capital" - mas, por motivos que agora não interessa estudar, acabou-se por lhe chamar "preguiça" (que é, de facto, uma determinação do tédio e da melancolia, entre outras, mas obviamente não é o mesmo que essas disposições). Enfim, a Medicina descobriu que, apesar dos medicamentos que podem cortar as ligações electroquímicas do cérebro e inibir, portanto, a causa física, não há nenhum tratamento que garanta a eliminação da disposição. Os estudos mostram que, independentemente dos tratamentos, a melancolia profunda pode levar ao suicídio, quer dizer, mesmo com os medicamentos, a não ser, obviamente, que as doses sejam de tal ordem que impeçam, não só o suicídio, como qualquer outro comportamento... E assim, muitos pensadores - basta fazer uma pequena pesquisa para verificar - pensam e pensaram que o humano está sempre na no tédio, na melancolia, na angústia, simplesmente estas disposições, por serem fundamentais, têm diversos modos de se manifestar. Umas vezes manifestam-se no modo da fuga - mas pode acontecer que aquilo que permitia a fuga colapse e, então...

sábado, 26 de janeiro de 2013

O uso da linguagem

A propósito da linguagem: o uso da linguagem tem um sentido que não é o desocultamento, pelo contrário, a possibilidade de um uso eficaz da linguagem assenta sobre estruturas de esquecimento e de adormecimento. À camada superior destas estruturas chamamos "evidência".


"4.002. O homem possui a capacidade de construir linguagens com as quais se pode expressar qualquer sentido sem ter nenhuma noção de como e do que significa cada palavra. – Tal como também se fala sem se saber como é produzido cada um dos sons.
A linguagem corrente é uma parte do organismo humano e não menos complicada que este.
É humanamente impossível extrair imediatamente dela a lógica da linguagem.
A linguagem mascara o pensamento. Isso é de tal forma assim que da forma exterior da roupa não se pode concluir a forma do pensamento mascarado; porque a forma exterior da roupa está constituída, não para dar a conhecer a forma do corpo, mas para fins completamente diferentes.
Os acordos tácitos para a compreensão da linguagem corrente são enormemente complicados."

Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico




Quando julgamos que estamos a ver bem, nessa situação acontece connosco que o apresentado está dado conforme ao esperado. Só isso.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O filósofo hodierno

A propósito da filosofia nos dias de hoje... A filosofia Hoje.


Hoje há um pressuposto que se difunde entre professores de Filosofia. Um pressuposto que eles não aceitariam. Na verdade, um pressuposto contra o qual estariam dispostos a escrever artigos para revistas e até a dar um ou outro colóquio. Mas esse pressuposto é por eles usado quotidianamente, numa base regular de cegueira e conformação.


Qual é esse pressuposto? O pressuposto é o de que só quem tem teses que deseja defender é que tem direito a discutir assuntos. Segundo este pressuposto, quem não tiver um pensamento minimamente "objectivo" deve calar-se. Com isto pretende-se que para se ter o direito de discutir tem que se ter uma opinião fixada. A discussão para eles é duas teses que se opõem. Na verdade só assim compreendem a filosofia: como uma contínua luta entre pessoas que têm as suas ideias fixas e que, na verdade, jamais mudarão de opinião.


Como este pressuposto é algo que raramente trazem à luz da sua própria consciência, ele tem uma vida latente e inconsciente assumindo formas que não poderia assumir logicamente. Por exemplo, os professores de filosofia partem sempre do princípio que o outro com quem discutem deve ter uma tese - ou seja, simplesmente assumem que ele TEM uma tese. Se, por qualquer motivo, parecer que o outro nada defende e aponta deficiências por todo o lado, então imediatamente concluem que o outro tem a tese de que não há teses verdadeiras. Ou seja, para eles o outro tem uma tese, e se não lhe conseguem apontar nenhuma, acusam-no de pensar que nenhuma tese é verdadeira. E depois seguem no seu caminho de ataque, atacando a tese de que não há teses verdadeiras... assumindo, claro está, que o outro tem esta tese. Como não conseguem conceber outra hipótese têm de conceber o outro como uma tese.


Os filósofos de hoje não têm qualquer noção verdadeira do que seja "suspensão indagatória". Concebem a crítica como uma crítica à posição do outro. Os filósofos de hoje não conseguem conceber a crítica senão como um olhar agudo sobre a tese do outro e ficam atarantados sempre que surge alguém que não pretende defender a fixação da sua verdade: começam logo a gritar contra a "ausência" de objectivismo, contra a impossibilidade de chegar a uma verdade... como se o outro, quando se assume realmente na dúvida, estivesse a dizer que SABE que não há nada de verdadeiro... Mas é este pensamento que é, de facto, curioso. Muito curioso.

O filósofo actual é alguém que tem a filosofia como uma espécie de fixação. Não concebe a possibilidade de estar num labirinto. O filósofo hoje é aquele que tem muitas teorias, sabe sempre o que defender em todas as matérias, nunca se sente como um peixe fora de água. A dúvida é qualquer coisa que usa para demolir preconceitos (ou seja, as ideias dos outros), mas que jamais ousa supor que ela é necessária relativamente às determinações da sua própria tese. Não lhe passa pela cabeça - embora passe, de facto, pela língua - que a filosofia deva ser uma suspensão indagatória precisamente no sentido em que se deve manter atenta às suas próprias confusões, aos seus ângulos mortos, às suas zonas escondidas... É que o filósofo hoje já não tem presente a ideia de que ele próprio está implicado naquilo que está a discutir. O filósofo de hoje não consegue conceber um labirinto senão como um labirinto que encontra no jornal. Não consegue conceber que ele possa estar dentro do labirinto. Ora, o carácter fundamental do encontrar-se num labirinto é que, na verdade, aquilo que se vê pode nem sequer parecer imediatamente um labirinto - e quando se percebe que se está num labirinto, não se faz a menor ideia ainda de como isto onde se está se relaciona com a saída do labirinto...

Mas hoje os nossos filósofos são humanos como quem lê a humanidade no jornal. Sabem sempre as curvas que hão-de dar. O labirinto para eles é uma curiosidade, um passatempo, um divertimento. Porque, no essencial, "sabem" que HÁ uma saída, e limitam-se a sorrir condescendentemente e a traçar no jornal o caminho com a caneta especulativa. Contudo, o labirinto que interessa não vem nos jornais.


Mas o filósofo actual é uma criatura de jornal. É um ser do dia, sempre em cima da onda, na crista da onda. Surfa as salas dos hotéis com a mesma facilidade com que debita conteúdos programáticos nas salas de aula. Tanto dá uma conferência num cinco estrelas, como um colóquio numa tenda. O filósofo é um homem de sucesso, que labuta e faz pela vida, que compra a felicidade e ganha a existência em cada palestra, em cada livro vendido, em cada entrevista dada na SIC ou em cada participação no Prós e Contras. O filósofo de hoje é tudo aquilo com que os grandes filósofos nunca se identificaram... porque em todas as épocas houve filósofos de hoje... Filósofos que estão sempre actualizados e sabem ler os antigos ao modo da actualidade. Sabem pôr Platão do seu lado, e até o Ecclesiastes se torna uma sobremesa. Sempre houve filósofos de hoje em todas as épocas, que diziam em cada actualidade o que a actualidade dizia. Que estavam actualizados, adaptados. Porque é a isto que se resume a filosofia de hoje: a estar actualizado, a adpatar-se ao momento, a ter sucesso. O sucesso que Tales desprezou, que Diógenes ironizou, que condenou Sócrates à morte, que, de forma geral, deixou morrer os grandes filósofos no esquecimento do seu próprio tempo... Porque os grandes filósofos nunca foram filósofos de hoje. Mesmo quando discutiam assuntos da sua altura, faziam-no de tal forma que podem passar milhares de anos e ainda recorremos a eles para nos compreendermos melhor a nós mesmos.


Talvez o filósofo de hoje, que julga que "quem não pensa assim ou assado" não deve incomodar ninguém devesse dar menos atenção aos últimos livros que vão saindo e preocupar-se mais com os antigos, quem sabe ler Plutarco, Adversus Colotem, ou com mais atenção a Apologia de Sócrates, e redobrar esforços na compreensão da Metafísica, de Aristóteles... Talvez - e digo isto como mera sugestão, talvez mais como uma nota para mim mesmo que não espera ser colhida por outros - devesse considerar que não é o sucesso momentâneo de uma ideia ou de um modo de pensar que significa consistência filosófica.

sábado, 19 de janeiro de 2013

O fruto e o pecado original...

A propósito da maçã...


A maçã e o pecado original. A maçã simplesmente não está na bíblia como pecado original. No entanto, em latim, "malus" tanto pode designar o "mal" como a "macieira". Talvez daí venha a confusão. Entretanto, o fruto em geral é considerado como símbolo de caducidade. Quer dizer, daquilo que passa

Aquilo que passa não se pode constituir em posse plena. Não é algo que permaneça, que possa estar disponível enquanto fizer falta, por exemplo. Os frutos são assim qualquer coisa de dura pouco, que rapidamente se destrói em razão da sua própria constituição. Neste sentido, é relevante que o conhecimento e a vida sejam, no Génesis, referidos como "frutos". 

A própria vida é um fruto que dura um certo tempo, mas que é constitutivamente caduca: "tu és pó e ao pó voltarás". Por outro lado, pode ser consumida, ou guardada. Enfim, há toda uma simbologia que importaria explorar, mas, de facto, não há nenhuma referência a uma maçã. O fruto proibido não é a maçã.

A única proibição explícita é a de "comer da árvore do conhecimento do bem e do mal".

O confuso e o evidente


Aristóteles, Física, 184a16-21


πέφυκε δὲ ἐκ τῶν γνωριμωτέρων ἡμῖν ἡ ὁδὸς καὶ σαφεστέρων ἐπὶ τὰ σαφέστερα τῇ φύσει καὶ γνωριμώτερα· οὐ γὰρ ταὐτὰ ἡμῖν τε γνώριμα καὶ ἁπλῶς. διόπερ ἀνάγκη τὸν τρόπον τοῦτον προάγειν ἐκ τῶν ἀσαφεστέρων μὲν τῇ φύσει ἡμῖν δὲ σαφεστέρων ἐπὶ τὰ σαφέστερα τῇ φύσει καὶ γνωριμώτερα.


O caminho natural vai do que é mais evidente e mais claro para nós, para as coisas por natureza mais claras e mais evidentes, pois o mesmo não é o que é evidente para nós e o que é simplesmente evidente. Assim, é necessário avançar no sentido do que é confuso por natureza mas claro para nós, para o que é claro e evidente por natureza.


Diz-nos Aristóteles que aquilo que é imediatamente mais evidente e mais claro para nós não é aquilo que em si mesmo é mais evidente e mais claro... Que pode querer dizer este pensamento?

Como pode aquilo que é evidente para nós não ser evidente por natureza? 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O imediato: a elisão das possibilidades alternativas



Não se duvida de uma crença imediata. Aquilo de que não se pode duvidar é uma crença imediata. A crença imediata é indubitável porque é o horizonte da própria dúvida: não pode ser visto apesar - ou, precisamente, devido à sua imediaticidade.

Somos imediatamente quando nos deixamos levar por aquilo que nos prende. Num certo sentido, o imediato é aquilo que não temos de nos esforçar por ser, ainda que nos tenhamos de esforçar para isso.

Aquilo que nos impede de ser imediatamente é sentido como infortúnio. A dor é um grande infortúnio. Choramos a dor que nos tolhe. Queremos ver-nos livres dela. Sabemos bem o que é a dor, e sabemos bem o que é o prazer. O prazer e a dor prendem-nos num caminho imediato. O caminho do prazer: a dor é o resguardo.

Imediatamente somos como uma planta. O nosso desenvolvimento é o crescimento vegetativo e só a muito custo nos podemos compreender como vegetais. Ser como um vegetal é precisamente o modo que inicialmente compreendemos como ser aquilo que somos. Quando a vida nos corre bem, quando tudo se dispõe a permitir-nos ser aquilo que imediatamente somos: é então que nos julgamos felizes, nos julgamos afortunados. E é então que nos julgamos livres.

Para nós, imediatamente, a liberdade é que o sol e a chuva e a terra e os poderes ignorados da nossa natureza nos permitam ser como uma planta.

É um pensamento muito profundo que estejamos presos numa cadeia infinita. O que é que isso pode querer dizer? Que verdade misteriosa viu Fernando Pessoa nisto?

Atiramos ao ar os nossos vãos desejos de liberdades que não temos, mas não executamos aquela que temos. E se nos apontam a porta de saída nós não queremos outra coisa senão permanecer onde estamos.

Crescemos, de facto, como uma planta: e pensamos que isso é o máximo que temos para ser.

A possibilidade em que nos encontramos desde início: é essa que nós desenvolvemos. E tornamo-nos cada vez mais desconhecidos para nós mesmos. Cada vez somos possuídos em maior grau pelo que supomos adquirir, de tal modo que a dada altura se torna absolutamente impossível reconhecer quem somos. Porque, de facto, somos essas coisas. Somos uma coisa.

É, aliás, isso que compreendemos todos os dias quando dizemos que devemos tornar-nos úteis. O pensamento mais elevado que conseguimos ter acerca de nós mesmos é vermo-nos como um martelo se veria. Mas o martelo sabe melhor que isso: antes não ver do que ver-se como martelo. Ou tudo, ou nada.

Citação - Wittgenstein




"Se a vida se torna difícil de suportar pensamos numa alteração da situação. Mas a mudança mais importante e eficaz, a mudança da nossa própria atitude, dificilmente nos ocorre, e a decisão de dar um tal passo é-nos muito difícil."

Wittgenstein, Cultura e Valor

sábado, 12 de janeiro de 2013

"preconceito de suficiência de ângulo"

A propósito de crítica...



"Segundo o seu próprio sentido, uma perspectiva crítica (ou que tente sê-lo) acha-se, assim, obrigada à detecção dos seus próprios ângulos cegos, à prospecção do que pode estar a escapar-lhe, quer dizer, a uma pressão para sair do ângulo fechado em que porventura se ache – para sondar a possibilidade de ainda ser unilateral e fechada e conseguir ganhar ângulo para as perspectivas que porventura se situem além dos seus próprios limites. O ser crítica – ou melhor, o tentar sê-lo – veda-lhe a possibilidade de se estabilizar na sua própria óptica, exige-lhe que tente continuamente sondar para lá de si e entrar em confronto com esse exterior."

Mário Jorge de Carvalho, O egoísmo lógico e a sua superação – um aspecto fundamental do projecto crítico de Kant

Alterações climáticas

A propósito de clima na Terra e comportamentos humanos...


É o ser humano capaz de se precaver dos perigos que as suas próprias acções não esclarecidas desencadeiam?



Os direitos dos animais como possibilidade da dignidade humana

A propósito de,

Parece-me que podem existir sempre preconceitos nas posições em causa na discussão sobre os direitos dos animais e que, como sempre, trata-se de avaliar esses preconceitos; acontece, porém, que os preconceitos são transparentes, de tal modo que cada posição avalia os preconceitos dos outros pelos seus. 

Quero dizer, se há responsabilidade, se há possibilidade de suspensão de um caminho natural e, portanto, responsabilidade sobre a adopção de um caminho, esta possibilidade (que pode ser apenas uma ilusão do ponto de vista - cfr. o mito oriental de Narada e Visnu - e o humano estar tão necessitado pela forma de vida em que se encontra a viver como qualquer lobo ou ovelha), se existe de facto, existe no humano (claro que aqui isto tem de ficar posto como mero preconceito porque não há aqui tempo nem lugar para discutir isto). 

Portanto, por enquanto, e tanto quanto se sabe, o humano (e só ele, se de facto ele o é) é capaz de dignidade, de excelência, e de decadência, de maldade. Portanto, a haver qualquer direito, do humano ou do animal não humano, das pedras, das árvores, ou do vento, dos rios, do que se queira, isso há-de ter, primeiro e antes de tudo, de se evidenciar do modo como o humano se vê a si mesmo. Quer dizer, do que se tem para ser como posto pelo próprio humano (se ele é capaz de tal coisa). 

Isto significa, por um lado, que teria de haver uma distância entre humano e natureza, de tal modo que o humano possa tornar-se senhor da sua natureza - ou melhor, a natureza do humano há-de estar no seu fim, e não num desenvolvimento tipo planta (no sentido de φύσις). O direito do animal só pode surgir sempre como reivindicação humana - e só se o humano se compreender a si mesmo de tal modo que a dignidade animal lhe diga alguma coisa sobre o como ele deve ser. A questão é que nós vivemos no "ter" e não no "ser", e deveríamos aspirar a não viver no "ser", mas no "vir-a-ser". 

Tudo isto para dizer que me parece bem que se defendam os direitos dos animais, e até que se lhe dê os direitos que se achar por bem. Mas nunca esquecer que o leão tem um respeito pela zebra que não é aquele de que o humano é capaz (e capaz de não dar). Ou seja, se o humano não for mais do que um animal não humano, então não há nenhum direito a defender para os animais não humanos e devemos comê-los como o leão come a zebra. 

Por isso defendo os direitos dos animais PORQUE o humano é capaz de ser mais do que um animal (se é que o humano é capaz disso, o que, obviamente, teria de ser discutido).

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Ah, felicidade, a nossa maior miséria...

A propósito da felicidade...



A única coisa que nos consola das nossas misérias é a diversão, e no entanto essa é a maior das nossas misérias. Pois é isso que principalmente nos impede de chegar até nós, e que nos faz perder insensivelmente. Sem isso, estaríamos no tédio, e esse tédio nos levaria a procurar um meio mais sólido de sair. Mas o divertimento entretém-nos e faz-nos chegar insensivelmente até à morte.

Pascal, Pensamentos, Art. IV, 4, ed. E. Havet

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Desconhece-te a ti mesmo

A propósito de felicidade e ignorância...



É claro que o mandamento "desconhece-te a ti mesmo" é da pior espécie. Porque, para que ele pudesse ser útil, teria de verificar-se que aquilo que ele manda já não pudesse ser cumprido. Pior do que isso, é um mandamento tão ruim que se arrisca a criar as condições da sua própria inexecutabilidade. Pois, que forma há de criar mais desejo por um fruto do que proibir o seu consumo?

Mandar que alguém se conheça a si mesmo é parvo, mas de outra maneira. Porque ao mandar uma coisa cria resistência a isso. O sujeito pensa que lhe estão a chamar parvo. Por isso é parvo mandar alguém conhecer-se: nesse sentido em que leva essa pessoa a recusar-se a tal coisa. Por outro lado, se se descobre que há esforço envolvido, nada pode ser mais dissuasor.

É feliz o que se ignora, infeliz o que se descobre. Mas terrível é ser incapaz de compreender a própria sorte. Porquê? Só é terrível para ele enquanto sabe isso, mas se fosse incapaz de o compreender, não compreenderia a sua infelicidade. O que é uma infelicidade que se ignora? Será felicidade?

domingo, 6 de janeiro de 2013

O Fim do Homem e a Última História. Por Milton Pires


Manifestante na derrubada do Muro em 1989 – A Ilusão de que a História tinha acabado



Raros são os exemplos, dentre os filósofos brasileiros, de pensadores empenhados na defesa do indivíduo. Para cada Olavo de Carvalho existem inúmeras Marilenas Chauís, e podem ser contados nos dedos de uma mão as críticas atuais  à nova ditadura de costumes que assola o país: o “politicamente correto”. Talvez o mais assustador nesta patologia da cultura não seja aquilo que ela expressa, mas sim  o que ela  esconde.
Vivemos numa sociedade  em que nada pode ser mais temido do que uma opinião independente. É necessário ajustar-se rigorosamente a todos os pseudo conflitos que a “mídia amiga” faz questão de noticiar diariamente. Assim, embora não seja evidente a primeira vista, existem opiniões prontas as quais devemos recorrer para não sofrermos a “exclusão social de nossas ideias”. Frases feitas sobre Deus, conduta sexual, pena de morte e aborto (só para citar alguns exemplos) invadem nossos computadores, telefones celulares, iPhones e redes sociais de uma maneira capaz de anular o indivíduo na mais humana das suas dimensões – a histórica.
A sociedade brasileira internalizou de maneira tão forte a “luta contra os preconceitos” que abdicou da capacidade de formar juízos “a priori”. Não existe mais valor ou tipo de vida  boa, justa, ou bela  cuja busca atormentava os gregos. Tudo é hoje  vítima do relativismo e a ideia de testar hipóteses, importada do pensamento cientifico, tende a fazer com que toda ética contemporânea torne-se, como disse Jorge Luis Borges, um ramo da estatística. Nesse processo de abdicação da sua individualidade, o homem contemporâneo vem sendo massacrado pelos conceitos emprestados de dois discursos: o marxista e o psicanalítico. Caso eu me manifeste com pensamento independente devo ser visto como um possível “doente mental” ou como “representante de alguma elite”. Não vão faltar aqueles que pensam que vou invadir algum MacDonald's com um fuzil ou que tenho interesses econômicos sustentando minhas ideias.
 Responsáveis pela relativização dos valores fundamentais à nossa civilização, Freud e Marx são perigosos para independência da filosofia pela sua capacidade de expressarem  cosmovisões, ou seja, teorias que operam no domínio da totalidade . No marxismo toda atividade humana e a cultura que sobre ela se edifica são frutos da luta de classes; na psicanálise a causa é a repressão. Não existe nestes dois sistemas um espaço verdadeiro para o ato de filosofar. Explico por que, mas primeiro algumas definições: entendo “filosofar” como buscar a verdade e entendo verdade como concordância entre a razão e o seu objeto de contemplação. Se parto a priori destes princípios torna-se evidente que o ato de conhecer é produto de uma consciência individual.
Não existe conhecimento completo a ser compartilhado plenamente por que não é possível transformar toda espécie humana numa consciência única. Abordei este assunto num artigo anterior chamado A Questão da Verdade e a Obsessão pelo Consenso, mas meu objetivo aqui é outro. Trata-se de fazer um alerta para o fato de que a adesão a qualquer sistema de pensamento que explique a história “como um todo” anula o ser humano individualmente transformando-o num autômato para quem todas as causas e efeitos  possíveis já foram fornecidos.
As duas grandes experiencias totalitárias do seculo XX, o comunismo e o fascismo, são ricas em exemplos de prisioneiros de Hitler e Stalin que compartilhavam o fato de não terem história. Reunidos como animais, estes homens, mulheres e crianças foram vítimas de fanáticos que usaram de sistemas totais para explicar a realidade e seus males apontando soluções que habitam nossos pesadelos até hoje.
Em 1992, Francis Fukuyama acreditou que a história tinha chegado ao seu fim. Ele pensava que o capitalismo tinha superado todos os fatores e contradições capazes de justificar a emergência de um mundo   socialista. Ironicamente,  suas próprias teorias me parecem comprovar o contrario pois se é verdade que um dos sistemas venceu ele o fez sobre os indivíduos e não sobre hipóteses. A mensagem assustadora que fica daí é que nos confrontamos, cada um de nós e definitivamente sozinhos, com uma tarefa tão grande quanto antiga: a mudança de consciência. Seja lá o que isso signifique, ou qual o caminho para alcançar, me parece a única solução para fugir do “fim do Homem” e para não ser esta a “Última História”.

Porto Alegre, 3 de janeiro de 2013

Milton Pires
cardiopires@gmail.com

sábado, 5 de janeiro de 2013

Pascal, as extremidades da ciência...

A propósito de ignorância...



"O mundo julga bem as coisas, pois ele está na ignorância natural, a qual é a verdadeira sabedoria do homem. As ciências têm duas extremidades que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural, na qual se encontram todos os homens ao nascer. A outra extremidade é aquela a que chegam as grandes almas, as quais, tendo percorrido tudo o que os homens podem saber, descobrem que eles próprios não sabem nada, e reencontram-se naquela mesma ignorância de onde partiram. Mas esta é uma ignorância sábia que se conhece. Aqueles que estão entre os dois, que saíram da ignorância natural, e não consiguiram chegar à outra, têm um tom daquela ciência que se basta e fazem-se entendidos.
Esses [que estão entre os dois] perturbam o mundo, e julgam mal tudo. O povo e os hábeis compõem o comboio do mundo; esses [que estão entre os dois] desprezam-no e são desprezados. Julgam mal todas as coisas, e o mundo julga bem."


Pascal, Pensées, ed. Ernest Havet, Art. II, 18 - tradução nossa.
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