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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Kierkegaard e o pecado original

A propósito da noção de pecado original em Kierkegaard...


Kierkegaard tem uma concepção de "pecado original" bastante peculiar.

Em rigor, não nega a noção de "pecado original". É um equívoco dizer que Kierkegaard nega o pecado original.

O problema é posto n'O Conceito de Angústia. O ponto é que, ainda que um sujeito considere que foi gerado por via do pecado, «só pode sentir-se em aflição [sørg] quando ele mesmo trouxe o pecado ao mundo».

O sujeito não pode ter pecado em virtude da acção de outro, mas apenas em virtude da sua própria acção - caso contrário, a noção de pecado é um equívoco porque se torna uma questão estética: o pecado não pode ser apenas o facto de o sujeito se sentir mal por algo, nem pode ser apenas o facto de um desejar ou fazer o que é proibido. Por isso mesmo, há diferença entre desejo, crime e pecado.
Então como pode haver pecado original se o sujeito não pode ser pecador antes de ele mesmo pecar no mundo?
Aqui entra a consciência. 

A consciência parece pressupor-se a si mesma e o pecado parece pressupor-se sempre a si mesmo - porque o pecado é uma forma de consciência, evidentemente. 

Isto verifica-se, também, na consciência moral, daí o problema do mal original: o fundamento do mal tem de já ser mal, caso contrário, não há qualquer mal em sentido moral. Se o mal não resulta de uma consciência do mal e de uma decisão consciente, então não é mal. 

Portanto, o fundamento subjectivo do mal tem de ser algo que já resultou de uma decisão e que, por isso, já é mal - o mal radical. No limite, a consciência pressupõe-se sempre a si mesma: a consciência do pecado tem de surgir pelo pecado; mas, então, para que este pecado seja pecado, tinha já de haver consciência de pecado, caso contrário, o sujeito teria pecado por ter feito algo que não sabia que era pecado. Tal como o mal moral é mal em virtude de o sujeito saber que era mal e, depois, tê-lo escolhido. Se assim não for, estamos ao nível estético - não ético (do mal), nem religioso (do pecado).

pecado original no mesmo sentido em que há mal radical / originário - exactamente no sentido que Kant dá à expressão n'A Religião nos limites da simples razão.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Marquês de Sade e a inversão da moral

A propósito de DEMONÍACO: Kant, Sade, Lacan e Schopenhauer


Segundo Sade, o prazer inerente à acção moral representa uma tentação poderosa para o indivíduo; por outro lado, a acção libertina constitui o imperativo ético. Assim, Sade preserva a forma da moral kantiana invertendo apenas o sentido moral dos móbiles.

Isto não é o mesmo que o mal-radical: o mal-radical não corresponde à inversão do sentido moral dos móbiles, mas sim ao princípio subjectivo da subordinação do móbil do bem ao móbil do mal.

Do ponto de vista da moral kantiana, a moral de Sade é demoníaca. Do ponto de vista da moral de Sade, a moral de Kant é demoníaca. Mas o mal-radical não é demoníaco.


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"age de tal maneira que a máxima da tua acção, se convertida em lei da natureza, te permita usar o outro, qualquer que ele seja, para tua satisfação"

Cf. Lacan, Kant com Sade


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Para Schopenhauer, o problema da ética de Kant é que, para determinar o dever, usa como princípio os móbiles (inclinações, desejos, impulsos...). No fundo, segundo Schopenhauer, Kant limita-se a dizer-nos: age de tal maneira que faças apenas aquilo que desejes de modo incondicional. Para saber se devo roubar ou não, preciso de saber se eu desejaria que fosse sempre legítimo roubar - ou seja, preciso de saber se também desejaria ser roubado.
O problema, então, é com os sadomasoquistas... Schopenhauer parece ter razão. Isto porque, se pensarmos bem, se um sadomasoquista fosse kantiano e tentasse aplica o princípio categórico, o resultado seria uma moral como a de Sade (e é curioso que o nome de Sade tenha dado origem ao nosso termo "sadismo"). Ou seja, um sadomasoquista que aplicasse a si mesmo o princípio categórico de Kant tornar-se-ia no exemplo perfeito da moral de Sade.