quinta-feira, 29 de maio de 2014

da cegueira






"[...] a cegueira é, para nós, condição de possibilidade da lucidez: o único modo de abarcarmos a totalidade das determinações que há [...] depende, portanto, de um obscurecimento ou enfraquecimento dessas mesmas determinações. [...]
[...] A cegueira não é puramente negativa, mas permite um contacto com as coisas [...]. Mas esse aspecto positivo decorre do negativo."

Nuno Ferro, Comentário ao Da Reminiscência e da Reflexão da Mente Sobre Si Mesmo, de Leibniz (Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 2008

The nature of knowledge

About... understanding.


The more you educate yourself, the less you understand where things come from, the less obvious things become and you begin to see the lies you tell to yourself. So, sometimes you realize you are not the wise person you thought. But, in the next second, you are back to the illusion that you're the only one to see the whole truth.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Comentário aos Resultados das Europeias de 25-05-2014, em Portugal

A propósito de Eleições Europeias - Portugal, 25-05-2014

1º.
É verdade que, em números absolutos, o PS ganhou, com 31,45%. Mas a coisa começa a ser cómica: o Seguro teve de se desunhar para fazer notar que o PS ganhou. Repetiu-o tantas vezes que até os mais distraídos começaram a desconfiar de que talvez, afinal, o PS tenha sido o verdadeiro derrotado do dia...
O PS começa a configurar um paradoxo interessante. Desde há milénios que se sabe que se pode ir ganhando batalha atrás de batalha até à derrota final... Mas o PS de Seguro tem mostrado que é possível ganhar e ser o derrotado! E isto é qualquer coisa!


É verdade. O grande vencedor da noite - à falta de melhor - foi Marinho e Pinto. Em 2009 o MPT teve 0.66% e agora teve 7,15%. E é absolutamente interessante a forma como os jornalistas - já nem falo de zombies como o Marques Mendes - se deleitaram a vilipendiar e a menosprezar o resultado, a posição e as ideias de Marinho e Pinto. Os jornalistas mostram-se, cada vez mais, como uma força de bloqueio, severamente conservadores, adversos a qualquer ideia com mais espessura do que o dedo de testa que eles não chegam a ter. Eu nem votei, nem votaria, nem me revejo na candidatura de Marinho e Pinto - mas a forma como se tentou, ontem, e se tentará hoje e amanhã, converter a vitória de Marinho e Pinto num resultado fruto de populismo é uma tentativa absolutamente ignorante, ignóbil e estúpida... e, curiosamente, são os jornalistas os seus principais mentores.


O Bloco de Esquerda tem de deixar, de uma vez por todas, de clamar vitória quando perde - tem de deixar de reclamar vitórias que não se obtiveram à sua custa, etc... A direita não perdeu graças aos votos que o BE teve. Por outro lado, os comentadores e fazedores de opinião do bloco central, PS-PSD-CDS, continuam com a ideia de que o BE deve "abrir-se", deve ir ao encontro deles, das suas ideias, das suas posturas, ser como eles, etc... É curioso, o bloco central acha muito bem que os outros partidos existam, desde que eles sejam como ele. Vamos lá a ver se nos entendemos: o facto de haver uma maioria PS-PSD-CDS não mostra que este "centro" esteja certo, esteja bem, etc. Não mostra, sequer, que a maioria da população esteja a seu favor... Porquê: porque a maioria das pessoa não está, de todo, interessada em política, em eleições, em votar, etc...


Alguém sugeriu que se fizesse um sorteio de um carro para ver se as pessoas vão votar... Mas isso não daria em nada, como é evidente. Mas se, por outro lado, se oferecesse a todos quanto fossem votar um bilhete para um jogo de futebol do Benfica, do Porto ou do Sporting, à escolha, tenho a certeza absoluta que a abstenção praticamente desapareceria e, de repente, toda agente acharia muito produtivo ir votar.
É verdade que há algo na abstenção que tem que ver com um distanciamento entre políticos e povo... Mas é uma falácia reduzir a abstenção a isto. Aliás, só quem ainda não foi ver o histórico de eleições nas democracias em geral (desde que não se seja legalmente obrigado a votar, porque há países em que isso acontece), ainda não teve ocasião de perceber que a abstenção é o fenómeno mais assíduo da Democracia. Parece que em Portugal a coisa se agrava, e se agrava sobretudo nas Europeias... Mas isso não invalida esta hipótese: as pessoas não votam porque não há interesse, há abstenção porque as pessoas se estão nas tintas. Falam contra o Governo porque falar é fácil, mas estão noutra - literalmente noutra: estão no futebol, por exemplo. A coisa é por demais evidente: há consciência futebolística em Portugal.
Dito isto, é também evidente que um certo comportamento dos políticos tem afastado ainda mais as pessoas. Mas não é só o facto de os políticos falarem uma linguagem incompreensível, ou de mentirem, etc... Tudo isso poderia, justamente, fazer com que as pessoas fossem votar: para penalizar os mentirosos, para substituir os que não se compreendem por outros compreensíveis...
Há aqui aspectos que não interessa agora focar, mas, no essencial, as pessoas não votam porque, em geral, reina o desinteresse, a falta de uma consciência política. É um aspecto estrutural. A abstenção não é circunstancial.


As pessoas passam ano atrás de ano a dizer mal dos que governam e, depois, ou votam nos mesmos de sempre, ou não vão votar - para continuarem, depois, a queixar-se que os políticos são sempre iguais... Estranho seria que mantendo sempre lá os mesmos, os mesmos não fossem sempre a mesma coisa... Isto é um princípio muito bem conhecido: o princípio do lunático que consiste em fazer o mesmo repetidamente, passo o pleonasmo, esperando resultados diferentes. E, mais uma vez, isto acontece porque até mesmo entre os que votam reina um pano de fundo de indiferença, de desinteresse, de inconsciência.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

A atracção da consciência pela inconsciência

A propósito de sonambulismo.



Regra geral e ordinariamente, a consciência de um indivíduo ocupa-se sobretudo de garantir a diminuição do esforço. Qualquer economista, biólogo, agente de marketing, sabe isto e aplica-o diariamente. Aquilo que os homens mais desejam é "obter com facilidade, rapidamente, e sem esforço". E querem tanto isto que, na maioria das vezes, não só querem obter sem esforço aquilo que querem, como também se convencem a si mesmos que querem apenas aquilo que não lhes exige esforço.

Isto tudo quer dizer que há um receio íntimo na consciência acerca de si mesma - há uma espécie de medo inconsciente de intensificar a consciência, e este medo parece fazer parte da própria consciência como ela habitualmente se mantém. Quer dizer: a consciência é naturalmente atraída pela inconsciência - o estado de vigília é naturalmente atraído pelo adormecimento. (Não se deve confundir isto com a preguiça - que é, de facto, um modo, mas apenas um, desta atracção pelo adormecimento).

Dito de outro modo, os homens desejam naturalmente ser sonâmbulos - o que revela que eles não o são. Isto pode ser dito assim: a natureza tende para o menor caminho que leva à fonte, e a consciência, no início e na maioria das vezes, rege-se por esta regra natural.

No entanto, e de modo decisivo, a intensificação da consciência dá-se só e apenas na intensificação do esforço, e a capacidade humana para resistir à tentação é, justamente, a marca de que é um si mesmo, e isto quer apenas dizer que um homem não é um si mesmo senão por via do esforço... Então, a questão é: mas se a consciência se vive habitando um estado de sonambulismo voluntário, se o sujeito está a dormir enquanto está acordado, como é que ele se pode acordar a si mesmo?

segunda-feira, 19 de maio de 2014

A Instalação do Medo, de Rui Zink

A propósito de ZINK, R., A Instalação do Medo...

Zink, Rui, A Instalação do Medo... é um livro interessante que vale a pena ler.

Explora o medo, como o nome indica, nas sociedades contemporâneas.

Provavelmente, desde que o homem é homem que tem medo de alguma coisa... Há medos mais ou menos radicais, supérfluos, profundos ou superficiais... desde os antiquíssimos medos às feras, à escuridão, à morte, à dor, à violação, ao abandono, medos que são tão antigos quanto o sangue humano, até ao medo incutido, artificialmente, pelas estruturas de poder, pelas instituições, pelos homens uns aos outros... Há medos para todos os gostos.

A Instalação do Medo - põe às claras uma hipótese bastante incisiva: o modo como, nas sociedades contemporâneas, altamente tecnológicas e economicizadas, os poderes usam e abusam do medo para controlar os cidadãos corre o perigo - mais do que de criar uma sociedade sem vontade, sem estrutura dorsal - corre o perigo de criar uma sociedade psicopata. Literalmente psicopata.

A linguagem da economia e das finanças, das dívidas, da austeridade, da necessidade, da subjugação da humanidade à moeda não corre apenas o perigo de criar um mundo pobre, cão, injusto. Corre o perigo de criar um mundo psicopata. Não apenas um mundo desumano. Mas sim um mundo desumano psicopata.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A loucura inconsciente

A propósito da loucura de Demócrito

No célebre problema da loucura de Demócrito aos olhos dos abderitas desoculta-se o aspecto louco da vida quotidiana do homem vulgar. Demócrito sugere que o mundo todo está louco, doente.

Pode acontecer que o mundo inteiro esteja doente sem o saber - e que a sua doença seja a loucura. Assim, a doença dos homens é que aquilo que tomam por sabedoria seja loucura - e esta doença consiste no passar despercebida ao paciente.
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