A propósito de trabalhar para viver...
Diz-se, muitas vezes, que o senso-comum vive para trabalhar. Isto é um equívoco.
O senso-comum é: não se quer apenas viver para trabalhar, quer-se, isso sim, trabalhar para viver. Que alguém, por via das circunstâncias, esgote a vida a trabalhar é outra questão, pois daqui não resulta que aquele que vive para trabalhar pense que o sentido da vida é trabalhar. De facto, um sujeito pode precisar de trabalhar para garantir certas comodidades e um sujeito pode querer garantir tantas comodidades que precisa de gastar o tempo todo a trabalhar, mas daqui não resulta que o sujeito queira viver para trabalhar. Pelo contrário, ele trabalha para viver, o problema é que aquilo que para ele é viver exige que ele gaste muito tempo a trabalhar. Pode até acontecer que um sujeito tenha de gastar todo o tempo apenas para adquirir as condições de sobrevivência, mas daqui não resulta que ele queira apenas sobreviver, acontece sim que o tempo que gasta a sobreviver o impede de ter tempo para também viver.
A tese do senso-comum é que se trabalha para viver e não que se vive para trabalhar.
A tese dos patrões é que é que os trabalhadores vivem para trabalhar. Os patrões mais empreendedores, mais dedicados, mais honestos chegam mesmo a acreditar que o sentido da vida é trabalhar - que a forma de garantir o sentido da vida é trabalhar nela.
Não interessa aqui discutir a tese dos empreendedores, porque esta tese não é a tese do senso-comum: a tese do senso-comum é "eu não vivo para trabalhar, eu trabalho para viver".
O problema desta tese é que ela pressupõe como adquirido aquilo que julga ultrapassar. Pressupõe como adquirido que há um sentido em viver - por isso mesmo, trabalha para viver. Levanta-se de manhã na pressuposição de que é preciso trabalhar para viver porque pressupõe que a vida está dotada de algum sentido, que faz sentido viver por alguma coisa que valida a necessidade de trabalhar para isso.
Portanto, o senso-comum julga que aquilo que há a fazer na vida não é apenas garantir as condições da vida, mas fazer algo nela para além dessas condições. O problema é que, deste modo, saltou, justamente, o problema de adquirir as condições da vida. Saltou, justamente, o problema do sentido, porque este esteve deste o início pressuposto.
É esta pressuposição que faz desta perspectiva uma perspectiva do senso-comum, vulgar e aparentemente compreendida por "todos", porque, de facto, todos percebemos que não queremos apenas sobreviver.
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