Kierkegaard tem uma concepção de "pecado original" bastante peculiar.
Em rigor, não nega a noção de "pecado original". É um equívoco dizer que Kierkegaard nega o pecado original.
O problema é posto n'O Conceito de Angústia. O ponto é que, ainda que um sujeito considere que foi gerado por via do pecado, «só pode sentir-se em aflição [sørg] quando ele mesmo trouxe o pecado ao mundo».
O sujeito não pode ter pecado em virtude da acção de outro, mas apenas em virtude da sua própria acção - caso contrário, a noção de pecado é um equívoco porque se torna uma questão estética: o pecado não pode ser apenas o facto de o sujeito se sentir mal por algo, nem pode ser apenas o facto de um desejar ou fazer o que é proibido. Por isso mesmo, há diferença entre desejo, crime e pecado.
Então como pode haver pecado original se o sujeito não pode ser pecador antes de ele mesmo pecar no mundo?
Aqui entra a consciência.
A consciência parece pressupor-se a si mesma e o pecado parece pressupor-se sempre a si mesmo - porque o pecado é uma forma de consciência, evidentemente.
Isto verifica-se, também, na consciência moral, daí o problema do mal original: o fundamento do mal tem de já ser mal, caso contrário, não há qualquer mal em sentido moral. Se o mal não resulta de uma consciência do mal e de uma decisão consciente, então não é mal.
Portanto, o fundamento subjectivo do mal tem de ser algo que já resultou de uma decisão e que, por isso, já é mal - o mal radical. No limite, a consciência pressupõe-se sempre a si mesma: a consciência do pecado tem de surgir pelo pecado; mas, então, para que este pecado seja pecado, tinha já de haver consciência de pecado, caso contrário, o sujeito teria pecado por ter feito algo que não sabia que era pecado. Tal como o mal moral é mal em virtude de o sujeito saber que era mal e, depois, tê-lo escolhido. Se assim não for, estamos ao nível estético - não ético (do mal), nem religioso (do pecado).
Há pecado original no mesmo sentido em que há mal radical / originário - exactamente no sentido que Kant dá à expressão n'A Religião nos limites da simples razão.
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