quinta-feira, 18 de abril de 2013

Mito e Logos

A propósito de Filosofia e Mito...

Hoje parece-nos estranha a associação entre mito e filosofia. Mas "mito" vem do grego antigo, "mythos" e significava qualquer coisa como "palavra, discurso, narrativa". De algum modo, através do mito, procurava-se dar conta daquilo que rodeava o ser o humano. Os mitos eram narrativas de como aquilo que o humano via tinha vindo a ser tal como era.

A filosofia, logo desde a origem, deu muita importância ao "lógos", palavra grega muito difícil de traduzir, mas que também parece assumir diversos sentidos, como "palavra, discurso, explanação". O verbo era "légô" e significava "contar" - tal como no português: contar um conto, uma estória, e contar o dinheiro que se tem, somar, juntar,... Por isso, a semelhança estava estabelecida no grego.

A filosofia também apresentava uma narrativa. De certa maneira, as palavras "lógos" e "mythos" poderiam quase considerar-se sinónimas, mas na verdade a filosofia distanciava-se imenso da narrativa que a antecedia. 

O Mito relatava relações entre deuses e deusas e outras figuras mais ou menos divinas, procurando explicar as coisas através das acções desses seres. Isso não quer dizer que o mito fosse um conto sem sentido: pelo contrário, o mito dava sentido, explicava as relações humanas e a própria natureza. De muitas formas, o mito tem uma verdade profunda acerca da natureza humana e podemos ver nele uma compreensão originária do humano acerca do mundo que o rodeia e acerca de si próprio...

Contudo, a filosofia, ao procurar outro tipo de narrativa, distancia-se do mito. Em vez de seres divinos, a filosofia procura explicar as coisas recorrendo a conceitos. No início, houve mesmo a tentação de ver nos conceitos "seres divinos". Platão falava das "formas" ou das "ideias" (que, para dizer basicamente, eram como que conceitos) de uma maneira que faria lembrar um mundo divino, por oposição ao mundo visível. Outros antes dele, como Heráclito, ou Parménides, também já tinham feito Filosofia de uma maneira que em muito se aproximava dos mitos, ou da linguagem religiosa que se exprimia por mitos. Mas a filosofia procurava justificar aquilo que afirmava, a sua narrativa procedia em sentido inverso: escavava, procurava as raízes, buscava fundamentos - ao contrário dos mitos que apresentavam narrativas mais ou menos fixadas, que não se poderiam, propriamente, investigar. Se podermos dizer que os mitos fazem crescer a "árvore", a filosofia preocupa-se, antes demais, em escavar as raízes para ver como é que elas estão, se são saudáveis ou não. E os primeiros filósofos não se importavam de cortar essas raízes caso percebessem que estavam doentes. Claro que a filosofia também quis, desde o primeiro momento, conhecer, aumentar o conhecimento. Mas a preocupação fundamental é que esse conhecimento seja sustentável, seja seguro. Se não for, deve deitar-se fora.

Progressivamente, a filosofia vai-se afastando do mito, mas este afastamento, que nós hoje chamamos "racional", não foi sempre tão evidente, nem linear. Por diversas vezes o discurso filosófico se voltou a aproximar do discurso mitológico (Plotino é só um exemplo, talvez mais conhecido, entre muitos). A filosofia, de resto, desde o início que fez uso dos mitos. Platão usava-os como "parábolas", que em grego quer dizer qualquer coisa como "comparações".

O mito tendia, no entanto, a assumir uma forma mais fixa. Era uma narrativa que vinha da tradição, transmitida e confiada a pessoas de autoridade. Muitas vezes, o mito estava escrito, na Ilíada, na Odisseia, de Homero, na Teogonia, de Hesíodo. Essas narrativas, orais e escritas, tendiam a ser aceites e transmitidas. Raramente questionadas. 

A Filosofia, por seu lado, questionava tudo para ver se aquilo que se julgava saber resistia ao teste, ou se era apenas uma miragem. Sócrates, por exemplo, questionava tudo e todos, e isso levou-o à morte - entre outras coisas, porque, de certa forma, estava também a pôr em causa os mitos que sustentavam o modo como as pessoas viam o mundo, se viam umas às outras, e se viam a si mesmas. 

Apesar das muitas semelhanças entre mito e filosofia, há também muitas diferenças entre si.

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