Há a ideia de que a ciência moderna representa o puro
pensamento. De facto, esta ideia encontra algum repouso na “ética científica”
do “posso, logo devo”. Contudo, um cuidado olhar depressa mostrará que a
ciência moderna é, não o pensamento puro, muito menos a razão pura, mas sim o
senso-comum (e, também, o “sensus-comunis”
– o qual não se confunde com o senso-comum) que se aventura no reino da
especulação… Por essa razão, a ciência não partilha da capacidade de pensamento
crítico própria do pensamento ou da razão pura. É precisamente deste aspecto
que a ciência moderna resgata a sua importância e o seu sucesso, na medida em
que a razão pura seria a sua destruição.
Ou seja, a razão do sucesso da ciência
reside na sua ausência de capacidade crítica. Isto não quer dizer que ela não
seja capaz de se rever, de se corrigir. Pelo contrário, a sua flexibilidade, o
seu progresso está sustentado na sua incapacidade crítica – precisamente na
medida em que a capacidade de pensamento crítico carrega consigo uma tendência
suicida.
Não importa quanto as teorias, as hipóteses, os exercícios
especulativos científicos se tenham afastado da verdade e da certeza sensível
de cada dia – não interessa quanto o cientista se afastou – no rebuliço do seu
laboratório ou na calma dos seus computadores – da experiência do senso-comum e
do sentido de realidade do “sensus-comunis”
– no fim do dia, como dizem os americanos, ele regressa a uma forma de
senso-comum, a uma forma de evidência e assim assegura, para a sua
investigação, o sentido de realidade e a forma de objectividade.
A respeito do texto acima cfr. Hannah Arendt, The Life of Mind / Thinking, Secker & Warburg, London, 1978, p. 55ss.
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