Por que é que não se deve ocultar a morte da vida?
O carácter de possibilidade da vida não é imediatamente
evidente: a vida é o que está. E assim o indivíduo vive no modo "Eu Sou
Aquele Que É”.
Tem-se a vida por garantida. O carácter de possibilidade da
morte não é evidente. Não é evidente que a possibilidade que é possibilidade de
cada vez, que é a possibilidade do já a seguir e do depois e do daqui a nada é
a morte - a morte que vem por capricho e pode levar qualquer um. Também não é
evidente que a cada momento que se vive houve uma decisão (que não houve de
facto porque não se sabia que havia uma decisão a tomar) de ficar cá, de não
abandonar o barco. Enfim, não é evidente que a possibilidade mais radical de
cada momento era a cada vez o deixar de ser - com um "pormenor":
quando for já não mais se é. Cada coisa que se faz, cada ocupação em que se
está, cada preocupação que se habita, cada ida ao café, cada vez que se assobia
para o lado, cada vez que se tem de ter as forças de um Atlas - a alternativa
que atravessa toda a nossa existência, que está sempre lá, é a morte.
Mas um
tempo em que a morte já foi banida, em que a vida foi desumanizada - talvez só
tarde de mais se perceba que há sempre uma decisão, que a vida é, o mais
literalmente possível, uma decisão: mas, se foi tarde de mais, isso só se
perceberá quando já não se tem razão para decidir ficar.
É um sintoma do nosso tempo - e não da crise propriamente
dita - que os suicídios aumentem com o desemprego, em Portugal e em Espanha e
por todo o lado onde as lantejoulas que escondem o vazio dos corações perdem o
brilho.
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