segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O valor daquilo que se ama

A propósito de amor...


É verdade que o amado invariavelmente é, sem dúvida, valorizável para o amante. Contudo, percebendo-se que o valor não é, de todo, uma condição formativa ou fundamental do amor. Não é necessário que seja uma percepção do valor naquilo que ele ama que mova o amante a amar isso. A relação verdadeiramente essencial entre amor e valor do amado segue a direcção oposta. Não é necessariamente como um resultado de reconhecer o seu valor e de ser cativado por ele que nós amamos coisas [e pessoas]. Pelo contrário, aquilo que nós amamos adquire necessariamente valor para nós porque nós o amamos. O amante invariavelmente e necessariamente perceve o amado como valioso, mas o valor que ele vê que o amado possui é um valor que deriva e depende do seu amor.

"It is true that the beloved invariably is, indeed, valuable to the lover. However, perceiving that value is not at all an indispensable formative or grounding condition of the love. It need not be a perception of value in what he loves that moves the lover to love it. The truly essential relationship between love and the value of the beloved goes in the opposite direction. It is not necessarily as a result of recognizing their value and of being captivated by it that we love things [and people]. Rather, what we love necessarily acquires value for us because we love it. The lover does invariably and necessarily perceive the beloved as valuable, but the value he sees it to possess is a value that derives from and that depends upon his love."

Frankfurt, The Reasons of Love, (Princeton: Princeton University Press, 2004), pp. 38-39.


Temos a tendência constante para perceber agudamente o valor nas coisas e nas pessoas que amamos.

Quem ama é atraído de forma involuntária para o objecto do seu amor. Ama-se - não se ama porque se quer, e muito menos se ama quem se ama porque se quer amar essa pessoa.

De facto, a paixão atravessa-nos como um raio e mexe connosco como se fôssemos marionetas. O ponto de vista natural é seguir o caminho do amor. É o mais fácil. Quando se ama, se de facto se ama, somos arrastados pelo amor.

E por que é que se ama? Esta pergunta é uma pergunta secundária. Na verdade, ela nem sempre, aliás, muito raramente tem qualquer interesse para o amante. Quem ama não sabe, nem quer saber, por que ama. A pergunta só pode vir de um mal estar. Ou de fora, colocada por outros, e que é, então, respondida apenas por desporto.

Por que é que se ama? Parece tão natural dizer que se ama alguém devido às suas qualidades. Parece tão óbvio que é o valor das coisas que nos faz amá-las. Parece tão claro que é o valor da pessoa que amamos que faz com nós a amemos. E, no entanto, Frankfurt diz-nos precisamente o contrário.

O filósofo tem uma tarefa ingrata: levantar a dúvida onde ela não parece ter lugar. E tem uma tarefa ingrata porque -, como muito bem viu Hegel na Fenomenologia do Espírito (na introdução, ou talvez no prefácio) -, toda a gente se crê habilitada a filosofar sem dificuldade, sem necessidade de treinar o olhar ou de exercitar o pensamento. Parece natural, simples, olhar e tecer juízos sobre isso que aparece.

Mas devemos admitir a possibilidade de que, aquilo que os filósofos dizem, e qualquer pessoa em geral, não é uma parvoíce, mas antes um ponto de vista possível. Legitimamente possível. Legítimo.

Então: o que quer dizer isso que nos diz Frankfurt. O que quer dizer isso de que o valor daquilo que amamos depende de nós o amarmos? E pode ele estar certo.

Frankfurt é perspicaz. E diz as coisas com uma clareza rara. Deitemo-nos a pensar nas suas palavras:

"a lover identifies himself with what he loves" 
The Reasons of Love, p. 61

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