sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O gato de Schrödinger VIII

A propósito de, infinito...

A interpretação dos muitos mundos, ou many-worlds interpretation.

O infinito. Já falámos do infinito. O infinito é uma série interminável, por definição sem fim nem término. Podemos definir o infinito, mas não podemos percepcionar o infinito dado. Ou seja, não podemos pensar nem imaginar uma totalidade infinita dada, e a própria noção de totalidade infinita parece contradizer-se. Entretanto, o conceito de infinito é bastante distinto, pois podemos facilmente distingui-lo dos restantes. Aliás, parece ser precisamente por essa distinção que o definimos. Um ente apresenta-se nos limites da sua apresentação, mas não o infinito, pois caracteriza-se por não apresentar limites. Então o que é que se apresenta no infinito? Nada de infinito se pode apresentar propriamente. Assim, tem-se habitualmente negado a possibilidade da realidade ser infinita. Se o Universo fosse infinito, por que motivo diriamos que na natureza nada se perde nem se cria? Ao infinito nada se pode retirar que o transforme noutra coisa que não o infinito. Nada se lhe pode acrescentar que o torne mais extenso. Não se pode fazer do infinito um infinito maior, nem menor. Entretanto, sabemos que se algo desaparece, deve ter-se deslocado para algum lado. Mas porquê? Se há a necessidade de se manter sempre a mesma totalidade, parece que deve existir uma totalidade finita.

Não estou a negar o infinito, estou a considerá-lo nas suas dificuldades. Agora supunhamos que o tempo é infinito. Ora, se o tempo fosse infinito, então tudo o que está a acontecer deveria ter acontecido antes, pois o tempo necessário para que isto acontecesse teria sempre já passado antes. Se o tempo não teve início, então qualquer que seja o tempo necessário para uma coisa acontecer, ele já passou. Eu estou a escrever, mas se o tempo é infinito, o que agora está a acontecer "já vem tarde", deveria já ter ocorrido há mais tempo. Mas qualquer que seja o momento em que eu coloque um acontecimento, esse acontecimento deveria sempre ter ocorrido mais cedo.

Na verdade, se o tempo é infinito, tudo o que acontece deve, também, já ter-se repetido antes. Houve tempo suficiente para que aquilo que acontece já tenha acontecido antes. Assim, se o tempo é infinito, o universo deve repetir-se de forma infinita. Mais do que isso, se o tempo é infinito, há tempo suficiente para que todas as possibilidades ocorram. Não é só o mundo como o conhecemos que se repete no infinito, mas todas as possibilidades alternativas (isto é, se assumirmos que o que acontece não é necessário - para alguns cientistas e filósofos, mesmo que o tempo fosse infinito, repetir-se-ia sempre o mesmo, sempre a mesma combinação de coisas, pois o que acontece decorre de leis necessárias que impõem o seu acontecimento. Note-se que é normal que não nos lembremos de já ter vivido a nossa vida, pois a repetição do mesmo implica repetir as mesmas condições).

Então, se o tempo é infinito, na sua infinitude deverão ocorrer todos os possíveis - se assumirmos que há possíveis alternativos, então no infinito do tempo todos devem ocorrer, e todos devem repetir-se, infinitamente. Portanto, na experiência de Schrödinger, se no nosso mundo, ao abrirmos a caixa, temos um gato morto, num outro mundo de entre aqueles que se repetiram ele deve estar morto. Note-se que, nesta interpretação, se assume que a indeterminação é eficaz, não só que ela existe de facto ao nível subatómico, mas que ela produz efeitos ao nível macroscópico. Assumindo que há vários possíveis, várias alternativas para o que acontece, elas todas devem ocorrer no tempo infinito. Então, deverão acontecer repetições infinitas do Universo, mas também de versões diferentes. Deverão já ter acontecido versões do Universo apenas ligeiramente diferentes do nosso (uma mosca que viveu menos um dia), versões significativamente diferentes (o espermatozóide que daria origem a Hitler não foi o primeiro a alcançar o óvulo), e versões muito diferentes do nosso, onde, talvez, nem o sistema solar se tenha formado. Na verdade, podemos continuar a dizer que é sempre um Universo, o qual produz revoluções infinitas, provocando a ocorrência de todas as possibilidades.

Imaginemos agora que é o espaço que é infinito. Mais importante do que isso, imaginemos que a matéria-energia que ocupa o espaço infinito é, também ela, infinita. Então todas as possibilidades devem repetir-se. Algures, numa qualquer parte do espaço, deve existir um sistema solar igual ao nosso, com a Terra a ser habitada por nós. Mas também todas as possibilidades devem ocorrer e repetir-se. Se aqui, ao abrir a caixa, o gato está morto, num outro ponto do espaço eu abro a caixa, mas o gato está vivo.
Podemos também imaginar a combinação do infinito do tempo com o infinito da matéria-energia.

Mas no espaço infinito podemos supor vários modos de existirem muitos mundos. Pode tratar-se de um Universo contínuo, infinito, onde todas as possibilidades ocorrem e se repetem. Mas pode também acontecer que, no espaço infinito ocorram vários Universos separados por espaços vazios. Podemos imaginar bolhas, sendo cada bolha um Universo no espaço vazio. Podemos imaginar que há um número infinito de Universos. Assim, o nosso Universo, a nossa bolha, deve repetir-se pelo espaço infinito, mas também todas as possibilidades devem repetir-se. Esta teoria dos universos bolha contradiz o significado da palavra "universo". "Universo" significa que se trata de uma versão única. Mas nesta teoria ocorrem muitos universos. Infinitos universos. Algumas destas bolhas poderiam chocar entre si, misturando-se ou colapsando num novo universo, maior. Considerando esta teoria, podemos assumir que em algumas bolhas as forças básicas não sejam as mesmas que no nosso universo. As quatro forças básicas do nosso Universo poderão não ser vigentes noutros universos. Podem existir universos com leis totalmente diferentes daquelas que actuam no nosso, com outras dimensões além das quatro que conhecemos, ou em vez delas. Poderíamos considerar a possibilidade de existir um universo com forças, leis e dimensões totalmente diferentes. Não temos forma de imaginar quais seriam, a não ser extrapolando das nossas, por exemplo, imaginando uma quarta dimensão espacial, a qual descrevemos como se se tratasse de outra dimensão do tipo da largura, da altura e do comprimento. Ora, pode acontecer que existam dimensões tão diferentes das nossas dimensões espaciais e do tempo, como a dimensão do tempo é diferente das dimensões espaciais.
Podemos ainda conjugar o infinito do tempo, com o infinito da matéria, ou ainda com o número infinito das bolhas. Há quem diga que seria mesmo possível combinar o infinito da matéria de cada um dos universos, com o número infinito de bolhas à deriva no espaço infinito. Assim teríamos universos infinitos, em tempo e matéria-energia, à deriva dentro do espaço infinito. Note-se, portanto, que cada novo tipo de infinito permite ser combinado com os infinitos precedentes.

Para o próximo género de infinito que queremos abordar, consideremos uma teoria que é famosa e que toda a gente parece já ter ouvido falar: a teoria das cordas.

A teoria (ou sistema, se considerarmos que se trata de uma visão global sobre como as coisas são, implicando a re-descrição e integração de um conjunto amplo e interdependente de teorias, inter-explicativas e que se justificam entre si) das cordas apresenta-se como uma espécie de teoria mitológica da Física. Não porque esclareça as origens da Física (as origens da Física encontram-se na Filosofia), mas porque insinua a possibilidade de fundir e conciliar electrodinâmica e gravidade, mundo quântico e mundo macroscópico, teoria da relatividade e mecânica quântica, noção de partícula e noção de onda. Trata-se, no entanto, de uma hipótese e ainda não apresentou qualquer evidência científica. A evidência científica, como já dissemos, não está na confirmação ou na verificabilidade, ou seja, não está em que as suas explicações encaixem nas obervações, ou que as observações possam ser explicadas pela teoria. Como já dissemos, a evidência científica exige testes nos quais a teoria possa ser confirmada ou refutada. Uma teoria que não descreve as condições da sua refutabilidade, ou em que essas condições, mesmo que descritas, não podem ser testadas, não pode fornecer evidência científica - pois esta reside na resistência perante os testes em que pode ser refutada. Ora, tudo o que o sistema das cordas conseguiu foi explicar observações que são também explicadas por outros sistemas (nomeadamente, pelo composto pela teoria da relatividade, ou pelo composto pela mecância quântica e suas várias interpretações, ou até por estes dois sistemas), ou então resistir a testes a que também resistem outros sistemas. Ainda não foi capaz de executar um teste para uma situação em que todas as restantes teorias sejam refutadas. Em parte, isto deve-se ao facto de que aquilo que é de facto novo neste sistema é precisamente aquilo que não temos como testá-lo. Ora, se se cria uma teoria para explicar um problema, mas que não traz uma compreensão mais eficaz, a não ser sobre uma realidade que apenas ela descreve (ou cria), deixando no final o mesmo problema para resolver relativamente a essa realidade apenas por ela descrita, então esta teoria deve ser vista com reservas. Como quando se tenta explicar a origem do Universo introduzindo o conceito de Deus: esta teoria traz um novo conhecimento, a religião, mas é um conhecimento que ela própria estipulou, visto Deus não ser um problema antes de se ter sugerido a sua existência; por outro lado, deveríamos então questionar o que criou Deus; se afirmamos que Deus é eterno, então estamos a justificar o facto de nos termos resignado a Deus com um argumento que nos deveria ter deixado ficar com o Universo - ou seja, se explico a existência do Universo com um outro ente que é eterno, então por que é que não assumi desde início que o Universo era eterno? A teoria das cordas parece trazer uma nova concepção da realidade, a saber, as cordas, mas as cordas só se tornaram algo sobre o qual poderia existir conhecimento quando a teoria as postulou. Por outro lado, embora explique a dualidade partícula-onda, não torna a compreensão da natureza menos estranha. A noção de corda não é menos estranha que a noção de partícula-onda. Contudo, a teoria das cordas parece visar uma solução para a estranheza da noção de partícula-onda.

Como já vimos, os objectos subatómicos ou quânticos, nas observações que deles se fazem, por vezes comportam-se como ondas, outras vezes como partículas. No entanto, apesar de se falar em observação, não é possível observá-los directamente. Tomando como exemplo o electrão, nunca ninguém viu um electrão. Simplesmente, pode-se medir os seus efeitos naquilo que o cerca. A sua massa, por exemplo, produz efeitos/alterações no vácuo que o envolve. São os efeitos da sua massa, por exemplo, que são medidos. Pelas medições dos seus efeitos, assumimos a existência do electrão. Poderíamos chamar-lhe outra coisa, mas convencionou-se chamar electrão àquilo que assumimos produzir os efeitos que medimos. Na verdade, muitos filósofos e cientistas consideram que, epistemologicamente, não podemos afirmar que o electrão existe. Alguns filósofos e cientistas consideram que apenas podemos assumir, na resolução de problemas, "algo", ao qual poderíamos chamar electrão, mas apenas por razão de conveniência pela utilidade que tem esta assumpção - contudo, não podemos dizer que existe um electrão, muito menos afirmar que é um corpúsculo ou uma onda.

Alguns cientistas consideraram então que todas as observações e medições resultam do efeito das vibrações de cordas. Propõem que a forma elementar da realidade é a destas cordas, as quais, ao vibrarem, produzem os efeitos que são mensuráveis. Assim, a realidade seria, na verdade, o efeito das vibrações destas cordas. As cordas podem vibrar com diferentes tons - tal como uma corda musical pode produzir diferentes tons, diferentes notas. Determinados tons reflectir-se-ão em medições do padrão das ondas, outros em medições do padrão das partículas. Assim, tudo o que existe no Universo é o efeito destas vibrações. Esta teoria consegue assim a união entre o mundo visível e invisível. Resolve-se a confusão entre onda e partícula. Na verdade não haveria partículas a comportarem-se como ondas, nem ondas a comportarem-se como partículas. A verdade seria que são as cordas que, ao vibrarem, produzem determinados efeitos, que são medidos, umas vezes registando padrões de tipo onda, outras vezes registando padrões de tipo partícula. Note-se que estas cordas, por si, não ocupam espaço, pois toda a medição resulta da sua vibração, incluindo a extensão.

Podemos, então, imaginar que as cordas poderão vibrar em tons de tipo inconsistente. Podem coexistir, num mesmo ponto, diversas cordas a vibrar em tons inconsistentes. As cordas que vibram em tons consistentes uns com os outros, produzem um universo, outras cordas vibrarão em tons inconsistentes com aqueles, mas consistentes entre si, e produzirão, deste modo, outro universo. Se imaginarmos que as cordas podem vibrar numa quantidade infinita de tipos de tons (por assim dizer), então colocamos a hipótese de existir uma infinidade de universos a ocupar o mesmo espaço. A ocupar o mesmo espaço que eu pode estar uma infinidade de universos paralelos - sendo que aqui o conceito de paralelo é confuso. Esta possibilidade (de vários universos "paralelos" ocuparem o mesmo espaço) tem sido explorada em alguns filmes de ficção científica, bem como em séries televisivas, das quais gostaríamos de destacar Freezer (apesar de, nesta série, se abordar explicitamente a existência de "apenas" dois universos paralelos). Nestas obras de ficção utiliza-se habitualmente o termo "dimensão", ou a expressão "dimensões paralelas". Na verdade, tratam-se de outros universos, onde podem, de facto, existir dimensões diferentes.
Finalmente, podemos imaginar combinações de todos os tipos de infinitos descritos até aqui.

Continua em:
http://discutirfilosofiaonline.blogspot.com/2011/10/o-gato-de-shrodinger-ix.html

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