quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O gato de Schrödinger VII

A propósito de, colapso e observação...

Uma das indicações mais importantes que podemos retirar da experiência de Schrödinger é que não devemos extrapolar, sem mais, para o macroscópico aquilo que "se verifica" ao nível do subatómico. Mas isto também é, de si, confuso: como se justifica que os corpos não mantenham as mesmas características dos seus compostos?

Se tudo é composto de partículas subatómicas, então tudo deve deter as suas características. Neste caso teríamos de assumir que um cão pode ser uma onda? Ou melhor, teríamos de assumir que o comportamento do cão é aleatório? De uma forma ou de outra, parecemos cair na confusão.

Também já vimos que podemos considerar que o indeterminado não é, por natureza, indeterminável. Ou seja, podemos considerar que existem variáveis incógnitas que de algum modo actuam. Assim assumimos que não são as partículas que são aleatórias, mas sim o nosso modelo explicativo que está incompleto.

Mas o grande problema parece ser "o momento de medição" e o que se passa durante o período de incerteza. Ou seja, o problema estabelece-se sobre a interpretação desta incerteza. Para uns significa apenas que existe algo indeterminado, para outros trata-se de algo indeterminável. O problema não fica por aqui, como também já vimos. Para aqueles que assumem a indeterminabilidade do mundo quântico, a única forma de representar o período de incerteza é pelo conjunto das possibilidades, sem a assumpção de nenhuma delas de forma isolada.

Ora, isto gera, também, problemas: o gato tem que ser assumido como vivo e morto, mas isto significa o quê? Na medição ele está vivo, ou está morto. Mas antes, como é que ele estava? Durante o período de incerteza eramos só nós que desconhecíamos o estado do gato, ou era o próprio gato que não tinha um estado? Imagine que estamos a falar de objectos quânticos.

A interpretação da mecânica quântica mais comum, a interpretação de Copenhaga, afirma que uma superposição se torna num estado único quando uma observação/medição acontece. Mas que se quer dizer por observação? Querer-se-á, de facto, dizer que a realidade apenas colapsa numa descrição única (clássica) quando há um observador, mas que enquanto não é observada anda a brincar sem se decidir por ser uma coisa ou outra? Imaginemos que estamos na caixa em vez do gato e que temos 50% de hipóteses de nos suicidarmos. Bem, na nossa perspectiva estaríamos sempre vivos enquanto estivessemos a observar. Quando morressemos deixaríamos de observar, logo, não ocorrendo observação, estaríamos vivos e mortos. Esta experiência pode ser interessante, na interpretação que aceita que os corpos macroscópicos devem manter a incerteza dos objectos quânticos, pois não é possível a um electrão proceder à própria observação. A não ser que por observação se queira dizer algo de muito diferente daquilo que habitualmente queremos dizer com isso.

Se em vez do gato, estivermos nós na caixa, chegamos ao paradoxo que nos diz que, se eu me suicidar, fico vivo e morto até que alguém abra a caixa para saber se eu me suicidei. Mas, então, quando ocorre a observação: quando o detector capta a partícula, ou quando alguém abre a caixa? Na experiência de Schrödinger, quando é que o superestado do gato colapsa num estado específico? Quando a partícula é detectada, portanto, medida? Ou quando a caixa é aberta? Ou quando alguém vâ o gato?

Estas perguntas podem ser enganadoras. Lembre-se que estamos a experiência de Schrödinger pretendia referir-se a objectos quânticos, mas utilizando um gato como "metáfora". O que devemos perguntar é se o que determina o colapso é a medição por si, ou a observação por um ser consciente. Voltemos às partículas do exemplo dado por Einstein: a sua rotação é determinada apenas no momento da sua medição; apenas no momento da medição sabemos qual das partículas gira para a direita, e qual gira para a esquerda. Então, agora, devemos perguntar: quando é que o sistema de superposição direita-esquerda para cada uma das partículas colapsa? Quando um instrumento de medição recebe a informação? Quando o cientista lê o registo no instrumento de medição? Ou será que o "observador" deve ser entendido como o resto do Universo? Na verdade, quando uma partícula assumir uma rotação, a outra assume a simétrica. Poderíamos dizer que o sistema de superposição colapsa quando uma partícula detecta a outra, interpretando aleatoriamente como tendo rotação para a direita ou para a esquerda, e instantaneamente assume a rotação simétrica. Esta última interpretação teria a vantagem de manter as coisas compreensíveis na medida em que, de facto, não existiria um período mensurável de incerteza. A detecção seria instantânea, tal como é instantaneamente que uma das partículas reage à alteração da rotação da outra. Por outro lado, isso implicaria que se detectariam simultaneamente uma à outra, determinando cada uma aleatoriamente a rotação da outra - tendo que, cada uma detectar o mesmo, pois não poderia acontecer que ficassem ambas com rotação para o mesmo lado. Deixemos esta interpretação.

Quando é que o sistema de superposição colapsa? Quando um instrumento regista a rotação de uma das partículas? Ou quando um cientista observa esse registo? Ambas parecem pouco intuitivas. Nada intuitivas, de facto. Intuitivamente, consideramos que a medição ocorre quando um detector regista algo. Mas que isso implique a determinação da realidade é estranho. Também é estranho que seja necessária uma consciência para determinar a realidade. Então como foi que a realidade "existiu" até aparecerem seres humanos? Para surgir o primeiro ser humano, foi preciso que uma determinada possibilidade do Universo ocorresse, nomeadamente, a possibilidade que incluía o surgimento de seres humanos. Mas, segundo a mecânica quântica, apenas quando o primeiro ser humano observou o Universo ele colapsou numa descrição única. Até aí era o conjunto das possibilidades. Da mesma forma, este computador que estou a usar tem que ser o resultado de um colapso, mas esse colapso apenas ocorre na medição. Ora, eu jamais irei medir as grandezas quânticas das partículas subatómicas que o compõem. De resto, é impossível observar directamente um electrão, só é possível medir os seus efeitos. Será isso que se passa: a observação do macroscópico provoca o colapso do subatómico? Por outro lado: fará sentido perguntar como era o Universo antes do Homem? De facto nós estudamos tempos anteriores à Humanidade, mas há um reparo a fazer: nós estamos cá para observar o estudo que fazemos sobre o tempo em que não estávamos lá. Não podemos, em situação alguma, estudar sem estarmos cá. Não nos é possível sair do nosso tempo, do tempo em que existimos. Mesmo que viajássemos no tempo e fôssemos ao tempo dos dinaussauros, mantêm-se o facto de estarmos lá a observar. É uma tautologia, mas convém formulá-la: não é possível observar um tempo não observado para ver se existe alguma coisa antes de ser observada. Assim que alguma coisa seja observada, deixou de ser algo não observado.

O problema da observação, reside, de facto, no colapso. Agora percebemos isso. Só é necessário determinar com exactidão o que é "medir" e "observar", e quem ou o quê está habilitado para ser considerado "medidor" e "observador" porque é a medição que provoca o colapso, e o colapso é condição sine qua non da realidade tal como a conhecemos, se assumirmos que antes do colapso há superestados que são conjuntos de possibilidades. Note-se que "possibilidade", em quântica, não significa necessariamente algo que pode ocorrer mas não ocorre. Pelo menos uma das possibilidades ocorre - numa visão de pendor determinista em que se considera o gato vivo ou morto. Segundo muitos cientistas, ocorrem todas as possibilidades, embora apenas uma delas se efective aleatoriamente no momento da medição - visão probabilística.

A visão de pendor determinista também é problemática, na medida em que há grandezas que não podem ser determinadas, simultaneamente, de forma precisa. Por outro lado, parecem existir, de facto, variáveis incógnitas (não sabemos, por exemplo, como é que as partículas da experiência de Aspect sabem sempre, instantaneamente, qual é a polaridade uma da outra, se essa informação não pode viajar mais rápido do que a luz). Em muitos casos, a mecânica quântica explica e resolve problemas, resiste aos testes e é consistente com observações feitas, levando ainda, por vezes, ao desenvolvimento de técnicas e instrumentos úteis. Mas como conciliar a incerteza com a certeza, o determinismo com o indeterminismo? Como conciliar o visível (macro) com o invisível (subatómico)? Como combinar partícula e onda?

O modelo probabilístico do invisível deve conciliar-se com o modelo determinístico do visível. Pois, só há um mundo. Ou será que não?

O problema de colapso foi resolvido pela sugestão de que existem, na verdade, vários mundos. Esta interpretação dos vários mundos não torna necessário que a onda de possíveis estados colapse num estado definido. Simultaneamente, mantém a noção de probabilidade e a concepção de Universo não determinístico. Como? Como se combina Universo não determinístico e ausência de colapso? Precisamente, essa combinação ocorre na assumpção da existência de vários mundos. (Nota: há vários tipos de mundos paralelos e concepção várias sobre o que sejam esses mundos, bem como sobre a forma como eles "interagem" ou se situam relativamente uns aos outros; não iremos abordar todas as teorias envolvidas na assumpção de vários mundos, nem todas as concepções existentes de "vários mundos"). Iremos abordar este tema de forma muito selectiva.

Continua em:
http://discutirfilosofiaonline.blogspot.com/2011/10/o-gato-de-schrodinger-viii.html

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