"O mundo inteiro é um palco"...
Shakespeare, As You Like It
Se o mundo é um palco fica indeterminado se a vida é uma tragédia ou uma comédia, porque a comédia e a tragédia são faces da mesma moeda.
Mas a expressão "o mundo inteiro é um palco" parece sugerir a compreensão cómica da vida: a vida é uma comédia. Porque reforçar o carácter de representação da vida significa chamar a atenção para o seu lado cómico, da mesma maneira que chamar a atenção para a seriedade de um drama significa chamar a atenção para o seu lado trágico. Assim, dizer que a vida é como uma peça de teatro aponta para o seu lado cómico, tal como dizer que uma peça de teatro é como a vida aponta para o seu lado trágico. A tragédia prende-se com o lado sério da moeda, a tensão, a pressão, a vida como sofrimento - a comédia prende-se com o lado neutralizado, afastado, distante, a vida como paródia. O riso tem diante de si o grande teatro do mundo. O comediante total engole o mundo todo e o mundo todo é uma farsa.
"A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre comediante
Que se panoveia e agita na sua hora em cima do palco
E depois não mais é ouvido: é um conto
Contado por um idiota, cheio de som e de fúria,
Que nada significa."
Shakespeare, Macbeth
A vida é um conto contado por um idiota que vive a sua vida que significa nada cheio de som e de fúria, como se a sua vida fosse de facto algo sério, de monta. E por isso mesmo a vida é essencialmente cómica, porque ela é levada seriamente, até mesmo vivida intensamente, com fúria e som, quando não passa de um grande nada - que fica revelado, justamente, no facto de que se pode rir de toda a vida e de todo o mundo. A vida é uma sombra: a vida é o próprio comediante. E depois, nada - e a diferença entre o antes e o depois é apenas o ruído. Por isso não há, efectivamente, uma diferença essencial entre a comédia e a tragédia: a tragédia dá-se na fúria, a comédia dá-se no sem sentido - e ambas, comédia e tragédia, são essa contradição. E também por isso não há uma diferença essencial entre a comédia e o tédio: no limite, o tédio é cómico. E só porque o mundo é absolutamente sem graça nenhuma é que ele é essencialmente cómico.
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