A propósito de cobardia...
Segundo Kierkegaard, a cobardia é a arqui-inimiga da decisão. Uma pessoa pode ler isto e pensar que é mesmo assim, que muitas vezes temos receio de tomar uma decisão, e que então adiamos a decisão. Mas temos a tentação de pensar que não é assim, pelo menos connosco, na maioria das vezes. Tendemos a pensar que a nossa vida é uma constante de decisões, muitas delas corajosas, muitas delas contra verdadeiros perigos e arriscando muito, ou empenhando muito tempo e esforço. E, no entanto, é justamente a este estado de coisas que Kierkegaard se dirige: à nossa renovada coragem para lutar pelo sucesso, para defender o nosso talento, para lutar no mundo usando as nossas capacidades para enfrentar perigos imensos e ganhar o reconhecimento, aquela promoção, aquele ordenado, aquele aplauso dos chefes e dos iguais, aquele estar entre os outros e sentir que os outros nos admiram por tudo aquilo que conseguimos apesar das dificuldades. E, no entanto, é justamente a este estado de coisas que Kierkegaard chama cobardia.
"E, no entanto, a distinção entre cobardia e orgulho é uma falsa distinção, pois as duas são, na verdade, uma e a mesma coisa. A pessoa orgulhosa quer sempre fazer o que está certo, a grande acção. [...] Quer ter uma grande tarefa à sua frente e executá-la de livre vontade. E, assim, ele está muito contente com o seu lugar. [...]
[...] Claro que a verdadeira cobardia nunca se mostra como tal. Não faz um grande alarido. Não, ela está bem escondida e silenciosa. E, no entanto, ela junta a si todas as outras paixões porque a cobardia está muito confortável e é muito obediente em associação com outras paixões. [...]
[...] O verdadeiro significado da decisão é que nos dá uma conexão íntima. [...] A cobardia, por seu lado, apenas quer saber das coisas realmente importantes, das grandes coisas, não para que realize qualquer coisa com todo o coração, mas para ser lisonjeada por fazer qualquer coisa que é nobre e grande. Contudo, escondido por detrás do que é exaltado não está nada senão uma desculpa para não conquistar as pequenas coisas, que o sujeito omitiu, simplesmente porque eram pequenas.
Portanto, não te deixes enganar. Pode ser que com grandes decisões os outros se maravilhem contigo. Contudo, terás perdido a única coisa que é precisa. Podes ser honrado nesta vida, relembrado por monumentos erigidos em tua honra, mas Deus irá dizer-te: "Pessoa infeliz. Por que não escolheste o caminho melhor? Confessa a tua fraqueza e enfrenta-a.""
Kierkegaard
"Que não sejamos enganados neste assunto de querer apenas uma coisa. Aquele que quer o Bem, por exemplo, por mor de qualquer recompensa também não quer apenas uma coisa. Tem um pensar-duplo. Não é difícil de ver. O Bem é uma coisa; a recompensa é outra coisa. Querer o Bem por mor da recompensa não é querer uma coisa, mas duas. Se um homem ama uma rapariga por mor da sua riqueza, quem o chamará de amante?"
Kierkegaard