Manifestante na derrubada do Muro em 1989 –
A Ilusão de que a História tinha acabado
Raros são os
exemplos, dentre os filósofos brasileiros, de pensadores empenhados na defesa
do indivíduo. Para cada Olavo de Carvalho existem inúmeras Marilenas Chauís, e
podem ser contados nos dedos de uma mão as críticas atuais à nova ditadura de costumes que assola o
país: o “politicamente correto”. Talvez o mais assustador nesta patologia da
cultura não seja aquilo que ela expressa, mas sim o que ela
esconde.
Vivemos numa
sociedade em que nada pode ser mais
temido do que uma opinião independente. É necessário ajustar-se rigorosamente a
todos os pseudo conflitos que a “mídia amiga” faz questão de noticiar
diariamente. Assim, embora não seja evidente a primeira vista, existem opiniões
prontas as quais devemos recorrer para não sofrermos a “exclusão social de
nossas ideias”. Frases feitas sobre Deus, conduta sexual, pena de morte e
aborto (só para citar alguns exemplos) invadem nossos computadores, telefones
celulares, iPhones e redes sociais de uma maneira capaz de anular o indivíduo
na mais humana das suas dimensões – a histórica.
A sociedade
brasileira internalizou de maneira tão forte a “luta contra os preconceitos”
que abdicou da capacidade de formar juízos “a priori”. Não existe mais valor ou
tipo de vida boa, justa, ou bela cuja busca atormentava os gregos. Tudo é hoje vítima do relativismo e a ideia de testar
hipóteses, importada do pensamento cientifico, tende a fazer com que toda ética
contemporânea torne-se, como disse Jorge Luis Borges, um ramo da estatística.
Nesse processo de abdicação da sua individualidade, o homem contemporâneo vem
sendo massacrado pelos conceitos emprestados de dois discursos: o marxista e o
psicanalítico. Caso eu me manifeste com pensamento independente devo ser visto
como um possível “doente mental” ou como “representante de alguma elite”. Não
vão faltar aqueles que pensam que vou invadir algum MacDonald's com um fuzil ou
que tenho interesses econômicos sustentando minhas ideias.
Responsáveis pela
relativização dos valores fundamentais à nossa civilização, Freud e Marx são
perigosos para independência da filosofia pela sua capacidade de
expressarem cosmovisões, ou seja,
teorias que operam no domínio da totalidade . No marxismo toda atividade humana
e a cultura que sobre ela se edifica são frutos da luta de classes; na
psicanálise a causa é a repressão. Não existe nestes dois sistemas um espaço
verdadeiro para o ato de filosofar. Explico por que, mas primeiro algumas
definições: entendo “filosofar” como buscar a verdade e entendo verdade como
concordância entre a razão e o seu objeto de contemplação. Se parto a priori
destes princípios torna-se evidente que o ato de conhecer é produto de uma
consciência individual.
Não existe
conhecimento completo a ser compartilhado plenamente por que não é possível
transformar toda espécie humana numa consciência única. Abordei este assunto
num artigo anterior chamado A Questão da Verdade e a Obsessão pelo Consenso,
mas meu objetivo aqui é outro. Trata-se de fazer um alerta para o fato de que a
adesão a qualquer sistema de pensamento que explique a história “como um todo”
anula o ser humano individualmente transformando-o num autômato para quem todas
as causas e efeitos possíveis já foram
fornecidos.
As duas grandes
experiencias totalitárias do seculo XX, o comunismo e o fascismo, são ricas em
exemplos de prisioneiros de Hitler e Stalin que compartilhavam o fato de não
terem história. Reunidos como animais, estes homens, mulheres e crianças
foram vítimas de fanáticos que usaram de sistemas totais para explicar a
realidade e seus males apontando soluções que habitam nossos pesadelos até
hoje.
Em 1992, Francis
Fukuyama acreditou que a história tinha chegado ao seu fim. Ele pensava que o
capitalismo tinha superado todos os fatores e contradições capazes de
justificar a emergência de um mundo
socialista. Ironicamente, suas próprias
teorias me parecem comprovar o contrario pois se é verdade que um dos sistemas
venceu ele o fez sobre os indivíduos e não sobre hipóteses. A mensagem
assustadora que fica daí é que nos confrontamos, cada um de nós e
definitivamente sozinhos, com uma tarefa tão grande quanto antiga: a mudança de
consciência. Seja lá o que isso signifique, ou qual o caminho para alcançar, me
parece a única solução para fugir do “fim do Homem” e para não ser esta a
“Última História”.
Porto Alegre, 3
de janeiro de 2013
Milton Pires
cardiopires@gmail.com
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