quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O filósofo hodierno

A propósito da filosofia nos dias de hoje... A filosofia Hoje.


Hoje há um pressuposto que se difunde entre professores de Filosofia. Um pressuposto que eles não aceitariam. Na verdade, um pressuposto contra o qual estariam dispostos a escrever artigos para revistas e até a dar um ou outro colóquio. Mas esse pressuposto é por eles usado quotidianamente, numa base regular de cegueira e conformação.


Qual é esse pressuposto? O pressuposto é o de que só quem tem teses que deseja defender é que tem direito a discutir assuntos. Segundo este pressuposto, quem não tiver um pensamento minimamente "objectivo" deve calar-se. Com isto pretende-se que para se ter o direito de discutir tem que se ter uma opinião fixada. A discussão para eles é duas teses que se opõem. Na verdade só assim compreendem a filosofia: como uma contínua luta entre pessoas que têm as suas ideias fixas e que, na verdade, jamais mudarão de opinião.


Como este pressuposto é algo que raramente trazem à luz da sua própria consciência, ele tem uma vida latente e inconsciente assumindo formas que não poderia assumir logicamente. Por exemplo, os professores de filosofia partem sempre do princípio que o outro com quem discutem deve ter uma tese - ou seja, simplesmente assumem que ele TEM uma tese. Se, por qualquer motivo, parecer que o outro nada defende e aponta deficiências por todo o lado, então imediatamente concluem que o outro tem a tese de que não há teses verdadeiras. Ou seja, para eles o outro tem uma tese, e se não lhe conseguem apontar nenhuma, acusam-no de pensar que nenhuma tese é verdadeira. E depois seguem no seu caminho de ataque, atacando a tese de que não há teses verdadeiras... assumindo, claro está, que o outro tem esta tese. Como não conseguem conceber outra hipótese têm de conceber o outro como uma tese.


Os filósofos de hoje não têm qualquer noção verdadeira do que seja "suspensão indagatória". Concebem a crítica como uma crítica à posição do outro. Os filósofos de hoje não conseguem conceber a crítica senão como um olhar agudo sobre a tese do outro e ficam atarantados sempre que surge alguém que não pretende defender a fixação da sua verdade: começam logo a gritar contra a "ausência" de objectivismo, contra a impossibilidade de chegar a uma verdade... como se o outro, quando se assume realmente na dúvida, estivesse a dizer que SABE que não há nada de verdadeiro... Mas é este pensamento que é, de facto, curioso. Muito curioso.

O filósofo actual é alguém que tem a filosofia como uma espécie de fixação. Não concebe a possibilidade de estar num labirinto. O filósofo hoje é aquele que tem muitas teorias, sabe sempre o que defender em todas as matérias, nunca se sente como um peixe fora de água. A dúvida é qualquer coisa que usa para demolir preconceitos (ou seja, as ideias dos outros), mas que jamais ousa supor que ela é necessária relativamente às determinações da sua própria tese. Não lhe passa pela cabeça - embora passe, de facto, pela língua - que a filosofia deva ser uma suspensão indagatória precisamente no sentido em que se deve manter atenta às suas próprias confusões, aos seus ângulos mortos, às suas zonas escondidas... É que o filósofo hoje já não tem presente a ideia de que ele próprio está implicado naquilo que está a discutir. O filósofo de hoje não consegue conceber um labirinto senão como um labirinto que encontra no jornal. Não consegue conceber que ele possa estar dentro do labirinto. Ora, o carácter fundamental do encontrar-se num labirinto é que, na verdade, aquilo que se vê pode nem sequer parecer imediatamente um labirinto - e quando se percebe que se está num labirinto, não se faz a menor ideia ainda de como isto onde se está se relaciona com a saída do labirinto...

Mas hoje os nossos filósofos são humanos como quem lê a humanidade no jornal. Sabem sempre as curvas que hão-de dar. O labirinto para eles é uma curiosidade, um passatempo, um divertimento. Porque, no essencial, "sabem" que HÁ uma saída, e limitam-se a sorrir condescendentemente e a traçar no jornal o caminho com a caneta especulativa. Contudo, o labirinto que interessa não vem nos jornais.


Mas o filósofo actual é uma criatura de jornal. É um ser do dia, sempre em cima da onda, na crista da onda. Surfa as salas dos hotéis com a mesma facilidade com que debita conteúdos programáticos nas salas de aula. Tanto dá uma conferência num cinco estrelas, como um colóquio numa tenda. O filósofo é um homem de sucesso, que labuta e faz pela vida, que compra a felicidade e ganha a existência em cada palestra, em cada livro vendido, em cada entrevista dada na SIC ou em cada participação no Prós e Contras. O filósofo de hoje é tudo aquilo com que os grandes filósofos nunca se identificaram... porque em todas as épocas houve filósofos de hoje... Filósofos que estão sempre actualizados e sabem ler os antigos ao modo da actualidade. Sabem pôr Platão do seu lado, e até o Ecclesiastes se torna uma sobremesa. Sempre houve filósofos de hoje em todas as épocas, que diziam em cada actualidade o que a actualidade dizia. Que estavam actualizados, adaptados. Porque é a isto que se resume a filosofia de hoje: a estar actualizado, a adpatar-se ao momento, a ter sucesso. O sucesso que Tales desprezou, que Diógenes ironizou, que condenou Sócrates à morte, que, de forma geral, deixou morrer os grandes filósofos no esquecimento do seu próprio tempo... Porque os grandes filósofos nunca foram filósofos de hoje. Mesmo quando discutiam assuntos da sua altura, faziam-no de tal forma que podem passar milhares de anos e ainda recorremos a eles para nos compreendermos melhor a nós mesmos.


Talvez o filósofo de hoje, que julga que "quem não pensa assim ou assado" não deve incomodar ninguém devesse dar menos atenção aos últimos livros que vão saindo e preocupar-se mais com os antigos, quem sabe ler Plutarco, Adversus Colotem, ou com mais atenção a Apologia de Sócrates, e redobrar esforços na compreensão da Metafísica, de Aristóteles... Talvez - e digo isto como mera sugestão, talvez mais como uma nota para mim mesmo que não espera ser colhida por outros - devesse considerar que não é o sucesso momentâneo de uma ideia ou de um modo de pensar que significa consistência filosófica.

1 comentário:

  1. Novas sementes de possibilidades de um pensar, de um pesquisar com seriedade, demandam tempo para florescer em nossa consciência. Ainda mais hoje em dia, na fabrica do "entretenimento inteligente", vomitado em nossas cabeças,que atrofiam muitas possibilidade de mentes que poderiam contribuir, mais rapidamente com novas percepções, e dado nosso condicionamento essas possibilidades somem, e o velho sistema de idéias tenta coibir o surgimento de novas, então seu pego tenta manter o controle egoico sobre as regras do jogo, porém apenas por ter surgido todas essas possibilidade de percepções, e outras que hoje já dialogam mais profundamente com as contradições religiosas entre si,aceitação e compreensão maior da física quântica,e diversas outras, coisas podem estar acontecendo nos bastidores desse período infértil que vivemos, tento alimenta a possibilidade meu amigo.

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