domingo, 12 de julho de 2015

aquilo que é necessário para alguém ser cristão...

A propósito de ser-se cristão...

Há uma pergunta que nos podemos fazer: será que ser-se cristão pode levar um sujeito a tornar-se fundamentalista? Será que queimar humanos é cristão?

Ora, vamos por partes.


Mas parece ser esta, justamente, a questão. O que é ser cristão? É ter fé? E o que significa ter fé? Será que ter fé é aderir a um conjunto de teses? Ou é uma determinada prática? Não me parece que a fé consista na mera adopção de um determinado ideal enquanto adesão a determinados conteúdos teóricos, como se ter fé correspondesse à defesa de uma tese de doutoramento. A fé - se é fé - há-de verificar-se na expressão existencial dela, se há fé tem de haver prática do ideal, tem de haver reduplicação na existência da categoria a que o sujeito se fixa. Então, ser-se cristão há-de ser qualquer coisa como a expressão existencial de um ideal concreto, o viver de acordo com um determinado modelo que, para o cristão, parece que só pode ser o de Jesus. Não se trata, portanto, de aderir à tese de que Jesus é encarnação de um ente omnipotente que criou o universo e tal. Estas coisas talvez sejam relevantes numa tese de teologia, mas não me parecem ser aquilo que é necessário para se ser cristão.

Uma pessoa que escreve uma tese de doutoramento a defender que o mais provável é que Deus exista e tenha encarnado num sujeito que viveu há 2000 anos, mas cuja vida reflecte uma perfeita indiferença perante o modelo que Jesus é e, simultaneamente, a sua fixação aos valores do mundo, talvez não devesse ser considerada cristã.

O critério para que alguém seja cristão não pode ser o de ele se julgar cristão - a não ser se não estiver em causa, justamente, cumprir com requisitos definidos por Deus... Quer dizer, se o sujeito é cristão com certeza que não dirá que é ele próprio que define o que é ser cristão - a não ser que se esteja a pôr no lugar de Deus. Se um sujeito é cristão, então parece-me que deve ter começado por reconhecer um ideal - que não foi definido por si - e depois por ter-se fixado a tarefa de reduplicar na existência esse ideal.

Portanto, o problema principal parece-me ser, justamente, o de saber "aquilo que é necessário para alguém ser cristão" - e se reconhecemos isto então também reconhecemos que é possível que alguém julgue ser cristão sem o ser. Eu sou ateu, mas compreendo isto muito bem: se se trata de ser religioso, então é natural que o sujeito que quer ser religioso compreenda que não é ele que define aquilo em que ele se deve tornar. E então é natural que a cristandade possa andar arredada do seu próprio ideal... Não se trata aqui de um sujeito pensar que ser cristão é isto, e outro aquilo... Trata-se do facto de um sujeito ser capaz de se esquecer do seu ideal no quotidiano da existência, por muito que bata no peito ao Domingo.


Então, se se trata de cumprir com os requisitos dos quais o sujeito reconhece depender o sentido da sua vida e que reconhece não terem sido definidos por si - se se trata de reduplicar na sua existência a sua fidelidade ao exemplo de Jesus, então com certeza que aquele que mata por Jesus, e até mesmo aquele que mata César por Jesus não é cristão, visto que nada no exemplo de Jesus pode fazer pensar que alguém que mata, queima ou tortura está a reduplicar na sua existência a sua fidelidade ao exemplo de Jesus.




Parece-me, pois, evidente que não é verdade que o Cristianismo trouxe mal ao mundo, ou que levou os homens a praticar o mal.

O que me parece evidente é que os homens praticam o mal.

O facto de um sujeito dizer que mata por ser cristão não prova mais que assim o é do que alguém dizer que mata por eu lho ordenar quando é verdade que nunca lho ordenei.

O facto de ter havido pessoas que se diziam cristãs e que queimaram outras com a justificação do Cristianismo não prova que o fizeram por serem cristãs, ou que o fizeram devido ao Cristianismo, a não ser que se encontre no exemplo de Jesus um dever de matar em seu nome e em tais circunstâncias... Os homens matam, violam, etc. Esta é uma evidência. E fazem-no dizendo que o fazem em nome de muitas coisas, mas no caso do Cristianismo nós temos um exemplo, e se o sujeito acredita que a sua existência deve ser qualificada pela medida da sua fidelidade ao exemplo estabelecido por Deus, então - digamos assim - se ele é honesto, não dirá que é cristão quando está nos antípodas do modelo que Jesus deveria ser para si.

Assim, um terrorista cristão não é mais cristão do que um cristão não praticante, e este não é mais cristão do que um advogado que não cumpriu os requisitos da Ordem é advogado.

Ser-se cristão é, com certeza, ser fiel ao exemplo de Jesus - e não escrever uma tese a defender que Jesus é a encarnação do criador do mundo e vizinhanças, nem matar para defender Jesus e a sua verdade (pois o exemplo de Jesus foi que se deixou ele próprio matar pela verdade).

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