quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O que é o concreto?

A propósito do "concreto"...

Bem, é mais fácil alguém admitir que o Universo é um conceito meramente abstracto, na medida em que não podemos realmente delimitá-lo, do que admitir que uma pedra é abstracta. Mas o que queremos dizer com abstracto? O que distingue o abstracto do concreto? Parece que o concreto é aquilo que podemos tocar, ver, cheirar... O abstracto parece ser aquilo que se caracteriza por ser simplesmente intelectual. 

Segundo a distinção anterior, uma pedra é concreta porque pode ser tocada. Na verdade, o ser concreto parece residir em ser algo de único, algo isolável. Posso apontar para uma pedra, tocar-lhe, e mostrá-la a alguém se me perguntar o que ela é. Já o conceito de pedra parece ser abstracto. Não posso realmente mostrar o conceito de pedra a alguém. Depois, o concreto não é repetível: esta pedra é esta pedra. O conceito de pedra repete-se em cada uma das pedras. Cada pedra é uma pedra. 

Infelizmente, aquilo que é concreto parece ser único, não transmissível. Não posso dizer uma pedra, posso apenas utilizar a linguagem, e isso significa que houve a mediação do conceito. O conceito, por ser repetível, por ser universal, permite a linguagem. Posso dizer a alguém que hoje vi uma pedra. Mas a pedra concreta, essa não a posso comunicar. Posso apenas mostrá-la se a levar comigo. 

Por outro lado, o abstracto parece ser universal de uma forma estranha, porque parece óbvio que por vezes ambos utilizamos a mesma palavra mas queremos dizer coisas diferentes. A minha representação pode ser diferente da tua. De tal modo que podemos, a dada altura, perceber que não estávamos a falar da mesma coisa. Portanto, não é imediatamente óbvio que quando se diz "pedra" duas pessoas tenham o mesmo conceito em mente - e na verdade, a palavra pedra pode ser utilizada em contextos muito diferentes. Com conceitos como "liberdade", "bem", "belo", isto torna-se mais evidente. E o conceito só pode ser expresso, não pode ser mostrado, ao contrário da pedra que é concreta.

Mas, de algum modo, fala-se de conceitos abstractos e concretos. Deve dizer-se que esta utilização dos termos é indevida. Não há, em rigor, conceitos concretos. Mas quando se diz que um conceito é concreto queremos dizer que podemos mostrar um exemplo do tipo de entes que esse conceito delimita. Posso exemplificar o conceito de pedra mostrando uma pedra. Mas já não posso exemplificar o meu conceito de "justiça". 

Esta forma de distinguir concreto e abstracto é muito pouco clara, porque eu também posso mostrar actos justos, situações justas, acontecimentos justos, finais de histórias justos... Então por vezes pretende-se distinguir concreto e abstracto dizendo que o concreto é aquilo que é evidente: posso mostrar uma pedra e ninguém fica na dúvida se é uma pedra, mas se mostrar um acontecimento justo, não raramente há quem discorde e diga que o meu exemplo é um mau exemplo, ou que o caso que apresentei não é um caso justo... Tudo isto está envolto em confusão, porque se a pessoa diz que o meu caso não é um exemplo de justiça, então é porque já tem, de algum modo, o conceito de justiça. Da mesma forma, uma pessoa que nunca tivesse visto pedras e só soubesse que aquela pedra que eu mostrei é uma pedra, poderia ter muitas dúvidas em decidir se um calhau é uma pedra, ou se a carapaça de uma tartaruga ou um osso também são pedras... E poderia não perceber que outra pedra completamente diferente também é pedra.

Mas deixemos isto de parte...

Como dissemos, parece que as coisas que podemos tocar são concretas porque "sabemos" o que são e não temos dúvida quanto a serem qualquer coisa de único, identificável. O concreto parece ser aquilo que temos à nossa frente e que não nos enganaríamos em ser isso aí aquilo de que falamos. Mas aprofundemos a nossa análise.

Tomemos um qualquer ente "próximo", como uma pessoa: a Maria. Nada parece mais conhecido e, nessa medida, mais concreto do que um ente querido. Se tentarmos ver o que é essa pessoa, temos que recorrer a determinações. Podemos perceber que o conceito que temos dessa pessoa corresponde a uma representação. Muito bem, mas essa representação é uma unidade - enquanto tal, é uma totalidade compósita. O que quer que digamos dela, trata-se de uma determinação, ou conjunto de determinações. Acontece, porém, que cada determinação é, pode definição, repetível. Não há nenhuma determinação da Maria que seja apenas da Maria. Percebemos que, então, a Maria é um cruzamento de determinações, cada uma delas repetível. Na verdade, cada uma das determinações da Maria é diferente da Maria. A Maria pode ser sensual. Ser sensual não é ser Maria, mas a Maria é sensual. E muitas outras mulheres podem ser sensuais. Assim, se tentarmos ver a que é que corresponde o meu conceito da Maria, este corresponde a uma representação insusceptível de ser correspondida a algo que não seja outra coisa que não ela. Ou seja, a Maria escapa-se-nos entre os dedos. Temos um conjunto de determinações, as quais são, todas elas, infinitamente repetíveis e de modo nenhum "concretas". Portanto, o conceito de Maria é, afinal, um conceito vazio e, na verdade, irrealizado. Mas se eu supor que esta dificuldade se deve à natureza das pessoas, poderia fazer o mesmo exercício com uma pedra, ou com um meteoro. 

Na verdade, se me pusessem à frente a Maria e outro ente com TODAS as determinações da Maria, eu não tinha nenhuma forma de as distinguir - e na verdade, nem teria nenhuma razão para dizer que não seriam DUAS Marias... Portanto, eu posso pensar que conheço muito bem a minha mãe. Já nem está em causa eu poder pensar que a conheço bem e afinal não conhecer. Eu posso conhecer a minha mãe muito bem. Mas não seria capaz de a distinguir de uma cópia perfeita. Porque o que eu sei dela é que ela é um conjunto de determinações. Apesar disso, a minha mãe é para mim muito mais do que isso, e na verdade não é nada disso. Quando falo da minha mãe, não me quero referir às determinações. Quero-me referir à minha mãe - precisamente àquilo que, se eu for analisar, não sei o que é. Mas enquanto a minha mãe é minha mãe, não admito que seja um aquilo. E tudo isto porque faz parte daquilo que para mim a minha mãe é a determinação ser amada por mim. E isto é uma determinação que faz toda a diferença... Nomeadamente, esbate as outras determinações e torna-as pouco importantes. Mas isto já é um outro assunto, também muito complexo, a saber, a distinção entre horizontes temático e prático. 

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