A propósito da
Ética, de Spinoza...
Neste artigo pretende-se responder simultaneamente a duas perguntas:
1.ª - por que razão chamou Spinoza Ética a um livro que parece dedicar-se a tudo menos a ética? De facto, o livro começa com considerações acerca de Deus, continua dedicando-se à natureza e às ilusões do ponto de vista humano. Tudo parece indicar que nenhuma ética se poderia erigir a partir daquilo que o autor nos propõe;
2.ª - de que forma, se há alguma, se pode falar de uma liberdade humana em Spinoza?
Parece-me que a noção de liberdade
humana (“Libertate Humana”) explica a razão pela qual o livro se chama Ética. Ética (porque está para além do bem e do mal em sentido moral), demonstrada segundo a ordem geométrica, porque tem que ver com o comportamento
próprio do indivíduo em relação a si mesmo, aos outros, ao mundo e a Deus. Quer
dizer que as considerações acerca da natureza e de Deus não poderiam ser esquecidas, uma vez que aquilo que seja
a natureza e aquilo que seja Deus está directamente conectado com a ética. As considerações
éticas só se podem fazer dentro da compreensão daquilo que realmente é Deus, a
natureza e o homem. Portanto a ética, para Spinoza não é um item isolado.
Aquilo que ele tinha a dizer sobre isso só poderia ser dito no âmbito de
considerações mais gerais sobre a natureza. De algum modo, isso mostra uma
certa compreensão do próprio ser humano – o qual não é algo ao lado da
natureza, como se se pudesse escrever um tratado sobre a natureza e depois um sobre
a ética. Compreende-se assim que comece com Deus e acabe com a liberdade humana (e com Deus como ponto de fuga dessa liberdade). O sábio
conhece-se a si mesmo, à natureza e a Deus, e vive de acordo com esse
conhecimento.
É nesse sentido que compreendo, desde logo, o prefácio da 4ª
parte:
“Pois uma vez que desejamos formar uma ideia de homem como
modelo da natureza humana de modo a tê-la em vista, ser-nos-á útil conservar
esses vocábulos no sentido que estabeleci.” ( Nam quia ideam hominis
tanquam naturæ humanæ exemplar, quod intueamur, formare cupimus, nobis ex usu
erit, hæc eadem vocabula eo, quo dixi, sensu retinere.) Isto é, os termos bom e mau devem ser usados enquanto referidos ao homem, enquanto algo é útil à natureza do sujeito (e então é bom), ou enquanto é prejudicial à conservação e ao poder do sujeito (e então é mau). Mas estes qualificativos expressam exclusivamente estados mentais do sujeito, modos do seu pensamento.
Segue nas definições 1 & 2: “Por bom compreendo o que
sabemos com certeza ser útil para nós.” Isto é, para chegar perto do modelo de
natureza humana que pusemos à nossa frente (Cf., por exemplo, Apêndice à 4ª
parte, 8: bom é aquilo que nos preserva e permite gozar uma vida racional). O
conhecimento do bom pertence à nossa actividade, a sua força reside na nossa
própria natureza – e também está limitada pela nossa natureza. Assim, a força
do sujeito pode ser inferior à força exercida pela causa exterior: o homem pode,
por isso, ser tido por perfeito ou imperfeito conforme se aproxima ou não desse
modelo (cf., por exemplo, prefácio à 4ª parte).
A definição 8 diz: “Per virtutem, & potentiam idem
intelligo, hoc est (per Prop. 7 p. 3) virtus, quatenus ad hominem refertur, est
ipsa hominis essentia, seu natura, quatenus potestatem habet, quædam
efficiendi, quæ per solas ipsius naturæ leges possunt intelligi.”
(Por virtude e potência (possibilidade, poder de)
compreendo o mesmo, isto é, a virtude, enquanto referida ao homem, é a própria
essência do homem, ou a [sua] natureza, enquanto tem a possibilidade de (poder
de), levar a cabo certas coisas, as quais apenas pelas próprias leis da sua
natureza se podem compreender.) Cf. IV, 28.
A virtude própria do homem consiste na possibilidade de
levar a cabo coisas que se podem compreender através das leis da sua natureza.
Isto é, delineia-se já aqui a noção de actividade: a virtude é a própria felicidade (cf. V, 42). Mas quando o
sujeito é apenas causa parcial (a sua acção não pode ser compreendida senão recorrendo a causas exteriores ao sujeito), então ele é agido e não é ele que propriamente
age (cf. IV, 2).
Esta contraposição que Spinoza estabelece entre ser passivo e ser
activo parece-me corresponder a um novo conceito de liberdade – já não
compreendida numa vontade livre de causas.
Spinoza delimita a actividade do homem por oposição à
passividade.
A proposta de Spinoza é, então, tornarmo-nos senhores de
nós próprios – não completamente livres de causas (o que é impossível). Estar sob o domínio das
paixões é discordar da própria natureza (cf. IV, 32-35). Seguir a Razão é
concordar com a própria natureza. A própria discórdia no indivíduo, bem como
entre indivíduos, não é natural – pois não está na sua natureza. É enquanto se deixam dominar por factores exteriores que os homens discordam, quer de si mesmos, quer em relação a outros. Entregues à Razão
concordariam com eles mesmos e entre eles.
A desocultação das inclinações permite ao homem esforçar-se por superar a sua dependência
em relação ao que lhe é exterior. Cf. V, 3, corolário: “Quanto mais um afecto é
conhecido, maior é o controlo que temos sobre ele”. Conhecer que tudo é
necessário dá ao homem um maior controlo sobre as afecções.
Cf. V, 10. Se não estivermos sob ataque das afecções podemos
conformar-nos à ordem do intelectuo. Mas o ataque das afecções não é qualquer coisa que se possa, simplesmente, suspender. O humano deve-lhes resistir, contudo não pode deixar de ser parte da natureza e, na natureza, ele é constantemente bombardeado por coisas que o afectam. Só o conhecimento das causas, o conhecimento daquilo que me move me permite distanciar do movimento para me assenhorear do caminho a seguir. Este aspecto irá ficar mais claro à frente.
Spinoza introduzirá a ideia de Deus e o amor a
Deus como algo a que o homem se pode lançar activamente – e nisto parece
constituir a liberdade autêntica,
isto é, liberdade humana, por
oposição à liberdade ilusória que, afinal, apenas impede a compreensão. A liberdade humana é qualquer coisa que se pode consumar maximamente apenas no amor a Deus, porque Deus é aquilo que se pode amar autenticamente. Tudo o mais que se ama sem conhecimento adequado apenas nos domina, não nos realiza. Na verdade, aquele que se conhece a si mesmo sabe que apenas pode amar autenticamente a Deus.
Independentemente da colocação da ideia de amor a Deus,
parece-me que para compreender a noção de liberdade
humana se deve atentar no que Spinoza diz sobre a ideia que um homem pode
colocar como seu modelo: modelo que é o seu fim, mas também a sua medida. O humano coloca uma ideia de ser homem como fito da sua actividade e é em relação a essa imagem que ele se pode reconhecer como perfeito ou imperfeito. O homem
mede-se pela sua execução disso que é a sua medida. Trata-se da identificação de uma estrutura fundamental
do humano, que já é feita no Génesis,
e que na Ética é recolocada: o humano
como espelho/imagem.
Esta estrutura é origem de ilusões, mas é também o que
permite identificar a possibilidade mais própria do humano (no caso, Deus, o
amor a Deus).
Spinoza está a dizer que estamos habitualmente conformados
com uma ideia de liberdade que, não só é aparente, como não podemos saber o que
fosse de facto, porque não é nada de possível ou concebível. Poderíamos dizer
que é um conceito irrealizado. O
homem não pode deixar de estar na natureza. Só a natureza como um todo, só Deus
não tem nenhuma causa, só Deus pode ser compreendido a partir apenas de si
mesmo (a sua essência compreende a sua existência – isto não só significa que
não pode deixar de ser, como também que todas as coisas que são, são instanciação, modo, atributo de Deus). Deus tudo contém, tudo sustem, é tudo, desde sempre. Deus é tudo o que há. Deus é toda a natureza. Na natureza tudo é eterno e necessário, nada de novo vem a ser sob o sol. O pensamento e a matéria são dois dos atributos de Deus. Mas há apenas uma substância. Sendo que tudo é Deus, e Deus é causa de si mesmo, na verdade tudo é necessário, o que é o mesmo que dizer que tudo é espontâneo. Não há uma razão outra para que o que é seja o que é, senão o poder infinito de Deus se expressar como tem necessariamente de se expressar. Deus é pura actividade, é tudo o que existe, e tudo o que existe existe desde sempre e para sempre. Não há verdadeiro começo, não há verdadeira criação na natureza. Há modos da substância. Quando o homem pensa que é livre apenas pensa algo que não sabe a que corresponde: o que seria ser a sua própria causa em sentido absoluto, o que seria ser completamente espontâneo? Afinal, isso seria ser Deus, mas não seria ainda ser livre no sentido em que o homem pensa que é livre. O que é mais espontâneo é precisamente o que é mais necessário. Portanto, a liberdade que cada um pensa que tem é pura ilusão. Mas mais do que isso: não se sabe minimamente o que seria, se fosse possível. A vontade humana é um modo do pensamento. O intelectuo é ter pensamento, é pensar, é ter ideias. Não há nada de livre nisso. Uma volição, tal como um estado mental, existe apenas na medida em que tem uma causa (cf. I, 32; II, 48).
Tudo o que acontece é necessário. Também o homem nada faz
que não esteja necessitado pelas condições
prévias, internas e externas. Mas o humano possui uma característica que o
distingue – não no sentido em que lhe atribui algo que não seja da natureza,
mas algo que lhe é próprio. Ao poder conhecer as causas do seu comportamento, o
homem pode assumir um comportamento relativamente a essas causas. Não que isso seja fácil.
Como
disse Ovídio, video meliora proboque, deteriora sequor, muitas vezes vemos o
melhor e fazemos o pior (Cf. Prefácio à parte IV; e IV, 4: é impossível ao homem não
ser parte da natureza, é impossível agir sempre de tal maneira que seja sempre
a causa total das suas acções, ou seja, que as mudanças que opera possam ser sempre compreendidas apenas a partir da
sua própria natureza). É mais fácil ser movido pela opinião do que pela razão
(cf. IV, 17, nota a 14-17).
Mas o humano, ao conhecer-se a si mesmo, e ao
conhecer as suas afecções, as paixões, as inclinações que de cada vez o afectam
pode procurar agir de acordo com a sua própria natureza. Pode agir em função do
melhor dos bens (cf. IV, 65). Nada disto significa que o humano se torne livre
– o que há é apenas liberdade humana:
a liberdade que convém à natureza humana. Não é mais nem menos perfeito
enquanto coisa – mas pode compreender-se como mais ou menos perfeito em relação
ao modelo. Não há de facto nenhuma causa final, mas o seu modelo é algo em
vista do qual ele se compreende (não que isso seja um fim da natureza, ou um fim que Deus espere do humano, ou um fim que traga uma qualquer espécie de recompensa; não, o modelo, o fim é qualquer coisa a que o homem se vota, qualquer coisa que o homem ama, sem ter outra coisa, qualquer recompensa que seja, em vista). Isso nunca significa que o homem, ao determinar-se, se torne outra coisa, ou
que, ao determinar-se, escape da ordem
das causas. Entretanto, uma atitude possível face ao inevitável é a própria
aceitação disso. Aceitar o inevitável parece não ser nada de extraordinário. Tendemos a considerar que quem aceitou o inevitável o fez porque não tinha opção, e desvalorizamos isso. Contudo, o inevitável é precisamente o mais difícil de aceitar. E o facto de que é inevitável não o torna mais fácil de aceitar, bem pelo contrário. Resistir perante o necessário é muito difícil. Tão difícil que a maioria das pessoas simplesmente desvirtua aquilo que é necessário e considera-o alternativo. Assim se tende a compreender uma tempestade como um castigo divino: como algo que bem poderia não ter ocorrido, se certas condições não tivessem ocorrido, mas nesta compreensão projecta-se sobre a ocorrência dessas condições um carácter condicional que elas mesmas não têm. Dizemos que se nos tivéssemos comportado bem perante Deus, Deus não nos teria castigado. Da mesma forma, dizemos que se não tivéssemos deixado a porta aberta o gato não teria fugido. E com isto entendemos que poderíamos ter agido de forma diferente, que a tempestade poderia não ter vindo, que o gato poderia não ter fugido. É muito difícil aceitar que tudo o que acontece, acontece por necessidade. Tão difícil que usamos mesmo o argumento de que: se tudo é necessário, então não vale a pena fazer nada - como se isto pudesse provar que as coisas não são como são por necessidade.
O sábio não pensa assim. Segundo Spinoza, a sabedoria consiste em aceitar o necessário – sem que esta aceitação seja menos
necessária naquele que aceitou o necessário. Também este, ao aceitar o
necessário, expressa uma necessidade. Querer fugir da necessidade é desejar o
impossível, e desejar o impossível é algo que ninguém realmente deseja, se de
facto se conhece e sabe o que lhe é impossível. Como diz Spinoza, ninguém fica
triste pelo facto do bebé ser bebé enquanto é tempo de ser bebé, apesar de
enquanto for bebé não saber falar nem agir racionalmente, porque toda a gente
sabe que é necessário passar por essa fase. Mas é difícil ser sábio e aceitar a necessidade das coisas. Porque aceitar a sua necessidade é aceitar a sua espontaneidade. É aceitar que ordem e caos são o mesmo. Que o sentido de tudo é não haver sentido em nada.
Temos de reconhecer a honestidade de Spinoza. Neste artigo não pretendemos apresentar qualquer crítica. Pretendemos apenas mostrar o seu pensamento. Teríamos algumas críticas a fazer. Mas queremos, sobretudo, realçar que ele se move em terreno muito movediço, perigoso, íngreme. Foi fundo na compreensão das coisas e da própria natureza humana. É difícil encontrar um filósofo, e muito mais difícil encontrar um não filósofo, capaz de ser tão honesto.
Spinoza redefine a noção de liberdade como liberdade humana, fundada na mente
humana, na razão, na capacidade de compreender os processos da necessidade. A liberdade humana é compreensão das
causas e é actividade. Ao compreender as causas que actuam sobre mim posso
comportar-me relativamente a elas – por exemplo, perceber que a liberdade que
julgava possuir ao seguir um apetite não é verdadeira liberdade permite-me não seguir esse apetite. Este é um poder que eu ganho. Poder é aquilo que eu, se me conhecer realmente, sei que quero. E só aquilo que eu sei que seguramente me traz uma vantagem deve ser considerado um bem. Devo libertar-me, por isso, daquilo que parece inicialmente um bem, mas que não o é. Compreender permite-me identificar os meus
desejos mais autênticos e seguir por esse caminho, o caminho da minha natureza.
Dizer que alguém actua por virtude significa que o sujeito
em causa vive conduzido pela razão, procurando a sua própria vantagem – mas esta vantagem deve ter
sido esclarecida pelo próprio, tendo em conta a natureza do humano e a natureza
das coisas. Dada a natureza do humano, há coisas que não representam nenhuma
vantagem.
Há homens que se suicidam, com certeza procurando nisso uma vantagem –
mas essa vantagem foi um erro de perspectiva, porque nada na natureza do homem
o atrai para aí uma vez que nenhuma vantagem real lhe advém do suicídio. Se o
homem perceber que não são as coisas que o atraem, mas que é ele que quer preservar-se, quer incrementar o seu poder, as suas possibilidades, então pode-se libertar da acção das causas exteriores. Por muito difícil que isso seja, e
é de facto muito difícil. Mas isso pode ser conseguido pela força da natureza do
sujeito – quanto maior for esta, mais o sujeito se poderá libertar. Quanto mais se libertar, mais poder tem. Assim, no
limite, o que estabelece a condição da liberdade humana é a força do sujeito, o seu poder, não a força da causa exterior. Temos inclinações, mas algumas são prejudiciais, e apesar de serem fortes e muitas vezes nos dominarem, isso apenas significa que o nosso poder é mais reduzido que o poder das inclinações prejudiciais. Estas inclinações são provocadas por causas exteriores. O vinho é uma causa exterior. Mas não é o vinho que realmente me puxa. É a minha inclinação que me move. E saber dominar esta inclinação não é nada fácil. O sábio sabe que pela força da razão nós pode seguir sempre
o melhor dos bens apresentados, segundo a natureza humana, não segundo as causas
exteriores. Deseja grandes coisas, deseja as melhores e segue as melhores. Ser livre é, afinal, meditar na vida (cf.
IV, 65-67).
A liberdade humana não é qualquer coisa com a qual o humano
nasceu (cf. IV, 68): nem se nasce com a liberdade de não se ser necessitado,
pois esta é apenas uma ilusão; nem se nasce com a liberdade autêntica de
compreender tudo a partir da razão, pois esta é uma tarefa do
humano. O homem livre é aquele que se esforça por se entregar a ser conduzido
pela sua própria razão – ou seja, aquele que age de tal modo que, tanto quanto
possível, as suas acções possam ser compreendidas a partir da sua própria natureza,
e não a partir de causas externas. Nada disto significa que há duas naturezas,
uma humana, outra natural – nem que o
humano evolui para ser outra coisa que ele mesmo não era de início. Tornar-se
livre não é tornar-se Deus, não é deixar de estar na natureza. Não é deixar de ser humano. Pelo contrário, é ser humano. É, na verdade, realizar um
modelo de humano.
Penso que é por isso que o livro se chama Ética. Porque tem um percurso que indica
um caminho. Faz a análise de diversas possibilidades. Identifica a
possibilidade mais própria do humano tendo em conta os seus desejos mais
próprios, tendo em conta a sua própria estrutura. Afinal, se o humano é uma
imagem, como diz no Doença para a
morte, Kierkegaard, não é a mesma coisa ser à imagem de uma vaca ou à imagem de Deus.
Mas o mais importante de toda a Ética parece-me ser,
precisamente, a última proposição (e respectivo escólio). A liberdade autêntica como liberdade da
mente (Mentis Libertate) não pode estar dependente, se ela é alguma coisa, de
determinações exteriores, de tal modo que a própria felicidade não pode ser
compreendida, se ela tem algum sentido, como consequência ou recompensa. A
liberdade e a felicidade são o mesmo, sendo a felicidade a perfeição da liberdade.
Por isso mesmo, nos termos de Spinoza, são o mesmo. Essa igualdade corresponde
à paz da mente, ao estar de acordo consigo, com a natureza, com Deus. Claro
que, qualquer coisa como isto raramente se encontra e é muito difícil – Spinoza (Sed omnia præclara tam difficilia, quam rara sunt) lembra-me
Simónides (PMG 542: ἄνδρ' ἀγαθὸν μὲν ἀλαθέως γενέσθαι χαλεπὸν, para um homem
tornar-se verdadeiramente bom é difícil).
A liberdade é felicidade; a felicidade é um género de
conhecimento; ser feliz é ser livre, porque ser feliz é compreender e
compreender é ser livre.
Coloco
aqui a tradução inglesa: “Happiness is not •the reward of virtue; it
•is virtue.[…] The more the mind enjoys this divine love = happiness, the more
it understands (by 32), that is (by the corollary to 3) the
greater its power over the affects, and (by 38) the less it is acted on
by bad affects. So because the mind enjoys this divine love or happiness, it
has the power to restrain lusts. And because human power to restrain the
affects consists only in the intellect, no-one enjoys happiness because he has restrained
the affects. Instead, the power to restrain lusts arises from happiness itself.”
A felicidade só pode ser concebida como uma recompensa se o exercício da
liberdade, se o exercício do poder de agir for concebido como um fardo. A maior
parte das pessoas pensa assim: que limitar o poder dos seus apetites é um fardo,
e por isso considera que, para agir segundo a moral, deve existir um qualquer
prémio. Mas, segundo Spinoza, a felicidade consiste no próprio poder de ser causa
das próprias acções - nisto o homem pode ser imagem de Deus. Aumentar este poder é a própria felicidade.
O problema parece ser, então, que, dada a compreensão que Spinoza tem de Deus, da Natureza e do Homem, podemos sempre perguntar: afinal,
para quê tudo isto, para quê uma ética? O próprio Spinoza respondeu que
estas perguntas derivam de um erro de perspectiva. Na medida em que
não há um para quê que enforme o
humano, o homem não se deve compreender como um para quê, como se fosse mais um
utensílio que pode ser usado com um fim. A ilusão consiste em pensar que Deus criou o Homem com um fim. Para Spinoza, pensar que, não havendo um fim, não havendo imortalidade da alma, nem recompensa nem castigo no depois-da-morte, isso significa que todas as possibilidades são igualmente válidas, corresponde a um absurdo: é como pensar que, uma vez que não há vida depois da morte, então é igual comer saudavelmente ou beber veneno. Esta objecção é um
absurdo que nem merece resposta (V, 41, Scholium).
A única crítica que farei aqui é esta: mas, sendo assim, não poderemos de facto perguntar-nos por que não beber o veneno?