Tradução de Maria Helena Rocha Pereira, Helade
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Fálaris
Tradução de Maria Helena Rocha Pereira, Helade
Paideia - significado
A propósito de, Paideia...
παιδεία - tem origem em παῖς, que significa "criança" ou "menino", sendo o verbo originário παίω, o qual significa "atingir", "ferir com um único golpe", "bater" - cf. Ev. Mateus, 26, 68: "Ó Messias, se és profeta, adivinha quem te bateu!". O termo παιδεία significa - educação, formação; treino do espírito, cultivo da alma tendo em vista a virtude ou a excelência. Termo complexo, difícil de definir, junta significações tão importantes como: educação, cultura, civilização, civilidade, tradição, literatura, escola, conjunto de normas (Direito e Ética/Moral). Sem se deixar identificar com nenhuma delas, engloba todas as noções anteriores, desde o Direito à Civilização, e talvez outras mais. Por este motivo, muitos autores preferem utilizar o termo grego παιδεία, ou vertê-lo para caracteres latinos (paideia), em vez de o traduzir. De qualquer forma, o latim desde o século II a.C., com Varrão, Aulo Gélio, Cícero, que utiliza o termo humanitas num sentido semelhante a παιδεία. De facto, humanitas era o cuidado humanitário, mas também a formação do homem tendo em vista a sua excelência, a sua essência, o que é adequado ao seu modo particular de ser. Portanto, humanitas era a educação do homem de acordo com a sua verdadeira forma, elevando-o a uma forma nobre. Moldar, modelar o humano, tornando-o naquilo que ele deve ser, adequando-o ao destino do seu ser, não através de um adestramento em nome de objectivos exteriores, mas reflectindo uma consciência e uma vontade de excelência. Está implícita uma certa imagem de homem, de natureza ou de essência humana, ou se quisermos, um certo modelo é utilizado - um modelo que implica a criação de um tipo de homem formado para a sua excelência. Neste sentido não há uma mera adaptação do homem ao meio, mas uma modelação do humano de acordo com a sua forma mais excelente. De forma muito simples podemos dizer que se pretende tornar cada homem no melhor humano que ele pode ser. Desta forma, devemos ainda ter o devido cuidado de distinguir "humanismo" de "humanitarismo", bem como de "individualismo". Deve ainda ter-se o cuidado de preservar a noção grega da contaminação subjectivista, sendo que para os Gregos a παιδεία era comunitária, por assim dizer, fruto de uma consciência e de uma vontade colectiva de ter mão na definição do próprio destino: reflectia a consciência da pertença a um todo, a uma totalidade a qual era doadora de sentido e definidora da posição de cada um. Portanto, neste espírito consciente de formação estava pressuposta uma vontade de esclarecer as leis profundas que regem o humano e uma intenção clara de derivar delas as normas que cada um deverá seguir. Por outro lado, também ficou já claro que a noção de παιδεία não é uma noção gregária. Não é uma noção individualista/subjectivista, mas também não é uma noção gregária: na verdade, a noção de παιδεία incorpora em si a constituição do humano como "ideia". A παιδεία não é, pois, uma adaptação do homem ao meio, deixando o exterior determinar o modo como o humano deve ser formado. Ora, a educação é uma modelagem, no início e na maioria das vezes, automática, dos indivíduos pela sociedade. Mas a παιδεία revela a sua extraordinária peculiaridade na consciência que os Gregos tiveram desse processo, na vontade e no esforço sistemático de intervirem deliberadamente nesse processo que, noutros povos era, sobretudo, inconsciente. Como consequência disso, a παιδεία incorpora um questionamento da forma adequada e uma intenção clara de modelar a partir da forma excelente. Verdadeiramente, a παιδεία implica a ideia de excelência humana para a formação do humano excelente - o que implica uma reflexão profunda sobre a natureza e o destino humano.
Ver http://discutirfilosofiaonline.blogspot.com/p/lexicon.html
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Narada, o mensageiro
O complexo de Job. A escolha do nome "Job" é um tanto ou quanto aleatória, na medida em que existem na literatura mitológica exemplos vários e escolher um deles é sempre discutível. A ideia é reter o sentido de perda total, ou quase total, das aquisições de uma vida rica e afortunada. Neste sentido, a escolha de Job é consentida por se tratar, talvez, do caso mais conhecido, pelo menos entre nós, ocidentais.
Penso que Édipo seria igualmente uma boa escolha, mas a cultura ocidental associa a sua figura a um complexo bem difundido embora nem sempre bem conhecido.
É dentro desta gama de personagens míticas que a figura de Narada pode ser compreendida. E é neste contexto que a iremos narrar.
Narada é filho de Brahma, o Deus Criador, e é também o mensageiro dos deuses. Seria interessante relacioná-lo com Hermes, mas não é agora tempo disso.
Ora, certa vez, tendo Narada, asceta dedicado, obtido a bênção de Visnu, foi por este visitado. O Ser Supremo confere-lhe a realização de um desejo. Narada vivia preocupado com a descoberta da verdade, da verdadeira Verdade. Desejava salvar-se dos vínculos de Maya. Por isso, Narada pediu que Visnu lhe revelasse o poder mágico da sua Maya.
Visnu acede e pede que Narada o acompanhe. O caminho era difícil, estava deserto e ninguém passava por eles. Então, Visnu, pede a Narada que lhe traga um copo de água. Havia um lugar próximo com algumas casas onde poderia conseguir um copo de água. Narada dirige-se ao lugarejo e bate à porta da primeira casa.
À porta vem uma bela rapariga, muito bonita aos olhos de Narada, tão esbelta que Narada se esquece por que viera até ali. Ao entrar em casa a família da jovem recebe-o cordialmente com o respeito que se tem por um homem santo. Narada fica encantado e deixa-se envolver pela atmosfera familiar.
O tempo foi amigo de Narada e trouxe-lhe muitas coisas boas. Casou com a beldade e foi muito feliz com ela. A vida deu-lhe presentes muito importantes e, apesar de trabalhar os campos, sentia-se entretecido por toda a docilidade que o rodeava. Teve três filhos e herdou as terras do seu sogro: era marido, pai e proprietário.
Chega então uma noite em que cai uma feroz tempestade. Chove torrencialmente. A casa desaba, o gado afoga-se, as terras alagam-se. Abrindo caminho entre as águas tenta salvar os seus filhos levando pela mão a sua mulher. Demasiado peso para um terreno dominado pela água: escorrega, cai, deixa cair o seu filho mais novo. Pousa os outros dois filhos e procura o que se perdeu, mas é tarde demais: o mais novo desapareceu nas águas revoltas e quando volta para os seus outros filhos percebe que também esses foram levados. Pouco depois, também a sua mulher lhe é tomada pela torrente. Desanimado, desfeito física e mentalmente, o próprio Narada é dominado e arrastado inconsciente.
Ao acordar, Narada lembra a sua perda, a sua enorme perda, tão grande quanto melífluas foram as suas aquisições. Chora como qualquer um choraria nas mesmas circunstâncias. Nessa altura ouve uma voz que o chama por "criança" e o questiona sobre o água que ele deveria ter trazido "há mais de meia hora". Narada desperta da sua desgraça, olha em volta e vê o mesmo caminho desértico sob o mesmo sol tórrido de antes da sua partida.
Visnu pergunta-lhe se ele compreendera a magia da sua Maya. Narada pode não ter compreendido todo o complexo envolvido nesta lição e com toda a certeza não compreendeu todos os segredos da aparência. Mas compreendeu que a aparência pode sujeitar o homem a uma ilusória sensação de segurança. Compreendeu que a precariedade caracteriza a existência e que cada aquisição mundana corresponde a uma possibilidade de perda. Possuir muito é poder perder muito. A felicidade mundana que o tolhera comprometeu-o com o mundo que se lhe abriu oferecendo-lhe alegrias, não apenas momentâneas, mas um bem-estar a longo prazo fundado no ambiente familiar que vira, aparentemente, garantido. Contudo, agora compreendera que as garantias nunca foram de facto dadas: desde o primeiro momento de cada aquisição a possibilidade mais própria de cada uma fora a perda.
A isto chamamos o complexo de Job: esse sentimento que o homem arcaico, fundador de mitologias, sentia de que todo o prémio que a vida pudesse oferecer continha um fundo ilusório; que toda a felicidade é uma abertura para a infelicidade; que a uma grande subida corresponde a eminência de uma grande queda. No momento em que se adquire, a aquisição é, em si mesma, possibilidade de perda. E esta noção, noção que pode muito bem ser universal, vê-se em muitos mitos. A descrição de tragédias mítica não está sempre associada à mesma mensagem final. Mas a própria tragédia revela um sentimento profundo sobre o carácter da existência humana. Se analisarmos as estórias de Édipo, de Job, de Narada podemos perceber que, apesar das diferenças, através dessas personagens se regista um traço comum.
Bibliografia.
A estória aqui apresentada é narrada por Sri Ramakrishna no século XIX - cf. The Sayings of Sri Ramakrishna, parágrafo 1110 (da versão on line do link anterior). No entanto, uma versão da estória já aparece no Matsya Purâna - cf. ZIMMER, Heinrich. Miths and Symbols in Indian Art and Civilization.
A versão por nós utilizada é de Zimmer, seguida por Eliade (ver ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos, Martins Fontes, página 67), sendo que não nos parece existir diferença substancial relativamente ao texto em The Sayings of Sri Ramakrishna.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Indra: Deus ou formiga?
- Bibliografia. Para avalizar o mito de Indra aqui implicado:
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
A tragédia
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Tratado de História das Religiões, de Mircea Eliade
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Mortes estranhas...
Ver todas.
Mortes estranhas...
Mortes estranhas...
Ver todas.
Mortes estranhas...
Ver todas.
Mortes estranhas...
As águias têm por hábito matar as suas presas elevando-as às alturas e deixando-as cair sobre as pedras. Uma águia, na tentativa de matar uma tartaruga, terá confundido a careca de Ésquilo com uma pedra. Assim, deixou cair a tartaruga sobre a sua cabeça. O dramaturgo morreu instantaneamente.
Ver todas.
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Ulisses
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Árvore da vida e árvore do conhecimento
"O Senhor Deus preparou um jardim em Éden, lá para o Oriente, e colocou nele o homem que tinha modelado. [...] No meio do jardim, estava a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal."Génesis, 2, 8-9.
"O Senhor Deus colocou o homem no jardim de Éden, para nele trabalhar e para o guardar. E deu-lhe estas ordens: «Podes comer do fruto de qualquer árvore, menos do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. No dia em que comeres dele, ficas condenado a morrer»." Génesis, 2, 15-17.
"A serpente, que era o mais astuto de todos os animais selvagens criados por Deus, disse à mulher: «Com que então Deus proibiu-vos de comerem do fruto de todas as árvores do jardim!» Mas a mulher respondeu-lhe: «Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim. Só nos proibiu de comer do fruto da árvore que está no meio do jardim. Se tocássemos no seu fruto, morreríamos.»A serpente replicou-lhe: «Vocês não têm que morrer. De maneira nenhuma! O que acontece é que Deus sabe que, no dia em que comerem desse fruto, vocês abrirão os olhos e ficarão a conhecer o mal e o bem, tal como Deus.»A mulher pensou então que devia ser bom comer do fruto daquela árvore, que era apetitoso e agradável à vista e útil para alcançar a sabedoria. Apanhou-o, comeu e deu ao seu marido que comeu também." Génesis, 3, 1-6.
"O Senhor Deus disse então: «O homem tornou-se semelhante a um deus, conhecendo o bem e o mal. Agora só falta que vá também colher do fruto da árvore da vida, para dele comer e ter vida para sempre.»" Génesis, 3, 22.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
O escaravelho das roseiras, por João dos Santos
Era criança pequena quando me mostraram
que havia pessoas más e pessoas boas
e eu senti que se deveriam matar todas as pessoas más.
Era menino crescido quando me disseram
que havia homens bons e homens maus
e eu achei que se deveriam matar todos os homens maus.
Era já grande quando me explicaram que havia os pervertidos e os outros
e eu achei que se deveria matar todos os pervertidos.
Era já homem quando me ensinaram
que se deviam matar todos os descrentes, mas ...
Não cheguei a perceber de que descrentes se tratava.
Ouvi dizer mal dos brancos e dos pretos, dos vermelhos e dos amarelos,
dos sábios e dos ignorantes
dos inteligentes e dos estúpidos.
Por pouco não matei toda a gente para ficar só com: os bons, os sábios e os inteligentes!
Cansado de procurar a verdade, acabei por matar em mim o desejo de matar o medo de ser morto.
Espero que os homens se não matem uns aos outros
só por eu ter deixado de estar alerta e de vigia
aos maus, aos estúpidos, aos mentecapto e aos pervertidos.
Porque, entretanto, nesta Primavera florida, vou passando semanas inteiras a imaginar com prazer, como hei-de matar ao domingo, os piolhos e os escaravelhos das minhas roseiras.
SANTOS, João dos. Ensaios sobre a educação II, O falar das letras. Lisboa: Livros Horizonte, 1991
Nota: espero ter conseguido uma transcrição sem erros, ou com poucos erros, mas se alguém detectar gralhas faça o obséquio de me alertar.
domingo, 30 de outubro de 2011
Nietzsche
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
A cabana de Heidegger
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
O génio, a natureza e a teimosia
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
A evolução de Deus, de Robert Wright
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
O Big Bang e o Eterno Retorno
Antes de o Dalai Lama escrever sobre as semelhanças entre o Budismo e a ciência moderna, Carl Sagan mostra as semelhanças entre esta e o Hinduismo.
Veja-se este vídeo com espírito filosófico, tão característico dos grandes cientistas. E confronte-se com as teorias de Nietzsche relativas ao Eterno Retorno do mesmo.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
O que é o "gato de Schrödinger"?
Designa-se por "gato de Schrödinger", ou "experiência do gato de Schrödinger" uma experiência mental* imaginada por Erwin Schrödinger* em 1935.
Nesta experiência é imaginada uma caixa de aço dentro da qual se encontra um engenho potencialmente mortal e um gato. O engenho deve estar protegido contra qualquer interferência do gato.
Dentro da caixa está um material radioactivo em quantidade tão pequena que, durante uma hora, há 50% de probabilidades de um dos seus átomos decair e 50 % de probabilidades de nenhum dos seus átomos decair. Se um dos átomos decair, o engenho, dotado de um detector, irá accionar um martelo que partirá um frasco contendo ácido cianídrico.
Alguém poderia dizer que o gato se mantém vivo e morto até que alguém abra a caixa e observe o gato - pois, segundo a Mecânica Quântica, é a medição/observação que colapsa a superposição das várias possibilidades numa posição única.
Habitualmente, interpreta-se esta experiência como se Schrödinger estivesse simplesmente a chamar a atenção para o ridículo da interpretação de Copenhaga que assume a existência de uma superposição que combina todos os estados possíveis, a qual colapsa num desses estados ao ser "observada".
A interpretação desta experiência é mais complexa e diversificada que isso (leia-se o texto de Schrödinger aqui) - e não pode ser esgotada em poucas palavras. Schrödinger parece estar a chamar a atenção para o facto de não devermos utilizar exemplos do macroscópico para nos referirmos ao domínio atómico, como se pudessemos resolver os problemas deste último recorrendo à observação. Schrödinger considera ingénua esta representação "turva" da realidade.
Ou seja, com esta experiência Schrödinger pretendeu mostrar que não devemos utilizar termos relativos ao mundo macroscópico quando nos referimos à indeterminação originalmente limitada ao domínio atómico. Ao transformar a indeterminação de eventos atómicos numa indeterminação de eventos visíveis temos a sensação que podemos resolver os problemas relativos à primeira através da observação directa, como fazemos ao relacionar-nos com o macroscópico. Por outro lado, ficamos com a ideia de que a indeterminação do domínio atómico deve ser resolvida a partir de raciocínios intuitivos que se referem, originalmente, ao mundo visível.
Nesta experiência Schrödinger mostra que a indeterminação quântica é de um outro género, diferente da confusão entre estar vivo e estar morto. E imaginar aquela nos moldes desta não aclarará o problema.
Finalmente, refira-se que com esta experiência começa-se a ver alguns dos problemas que provocarão divisões na Mecânica Quântica, dando origem a diversas versões e interpretações. Nomeadamente, está já questionado o papel e a natureza do "colapso", bem como da "medição". Também vemos questionada a noção de "superposição" e a sua relação com a "medição" e o "colapso". A crítica destas noções pode ser compreendida como precursora da teoria dos múltiplos universos*, bem como da teoria M e da tese das 11 dimensões que lhe está associada.
Para discutir os problemas envolvidos na experiência do gato de Schrödinger ver neste blog o artigo O gato de Schrödinger.
- Experiência mental: uma experiência que pelas suas características físicas não é possível reproduzir, ou que, apesar de ser possível que venha a ser reproduzida um dia, ainda não detemos técnicas ou conhecimentos para tal. É uma experiência que podemos imaginar e, a partir dela, calcular resultados ou observações expectáveis (se fosse possível reproduzi-la). Este método foi muito utilizado ao longo da história da Filosofia desde os pré-socráticos. Einstein utilizou experiências mentais sistematicamente, sobretudo como forma de sujeitar teorias à crítica racional e matemática.
- Erwin Schrödinger: Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger foi um físico teórico nascido no império Austro-Húngaro a 1887, em Viena. Conhecido pela sua contribuição para a Mecânica Quântica, recebeu o prémio Nobel em 1933 pela equação que recebe o seu nome. Esta equação é fundamental na quântica e descreve a evolução temporal de um estado quântico de um sistema físico, conjugando todas as probabilidades de resultados possíveis nesse sistema. Esta equação permite salvar a noção de regularidade na natureza se se considerar a abordagem de Schrödinger como equivalente do princípio de incerteza (de Heisenberg). Schrödinger morreu a 4 de Janeiro de 1961, em Viena.
- Teoria dos muitos universos (múltiplos universos): teoria que afirma que existem muitos universos, possivelmente em número infinito. Assume diversas versões, muitas das quais integradas em interpretações da Mecânica Quântica. Conjugando a teoria dos muitos universos com a teoria das cordas ou a teoria M (da membrana), os cientistas desenvolveram a hipótese dos universos paralelos, os quais ocupam simultaneamente o mesmo espaço. Segundo esta interpretação da Mecânica Quântica, cada universo corresponde ao colapso num determinado estado que era uma possibilidade do sistema. Assim, todas as possibilidades ocorrem simultaneamente, mas em universos diferentes. O gato estaria vivo num universo, mas morto noutro. Estes universos, na sua totalidade, correspondem à totalidade do que é possível ou provável em qualquer grau. Trata-se de uma forma de resolver o problema do colapso, o que, em combinação com as soluções da teoria M, apresenta uma concepção total e unitária da totalidade do que existe permitindo combinar a Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica. No entanto, trata-se apenas de uma hipótese ainda sem evidências científicas.
Notas:
Ver e medir - o colapso da função de onda
"Ver", no mundo subatómico, significa alterar o que é visto.
Não é possível "ver" de facto o mundo subatómico ou quântico. O mundo subatómico pode apenas ser medido. Os efeitos dos objectos subatómicos podem ser medidos.
"Ver", relativamente ao mundo subatómico, significa medir. Esta "medição" dos objectos subatómicos, como electrões, por exemplo, é sempre mediada.
Para vermos a olho nu, por exemplo, o nosso gato, precisamos que os fotões cumpram a sua função. Contudo, quando estamos a falar de objectos quânticos devemos ter em atenção que as alterações produzidas pelo processo de medição naquilo que se pretende medir são muito significativas. Para medirmos o momentum do electrão recorrendo ao fotão, devemos estar cientes de que quando o fotão colide com o electrão altera o comportamento deste.
"Ver", no mundo subatómico, é medir os efeitos de um objecto que se supõe ser a origem dos efeitos medidos. Mas jamais vimos esses objectos. Na verdade, não temos a certeza de que existam enquanto objectos-partículas. Estes objectos quânticos comportam-se habitualmente como ondas. Têm a característica de manifestarem trajectórias ondulatórias que, se as tentarmos medir, colapsam. O comportamento ondulatório não pode ser observado, pois a observação colapsa-o.
"Ver", observar e medir é o que, na mecânica quântica, provoca o colapso de uma função de onda caracterizada pela incerteza (um conjunto de posições equitativamente, ou não, possíveis). Ao tentarmos observar esta incerteza, a observação provoca o colapso dessa superposição (conjunto de possíveis) numa posição descritível classicamente.
"Ver" significa, no mundo quântico, um observar que altera o observado, mantendo-nos no domínio do indeterminístico. No mundo macroscópico, ver significa obter uma razoabilidade. Ver é mais que olhar, é conseguir aferir o que se passa, permitindo-nos obter dados com os quais predizemos eventos. No mundo subatómico domina a incerteza, e mesmo vendo não conseguimos elidir este facto.
"Ver" relaciona-se com as noções de "medição" e "colapso". Entretanto, estas noções são elas mesmas confusas e objecto de múltiplas versões interpretativas. Filósofos e Físicos multiplicam diferentes interpretações sobre o que significam e qual o estatuto ontológico e científico destas noções.
A interpretação de Copenhaga, que podemos associar a Bohr, parece ser mais comum entre os físicos quânticos, mas trata-se de uma interpretação não-intuitiva da realidade que o senso comum dificilmente aceita. Opõem-se-lhe muitos outros, mas podemos referir Einstein (talvez um dos "fundadores" da "quântica") e Schrödinger, os quais, apesar de tudo, preservam a ideia de regularidade intrínseca da natureza, a despeito da nossa dificuldade ou incapacidade para a decifrar na sua plenitude.
Determinismo versus probabilismo
A discussão entre Einstein e Bohr foi sobretudo uma discussão filosófica.
Em causa estão duas visões do mundo: de um lado, o de Einstein, está um mundo determinável por princípio, independentemente das dificuldades e imperfeições humanas; do outro lado, o de Bohr, está um mundo indeterminável por princípio, independentemente das imperfeições e incapacidades humanas.
Regularidade versus incerteza. Determinismo versos probabilismo.
Princípio de incerteza
Se lançarmos um feixe de electrões contra uma parede que tem duas fendas e tivermos um detector de partículas à frente, iremos notar um padrão interessante.
Os electrões que passam pelas fendas irão causar um padrão tipo onda. Ou seja, irão acertar em diferentes sítios no detector, como se fossem ondas.
Uma onda atravessa as várias fendas e, depois de as atravessar, volta a alastrar-se, alargando-se à medida que se afasta. Cada onda resultante de cada fenda irá interferir com as outras. Quando a parte baixa de uma onda encontra a parte alta da outra, anulam-se. Quando as partes altas de duas ondas se encontram, intensificam-se. Se tivermos um receptor de ondas para medir a sua chegada, iremos verificar um padrão típico, chamado padrão de interferência. Como imaginam, as ondas não irão criar padrões de chegada correspondendo a trajectos lineares à frente de cada fenda.
Ora, o feixe de electrões cria um padrão de interferência, um padrão tipo onda. Mas se colocarmos no detector um sinal sonoro que indica a chegada de cada electrão, verificamos que cada electrão colide com o detector como se fosse uma partícula. Ou seja, produz um padrão de dispersão de chegada tipo onda, mas colide como se fosse uma partícula.
Os cientistas pensaram que os electrões colidiam uns com os outros em voo, provocando desse modo o padrão de interferência. Então repetiram a experiência lançando os electrões isoladamente, um a um. Mas, depois de algum tempo, verificou-se que o padrão resultante era de onda. À medida que os electrões iam chegando, um a um, o resultado do conjunto era cada vez mais uma onda. Ou seja, os electrões, apesar de lançados isoladamente, mostravam um padrão de interferência. A explicação só poderia ser a seguinte: o electrão passa pelas duas fendas ao mesmo tempo, interfere consigo mesmo, e colide com o detector como se fosse uma partícula. Confuso?
Mas não fica por aqui. Os cientistas perceberam que não era possível traçar ou prever a trajectória do electrão: ele comporta-se como uma onda de dispersão de pontos de chegada, portanto apenas se podem descrever conjuntos de possibilidades para a sua trajectória, e apenas se pode prever um conjunto de possibilidades para o local da sua chegada. Tão pouco podemos perceber por qual das fendas cada electrão passou, até porque as indicações que temos são no sentido de que ele passou pelas duas.
Os cientistas realizaram experiências no sentido de detectar o electrão ao passar pelas fendas. Colocou-se um instrumento capaz de "ver" o electrão numa das fendas, de modo a perceber por qual das fendas ele passou, determinar a sua velocidade e talvez calcular a sua trajectória. Para "ver" utilizou-se um instrumento que envia fotões. O fotão lançado irá colidir com o electrão. É assim que nós vemos: os fotões colidem com coisas e são reflectidos para os nossos olhos. Aqui o sistema é idêntico: utiliza-se o fotão para ver o electrão.
Ao medirmos o electrão, este revela um comportamento de partícula, desaparecendo a figura de interferência. Quando tentamos localizar o electrão, de facto é localizado, mas perde o seu carácter ondulatório. O padrão que estes electrões "vistos" irão produzir já não será um padrão do tipo onda, mas um padrão do tipo partícula: à frente de cada fenda.
Ora, o que acontece é que, para medir o electrão provocamos uma alteração das suas características. O fotão, ao colidir com o electrão, irá alterá-lo. Na verdade, a alteração produzida por esta colisão é da ordem dos valores associados ao electrão: o electrão pode duplicar os seus valores ou tender inversamente. Então, esta alteração, produzida pela medição, é tão significativa que, na verdade, não consigo determinar para onde o electrão se dirigirá. Depois de visto, o electrão já não é igual ao que era no momento ou antes de ser visto. É possível apenas determinar um conjunto de probabilidades para a sua trajectória, sendo que estas probabilidades irão resultar num padrão do tipo de partículas, à frente de cada fenda.
Ao determinar um ponto da trajectória do electrão, não posso saber o seu destino; se eu localizo o ponto de chegada, já não sou capaz de saber a sua trajectória.
Quando falamos de coisas tão pequenas como electrões, a própria medição contamina o que é medido. Chama-se a esta noção: colapso da função de onda.
Determinismo
Laplace acreditava que se existisse um ser omnisciente, que soubesse a localização de tudo na natureza, devido às leis da física, ele poderia saber tudo sempre.
Libniz explicou melhor - o que liga o futuro, o presente e o passado é a ligação entre causas e efeitos.
Para Einstein o mundo é como um relógio, o qual eu não tenho ainda conhecimento suficiente para abrir a caixa, mas eu posso ouvir o seu mecanismo e por isso prescrever leis e prever eventos. A ideia mais "natural da civilização": a regularidade.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Indeterminismo
Um feixe de fotões pode incidir sobre um objecto refractável, acontecendo que os fotões se dispersam em várias direcções. Acontece que não é possível determinar para onde cada fotão irá dispersar-se. Temos apenas um conjunto de possibilidades. Se existirem dois caminhos possíveis, há 50% de probabilidades de cada fotão seguir cada um deles. Também não é possível identificar cada fotão e dizer: o fotão nº X, que identificámos antes de atravessar o objecto refractável, é este. Não sabemos onde cada fotão se encontra agora, depois de atravessar o tal objecto. Sabemos apenas que uns passaram numa trajectória, e outros noutra, mas não temos como saber qual fotão passou por qual. Tudo o que podemos dizer é que, antes da experiência, cada fotão tinha as mesmas probabilidades de adoptar cada uma das trajectórias.
Esta indeterminação dos objectos quânticos terá reflexos na liberdade humana?
Um mundo regular parece erradicar a liberdade, mas um mundo indeterminado não o fará igualmente?
Ou será que o caso humano deve ser analisado a partir de outros pressupostos?
domingo, 16 de outubro de 2011
O gato de Schrödinger X
A experiência mental de Schrödinger mostra-nos várias coisas. Independentemente daquilo que Schrödinger pretendia mostrar - o absurdo da interpretação de Copenhaga - podemos retirar várias lições:
1º. A interpretação de Copenhaga colide de forma gritante com a linearidade imediata do ponto de vista comum. O senso comum está pronto a aceitar que existam eventos incompreensíveis, ou que a natureza seja permeável à magia, à astrologia, à leitura da sina ou até ao mao olhado. No entanto, estas superstições, que ao cientista parecem distituídas de linearidade, têm a sua própria regularidade. Os Xamãs actuavam e actuam de acordo com certas prescrições ancestrais, e a astrologia baseia-se em regras ocultas ao comum dos mortais, mas que deixam adivinhar uma relação causal entre a sorte do ser humano e os astros. O senso comum até aceita que o mundo invisível posso introduzir-se no visível, mas em tudo isso não se verifica uma contradição imediata. Pelo contrário, a interpretação de Copenhaga apresenta uma forma de conceber o mundo que colide com a linearidade imediata. Contudo, isto não significa que a interpretação de Copenhaga não seja ela própria um produto da linearidade. Na verdade, é um produto da linearidade sofisticada de um ponto de vista temático, científico sobre o mundo, caracterizado pela matematicidade e pela lógica.
2º. Não devemos referir-nos sem escrúpulos à realidade quântica nos mesmos termos em que nos refimos à realidade macroscópica. Os objectos quânticos devem deter a sua própria linguagem na ciência, devem deter um modo próprio de ser descritos, o que não significa que este modo de descrição seja sempre coincidente com o modo de descrição adoptado para os objectos macroscópicos. A própia comparação dos electrões com os gatos nos levantam suspeitas e exigem um cuidado suplementar de forma a não confundir nem electrões com gatos, nem gatos com electrões.
3º. A experiência coloca em evidência o problema do colapso. Existirá, de facto, um colapso? Como é possível o colapso e que significa ele? Em que momento ocorre e de que forma? Como podemos admitir que a medição imponha algo ao que é medido? Mas, se não ocorre um colapso, como conciliar o que sabemos sobre a incerteza e a não determinação com a medição de um estado descrito de uma forma única? Aqui, onde a linearidade parece ter sido despedaçada, para ser encontrada apenas após o colapso, fazemos uma nota: a linearidade do ponto de vista humano não é suprimida na realidade, supostamente não linear, da mecânica quântica. As superposições ditas não lineares são justificadas da forma mais linear e lógica que podemos imaginar. A linearidade lógica e matemática fundamentam a necessidade de cosiderar estas combinações (aparentemente não lineares) de várias descrições clássicas (notoriamente lineares). A aparente não linearidade reduz-se à admissão da simultaneidade de possibilidades de descição não coincidentes. A não coincidência, no entanto, é, precisamente, uma necessidade linearmente justificada. Ou seja, a linearidade do ponto de vista leva à assumpção de eventos não lineares, que, então, estão perfeitamente enquadrados num ponto de vista de fundo linear. Tal como estas descrições não determinísticas são propostas pelos cientistas porque estas lhes parecem necessárias: é a necessidade lógica e matemática que funda a assumpção do não determinístico.
4º. Temos, então, evidentemente o problema da medição: é necessária ao colapso?, o que significa?, em que é que consiste? O que é extactamente a medição ou a observação? O que é que, na sua natureza, impõe o colapso?
5º. Esta experiência parece colocar-nos frente com uma data de problemas que, numa primeira abordagem não estavam imediatamente evidentes. Daí que vários cientistas tenham reescrito a versões desta experiência. De forma clara parece óbvio que a eliminação da ideia de colapso poderia conciliar a mecância quântica e a Teoria da Relatividade, desde que, como vimos, a eliminação do colapso acompanhasse a eliminação da simultaneidade de estados inconciliáveis. Poderíamos, neste sentido, supor a existência de Deus como observador universal e omnipresente, o qual reduziria o colapso ao momento inicial de cada evento, ou seja, na prática nunca existiria nenhum superestado de facto, pois Deus, como observador omnipresente, provocaria o colapso de todos os superestados. Assim eliminar-se-ia o problema do colapso.
6º. Não devemos assumir que as nossas explicações estabelecem uma correspondência perfeita com o mundo que supostamente descrevem. A nossa compreensão tem uma forma, e esta forma permite-nos estabelecer um conhecimento. Não nos é possível compreender nada fora do âmbito da nossa compreensão, portanto, da sua forma. O mundo que conhecemos é um mundo enformado pela nossa compreensão, não é o mundo em si. Pode parecer uma tautologia, mas o mundo que conhecemos é o mundo resultante das nossas faculdades. As nossas explicações e, portanto, a ciência, é um conhecimento humano, e o mundo por ela descrito não pode deixar de se acomodar ao ente que tem a capacidade de conhecer e descrever. O ser humano, este ente que conhece e descreve, conhece um mundo que cabe na forma da sua compreensão. Em última análise, não devemos ter a veleidade de supormos que conhecemos as coisas em si.
A mecânica quântica e a Teoria da Relatividade permanecem inconsistentes uma com a outra. Sendo contraditórias, não podem ser simultaneamente verdadeiras. Entretanto, formas de as unificar têm sido tentadas, no entanto sem suficiente evidência. Estas formas unificadoras não trazem nenhuma explicação nova para eventos que não tenham sido explicados pela teoria da Relatividade ou pela mecânica quântica, e parecem apenas criar conhecimento novo sobre uma nova realidade que elas próprias postulam. Nada nos evidencia a necessidade de recorrer a estas teorias, pelo menos enquanto não imporem as suas próprias evidências através de testes credíveis.
Por outro lado, nenhuma teoria científica deve ser confundida com "a verdade", nem deve ter a pretensão de se impor como tal. A teoria científica é validade como tal, como teoria válida, mas jamais como Verdade. A ciência não deve ser confundida com a religião. Uma teoria científica permanece sempre uma hipótese que deve ser constantemente reavaliada, deixando em aberto a própria mudança de paradigma, pois foi, precisamente, esta dinâmica crítica e criativa que permitiu e impulsionou o desenvolvimento científico, o qual nunca teria sido possível, como foi, se a ciência não se abstivesse de dogmas. Na ciência não há dogmas, há hipóteses. Uma teoria nunca é definitivamente confirmada. Jamais teremos uma teoria científica definitivamente verificada. Temos, sim, teorias que resistem à refutação, hipóteses que nostram evidências da sua validade. De acordo com os resultados, utilizam-se as teorias que melhor servem em cada caso. Não há problema algum em utilizar a mecânica quântica quando esta é mais eficiente, e utilizar a Teoria da Relatividade quando esta é mais eficaz. Não estamos perante dois deuses únicos, duas religiões monoteístas mutuamente exclusivas. Estamos perante teorias científicas, e na ciência utiliza-se o que dá mostras de ser eficaz. O que dá resultados preserva-se, o que é refutado, transforma-se, corrige-se ou abandona-se, se tal for o caso.
A ciência não deve ter a arrogância de pensar deter uma forma adequada de aceder à realidade em si. O humano detem um acesso, e esse acesso jamais pode ir além da sua forma. Compreendemos as coisas de acordo com a nosso forma de compreender. Se existe um mundo independente de nós, independente da nossa compreensão, o que quer que ele seja, o que dele chega até nós, chega através dos nossos canais de recepção e tratamento de informação. O mundo não nos pode entrar pela cabeça dentro, não pode saltar a nossa forma de pensar e apresentar-se puro e duro. As nossas teorias resultam da nossa forma de pensar, da linearidade do nosso pensamento, entre tantas outras categorias que delineiam a condição de possibilidade de qualquer teoria se apresentar. E qualquer teoria que se apresente, apresenta-se segundo tais condições. E é só: não sabemos se o electrão é uma onda, nem se o electrão é uma partícula, nem sabemos se o electrão existe, mas sabemos que é eficaz considerar que ele existe, sabemos que por vezes é eficiente considerá-lo como uma onda e que outras vezes é eficaz tomá-lo como uma partícula.
Com tudo isto, não queremos dizer que não se deve especular em ciência sobre coisas tão abstrusas ao senso comum, e sem evidência científica, como multiversos e teorias M. O que quisemos dizer é que nunca se deve confundir nem especulação nem evidência científica com um pretenso e pretencioso acesso à verdade. Mas, claro, a especulação é ela própria útil e o debate entre diferentes hipoteses especulativas ajuda, muitas vezes, a estabelecer evidências científicas. Outras vezes, a especulação resulta no desenvolvimento de utensílios que fazem avançar a humanidade.