Era criança pequena quando me mostraram
que havia pessoas más e pessoas boas
e eu senti que se deveriam matar todas as pessoas más.
Era menino crescido quando me disseram
que havia homens bons e homens maus
e eu achei que se deveriam matar todos os homens maus.
Era já grande quando me explicaram que havia os pervertidos e os outros
e eu achei que se deveria matar todos os pervertidos.
Era já homem quando me ensinaram
que se deviam matar todos os descrentes, mas ...
Não cheguei a perceber de que descrentes se tratava.
Ouvi dizer mal dos brancos e dos pretos, dos vermelhos e dos amarelos,
dos sábios e dos ignorantes
dos inteligentes e dos estúpidos.
Por pouco não matei toda a gente para ficar só com: os bons, os sábios e os inteligentes!
Cansado de procurar a verdade, acabei por matar em mim o desejo de matar o medo de ser morto.
Espero que os homens se não matem uns aos outros
só por eu ter deixado de estar alerta e de vigia
aos maus, aos estúpidos, aos mentecapto e aos pervertidos.
Porque, entretanto, nesta Primavera florida, vou passando semanas inteiras a imaginar com prazer, como hei-de matar ao domingo, os piolhos e os escaravelhos das minhas roseiras.
SANTOS, João dos. Ensaios sobre a educação II, O falar das letras. Lisboa: Livros Horizonte, 1991
Nota: espero ter conseguido uma transcrição sem erros, ou com poucos erros, mas se alguém detectar gralhas faça o obséquio de me alertar.
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