Para
Nietzsche cada interpretação é uma possibilidade.
Todo o sujeito é uma
perspectiva. Cada perspectiva uma interpretação - isto é, uma possibilidade.
Neste sentido, há interpretações católicas, interpretações budistas, etc. Mas o
fenómeno é diferente da interpretação - poderia ser interpretado de outra
forma: o que é um sinal de Deus para o católico, é um acontecimento natural
para o físico.
De forma nenhuma se deve com isso pensar que há uma
"verdade" a que se poderia chegar se nos livrássemos da interpretação.
Porque não é disso que se trata, Nietzsche fala de "fenómenos" (aquilo que aparece), e não de "verdades", nem de "realidade" nem "númeno".
Para Nietzsche há fenómenos e há
interpretações. O que temos são fenómenos, mas nem sequer sabemos o que seria o fenómeno sem a
interpretação. Ou seja, aquilo que temos de facto é uma interpretação. Falar de fenómenos não interpretados é falar de qualquer coisa que nós não sabemos o que é. O que nos aparece, aparece-nos com um sentido. Isto não é uma possibilidade, é uma condição. O que é apenas uma possibilidade é aquele sentido concreto com que as coisas nos aparecem. Os fenómenos poderiam ter outro sentido. Por exemplo, a maioria de nós teme a morte. Isso é um sentido. Para algumas pessoas a morte não é o mais temível. Para algumas não é nada temível. Alguns desejam a morte. Alguns são-lhe indiferentes. Cada um julga que o seu sentido não é apenas uma possibilidade. Aqueles que têm a morte por temível apontam para o que nela lhes mete medo. Mas isso não prova que a morte é, em si mesma, temível: mostra apenas que quem assim aponta teme isso para que aponta.
Nietzsche não apenas nega que possamos sair da nossa perspectiva para aferir o
que é de facto o certo ou o errado - mas afirma também que a própria ideia de que há coisas
certas e coisas erradas já é uma interpretação. Nietzsche não só nega que possamos saber o que é a Verdade - mas afirma também que a própria ideia de que há uma Verdade já é uma interpretação.
Ele tenta mostrar que não só
podemos aplicar mal o nosso modelo da realidade (e enganarmo-nos), como também que pode acontecer que o nosso modelo da realidade esteja errado (e então já "certo" e "errado" serão conceitos desvitalizados, vazios,
sem referente, pois que eles sempre se determinam em função do modelo ou
sistema que os integra e lhes dá significado).
Com isto o que ele quer, antes
de mais, trazer à luz (e isto quer dizer "tornar fenómeno", fazer
aparecer), é que o regime de sentido que habitualmente se encontra a funcionar
em nós é uma possibilidade. Perceber isto é fundamental. E não é nada que o
próprio Jesus não tenha tentado mostrar também. O Cristianismo é, aliás, veemente - atrevo-me a dizer mesmo que - mais veemente que Nietzsche ao chamar a atenção para isso de estarmos lançados num modo previamente dado de abertura ao mundo: mas sublinhando o carácter de possibilidade desse modo.
O que Nietzsche, tal como o Cristianismo, pretende fazer ver é que SE PODE SUSPENDER essa possibilidade.
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