quarta-feira, 4 de julho de 2012
A partícula de Deus
A propósito do bosão de Higgs...
O CERN anunciou uma possível descoberta da partícula de Deus... “We observe in our data clear signs of a new particle, at the level of 5 sigma, in the mass region around 126 GeV. The outstanding performance of the LHC and ATLAS and the huge efforts of many people have brought us to this exciting stage,” said ATLAS experiment spokesperson Fabiola Gianotti, “but a little more time is needed to prepare these results for publication.” Negrito nosso: 5 sigma significa que a probabilidade de o evento detectado ter ocorrido por mero acaso é muito reduzida, e é o nível necessário para se poder falar em prova, em vez de indício.
A notícia pode ser lida aqui. Reacção da Igreja.
O bosão de Higgs apresenta a chave da massa e da forma do universo... é uma partícula cuja existência estava prevista, pelo menos desde 1964, mas que ainda não tinha sido observada.
A "descoberta" estava na mira e não foi uma surpresa. Ver aqui. Note-se, no entanto, que tudo isto são sinais.
Esta partícula integra o chamado campo de Higgs, um campo hipotético em que o vácuo é pressuposto para todo o Universo, mas que assume um valor diferente de zero... ou seja, permite explicar a massa, precisamente porque na expectativa do vácuo presume um valor diferente de zero (o problema com o zero é que, por mais que o multipliquemos ou dividamos ele permanece zero...).
Com a descoberta deste bosão tornar-se-á possível compreender as relações entre as três forças básicas microscópicas (nuclear fraca, forte e electromagnética) e a gravidade. Foi na tentativa disto que Einstein se moveu toda a sua vida. É também isto que tentam a teoria das cordas, e a teoria M. Conseguir-se-ia assim compreender o fundo no qual é possível que a mecânica quântica e a teoria da relatividade forneçam, a partir de pressupostos contraditórios, explicações válidas para o mundo.
A teoria da relatividade, via força da gravidade, explica o mundo atómico e macro-atómico, mas ao nível sub-atómico falha. É a mecânica quântica que consegue explicar o mundo das coisas sub-atómicas, onde as forças da electromagnética e das duas nucleares se fazem senhoras. Ora, sendo que todas as coisas visíveis são compostas por essas partículas sub-atómicas, a contradição entre estas duas explicações diferentes é paradoxal... levantando a suspeita de ambas serem, de facto, incompletas.
O bosão de Higgs pode permitir a elaboração de uma física diferente, diferente quer da teoria da relatividade, quer da mecânica quântica, fornecendo conceitos para uma nova teoria que unifique as quatro forças básicas da natureza.
Ao nível tecnológico, esta descoberta poderá abrir imensas possibilidades, nomeadamente a manipulação daquilo que ela explica, como da gravidade ou da massa das partículas... Ao permitir compreender como é que uma partícula adquire massa poderá ajudar a perceber por que é que cada partícula, e portanto cada coisa tem uma massa específica... assim, podemos imaginar-nos a manipular as massas das coisas! Os moldes em que isso poderia ser feito são, contudo, obscuros.
Mas o bosão não explicará tudo. Nem é certo que explicará a gravidade (provavelmente não o fará). Por outro lado, pode mesmo não dar suficiente informação para compreender a relação (se é que a existe) entre a gravidade e a electromagnética)...
Para saber mais, veja, por exemplo, isto.
Esta é uma descoberta muito importante, também, para a Filosofia. Além de se reflectir obviamente nas reflexões epistemológicas, as quais já começaram antes mesmo da confirmação da descoberta, há outras considerações a fazer. Nomeadamente, a recolocação da questão da diferença entre fé e conhecimento, crença e crença justificada, ou entre Religião e Ciência.
Pode perguntar-se se a descoberta do bosão de Higgs não tornará despropositada a crença em um deus, assumindo que a descoberta poderia trazer até nós a compreensão cabal e completa do mundo físico, sub e macroatómico.
Quanto a nós, a própria questão labora num equívoco. Antes de mais, deve compreender-se que, seja o que for que seja de facto dado no mundo, nada disso pode ter consequências sobre qualquer coisa que esteja fora do mundo, extra-mundo, para além dele... Enfim, pode até descobrir-se tudo sobre o Universo, e descobrir que este vem dele mesmo, num infinito revolucionar, num eterno retorno, mas isso nada diz de Deus, nem da possibilidade da sua existência, nem sobre o facto de ter ou não criado o Universo... mesmo no caso de se provar o eterno retorno. Porque o âmbito da criação divina não é, obviamente, limitado por aquilo que é a criação por causa-efeito que podemos observar à nossa volta. Deus não é um objecto intramundano que criou outro objecto intramundano. Falar de Deus como de um Criador é uma metáfora, como, de resto, tudo o que dele podemos dizer... Porque não podemos sequer imaginar o que seja a acção de criação divina... não temos qualquer forma de o representar senão pela expressão criação a partir do nada, supondo então que existia um nada, de onde foi criado algo. Mas aí usamos a expressão existir do nada, e a expressão de onde num sentido segundo o qual para nada podemos apontar. Isto mostra bem como não temos palavras, porque não temos os conceitos adequados, quando estamos a falar de qualquer coisa que, no limite, não podemos conceber.
Ou seja, na nossa perspectiva, o que podemos humanamente dizer é: quer deus exista, quer não exista, humanamente ele não é.
Outras referências interessantes:
- http://www.telegraph.co.uk/science/science-video/4124605/Large-Hadron-Collider-experiment-explained.html
- http://www.telegraph.co.uk/science/large-hadron-collider/8953007/God-particle-why-Cern-scientists-have-been-using-the-Large-Hadron-Collider-to-look-for-it.html
- http://www.math.columbia.edu/~woit/wordpress/?p=4809
- http://www.math.columbia.edu/~woit/wordpress/?p=4829
- http://www.science20.com/news_articles/has_higgs_been_found_if_its_new_particle_it_heavy-91750
- http://www.publico.pt/Ci%C3%AAncias/nao-sei-se-o-bosao-de-higgs-existe-nos-os-experimentalistas-somos-os-cepticos-1553159
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