sexta-feira, 20 de julho de 2012

O critério de verdade

A propósito de garantias...

Será possível encontrar um critério de verdade? Como saber quando estamos na verdade?

Mesmo que estejamos na posse da verdade, como poderemos estar certos disso?

Leiamos Platão:


"Estrangeiro:
É difícil, oh divino, sem fazer uso de paradigmas demonstrar suficientemente o que é importante. Realmente, corre-se o risco de que, como um sonho, cada um de nós conheça todas as coisas e tudo volte a ignorar como se acordasse."

Platão, Político 277d:
Ξένος
χαλεπόν, ὦ δαιμόνιε, μὴ παραδείγμασι χρώμενον ἱκανῶς ἐνδείκνυσθαί τι τῶν μειζόνων. κινδυνεύει γὰρ ἡμῶν ἕκαστος οἷον ὄναρ εἰδὼς ἅπαντα πάντ᾽ αὖ πάλιν ὥσπερ ὕπαρ ἀγνοεῖν.




Na verdade, parece que muitas vezes nos encontramos no estado de nos julgarmos seguros acerca daquilo que descobrimos estar errado... Outras coisas vão permanecendo no âmbito das nossas certezas. Mas, mesmo quando nada nos mostra que estejamos errados, como saber se estamos certos? Podemos, de facto, estar errados naquilo mesmo que julgamos mais seguros, simplesmente sem nos apercebermos de que estamos errados.

Vejamos a metáfora do arqueiro: o arqueiro atira e ora falha, ora acerta. Da mesma maneira, dizemos que por vezes acertamos naquilo que pensamos ou dizemos, e que outras vezes falhamos o alvo.

Mas como é que podemos saber isso? O arqueiro sabe que errou quando, tendo acesso ao alvo, verifica que não acertou. Sabe que acertou quando, tendo acesso ao alvo, verifica que acertou. Em ambos os tipos de tiro (aquele tipo de tiro em que acerta e aquele tipo de tiro em que falha), o arqueiro visou o alvo. Visou, apontou, mas falhou quando falhou. Apontou, visou, e acertou quando acertou.

O que é que se passa com o conhecimento? 

No conhecimento falta, precisamente, o acesso ao alvo. Não podemos ver se acertámos. O que podemos fazer é visar, e este visar é muito complexo. Como podemos visar aquilo a que não temos acesso. Mas se, por outro lado, não podemos de facto visar o alvo, o que é realmente conhecer?

O que fazemos há muito tempo e que Descartes explicitou é estipular modelos segundo os quais se avalia as respostas que temos para certos problemas ou questões. Podemos submeter a esses modelos, como critérios, as nossas opiniões fundamentadas. O que permite a validação das nossas opiniões é, precisamente, o modo da explicação (fundamentação). Se ela respeitar e se enquadrar no modelo, ela pode ser aceite ou rejeitada, nos moldes definidos por esse mesmo modelo. Quando os modelos são aceites por uma comunidade num mesmo tempo e espaço, nesse tempo e espaço podemos dizer que há um paradigma. 

Qual é o papel do paradigma nesta imagem que desenhamos? Vamos evitar eufemismos. O paradigma forja um alvo. É esse o seu papel. Mas fá-lo de forma complexa. Não é como se dissesse o que é verdade e depois comparássemos o que dizemos com isso que se diz ser verdade, porque aqui se invertia o processo de investigação. Ou, se o faz, não é tão às claras.

O paradigma explicita o modo de visar e atirar. É, portanto, uma técnica de tiro, por assim dizer. Aquele que se exercita nele fica apto a atirar com mestria segundo aquilo que a convenção afirma que é atirar bem.

Como se vê, há aqui mesmo uma ilusão que se forma: a ilusão de que o paradigma produz um alvo com o qual se pode comparar as explicações. 




1 comentário:

  1. Em toda ilusão existe alguma verdade, mas, na verdade não existe ilusão. A verdade não precisa de critérios. Ela é uma luz, quando aparece, mostra tudo que estava oculto. Ela só aparece no tempo certo, pois, no tempo errado, não seria verdade. Como saber que é ela? Simples, quando a luz chega é possível ver a culpa que a mentira esconde. Só existe verdade por que existe mentira. A mentira traz medo, pois, é a solução instantânea para o desconforto, logo se transforma em pesadelo, porque é aumentada assim que se aproxima a verdade. Aumentada a mentira, aumenta a escuridão. Mas eis que chega a luz e acaba com o medo, pois, tudo não passava de escuridão. E lá se vai a luz, acabar com outros monstros da escuridão, essa luz não para, por onde passa, sempre vence. Que critérios tem essa luz? Não, ela não necessita de critérios, ela faz isso por ser uma luz, por ser a verdade.

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