sábado, 21 de setembro de 2013

Tecnoética

A propósito de tecnoética...

A tecnoética é um ramo da ética - ainda não devidamente circunscrito - que se debruça sobre os problemas éticos decorrentes da tecnologia e da investigação tecnológica, quer na aplicação de tecnologias já existentes, quer no desenvolvimento de tecnologias cujo potencial pode, previsivelmente, ter implicações éticas. Assim, teoricamente, este ramo pode ser dividido em quatro tipos de problemas.

1 - problemas éticos decorrentes da aplicação de tecnologias já existentes, cujo funcionamento está descrito e sobre as quais se conhece o suficiente para poder prever os seus efeitos. Por exemplo, a utilização de embriões humanos e de tecnologia de clonagem para produzir órgãos que possam servir em transplantes - embora a utilização dessas tecnologias já existentes seja discutível quanto ao seu teor ético e moral, não resulta dessa utilização uma nova tecnologia, também ela, sujeita a dúvidas, pelo menos tendo por base o que legitimamente se pode esperar.

2 - problemas éticos decorrentes da aplicação de tecnologias já existentes em utilizações potencialmente perversas, ou, pelo menos, de moralidade duvidosa, na investigação e no desenvolvimento de novas tecnologias, sendo que estas novas tecnologias já apresentam, por si mesmas, um potencial perverso. Por exemplo, a utilização de tecnologias de monotorização, vigilância e controlo dos cidadãos para desenvolver tecnologias que permitam prever, antecipar ou atribuir comportamentos futuros a sujeitos com base nos seus comportamentos monotorizados (isto é, tecnologias do tipo Relatório Minoritário). Não só o uso das tecnologias disponíveis é duvidoso, como também as tecnologias que se espera poderem resultar desse uso são, elas mesmas, duvidosas - sendo, por exemplo, discutível se não seria melhor não as desenvolver de todo.

3 - problemas éticos decorrentes da investigação tecnológica como tal. Por exemplo, problemas como o de saber se continua a ser legítimo investir em investigação quantidades de dinheiro que poderiam ser úteis na aplicação de tecnologias de saúde ou na erradicação da fome ou do analfabetismo. Ou se é legítimo investir dinheiro em tecnologias que se pode esperar não terem efeitos sobre a existência quotidiana, como a tecnologia de prospecção espacial (a discussão em si mesma é independente da discussão prévia, de carácter mais científico do que filosófico, de saber se essa investigação se pode dizer, de facto, não vir a ter efeitos benéficos na vida quotidiana).

4 - problemas éticos decorrentes da investigação tecnológica na medida em que se pode esperar que dela resultem efeitos ou tecnologias cuja aplicação levantem problemas éticos ou morais. Neste caso, a utilização de tecnologias actualmente existentes não constitui, por si mesma, um problema ético nem moral, mas é a própria tecnologia futura ou uso futuro dessa tecnologia que constitui o problema. Por exemplo, os estudos relacionados com as viagens no tempo são absolutamente neutras perante a ética e a moral, pois nenhuma actuação nessa investigação é condenável enquanto tal, nem perversa por si mesma - contudo, é a própria tecnologia cujo uso permitisse viajar no tempo que tem um teor ético ou moral forte, discutível e potencialmente crítico. Este tipo de problemas pode constituir um grupo particularmente importante porque apresenta, em geral, duas características que, aliadas, se tornam muito perigosas: primeira, as acções dos cientistas no percurso da sua investigação não levantam dúvidas éticas e morais, são aparentemente inócuas (acelerar partículas, fazê-las colidir, elaborar teorias matemáticas e físicas, etc, são acções que não suscitam indignação moral nem desconfiança ética), de tal modo que os cientistas podem perfazer todos os passos até chegar ao desenvolvimento da tecnologia sem fazerem qualquer acto condenável ética, moral ou juridicamente; em segundo lugar, é a tecnologia resultante que é muito perigosa, com efeitos exponenciais (do que a viagem no tempo é um bom exemplo, pois uma pequena alteração no passado longínquo pode ter efeitos absolutamente grandes e incalculáveis). O perigo deste tipo de problemas reside, justamente, no facto de o perigo não ser evidente nem mesmo quando se pondera o uso dessa tecnologia futura (fazer viagens no tempo não se mostra imediatamente perigoso, mas sobretudo não é uma ideia que cause repugnância ou aversão, como é o caso de outros problemas éticos ou morais associados a actuações imediatamente repulsivas).


Sem comentários:

Enviar um comentário

discutindo filosofia...

Creative Commons License
Os textos publicados neste blog por luisffmendes estão sob uma licença Creative Commons