Καιρός / καῖρος – tempo
oportuno, momento favorável; oportunidade, ocasião; momento propício,
tempo como na expressão “é tempo de fazer a colheita”. Os antigos
tinham vários termos que usavam para se referirem àquilo que os nossos
contemporâneos referem pelo termo tempo.
Por outras palavras, distinguiam diferentes tempos.
Ver, por exemplo: ELIADE, Mircea, Tratado de História das Religiões, Asa
Editores, Rio Tinto, 2004, 5ª edição, p. 481 s. O termo καιρός designa aquela
noção muitas vezes identificada no termo do sânscrito ksana (vide idem, Imagens e Símbolos, Martins Fontes, São
Paulo, 1996, 1ª ed., 2ª tiragem, pp. 76-79, 166-172. Nesta noção estão em jogo
as ideias de momento favorável a uma
execução, tempo próprio de uma
actividade, tempo dedicado,
vocacionado, destinado, doador de sentido.
O momento oportuno é a hora propícia, tempo de plenitude, de realização, de
consumação. O momento favorável não é repetível, acontece e, ou é capturado,
cumprido, ou desperdiçado – com consequências tremendas para quem recebeu e
para quem deixou escapar a oportunidade. Não se trata, portanto, de um tempo cronológico, de um continuum de momentos vazios preenchidos com o que de cada vez é o
caso. Não. Neste sentido, o καιρός não é um tempo
histórico, mas as consequências que advêm da forma como é aberto são
avassaladoras para aquilo que doravante será o caso. O tempo cairótico não é um
tempo banalizado, vulgar, à-mão de semear: pelo contrário, exige ao humano um
modo próprio de como se acercar dele. Sendo um tempo de cumprir, é um instante de
plenitude, doador de sentido, que enforma tudo o que se foi e o como do que
se vai ser. É um momento de revelação, de aclaramento, de esclarecimento do ser
consigo mesmo: um momento doado, uma luz dispensada que chega e, como um
relâmpago, se espraia pela vida enquanto totalidade. Perder o momento é, neste
sentido, perder a vez de ser o que se tinha desde sempre, e para sempre, para
ser. Significa que no καιρός o sujeito tem a oportunidade de se cumprir, de ser
em conformidade consigo mesmo, tanto quanto possível, sendo que esta
conformidade extravasa o próprio tempo cronológico. Desta forma pode dizer-se
que o tempo cairótico é atemporal: fonte de sentido, de compreensão, espraia-se
e toca o mundo da vida, faz vibrar a vida num vibração querida, sempre
desejada. Não interessa se (tentando falar do momento cairótico como se fala do
tempo cronológico) essa conformação, essa homogeneidade entre sujeito e mundo, passa. Pois no momento em que é
cumprindo-se a si mesmo o sujeito cumpre-se na vida, realiza-se, faz vida:
ilumina o caminho percorrido e a percorrer. Neste sentido, καιρός é instante de
iluminação, momento pelo qual vez luz ao mundo, tempo de ganho. Mas na noção de
καιρός está patente essa amplitude que vai do ganho absoluto à perda total: do
resgate, à falência de si; da iluminação, da salvação, à escuridão, à
condenação. Porque o tempo cairótico exige um trato adequado, uma apropriação
do que está em causa naquilo a que diz respeito. Ora, a utilização comum do
termo καιρός respeita, precisamente, ao tempo próprio de uma determinada coisa,
o qual exige um manuseamento. Nas colheitas, como na vida, há um tempo propícia
destinado a cada tarefa. E este tempo é oportunidade, é abertura, é portanto
transporte: que se pode apanhar ou não, que se pode saber abrir ou não. Na
noção de καιρός está compreendido este sentido de medida adequada, trato devido,
devida proporção, porção bem medida, aptidão. Na verdade, o momento oportuno exige o conhecimento da
natureza daquilo a que diz respeito. Cada coisa tem o seu tempo, e cada coisa
deve ser cuidada de uma maneira própria. Importante para perceber o termo καιρός
é o uso que dele foi feito na medicina.
Na lida em vista ao tratamento de uma doença mortal há um momento crítico em
que está indeciso o que virá a ser o caso: a morte ou a cura. Esse momento é o
momento certo, irrepetível, em que um tratamento específico, por exemplo uma
certa solução, deve ser ministrada com vista a obviar a doença. Perder esse
momento ou, de qualquer forma, não executar os procedimentos propícios da
devida maneira, implicará a morte do paciente. A vida do paciente está em jogo,
indecisa, dependente do trato adequado, do manuseamento devido. Esse momento é
único, mas também fugaz: urge. A urgência do καιρός era um aspecto sobejamente
reconhecido pelos gregos, mas deixamos aqui apenas uma citação (Píndaro, Odes Píticas, IV, 286): “Ὁ γὰρ καιρὸς πρὸς ἀνθρώπων βραχὺ μέτρον ἔχει”
(o momento
oportuno é, para o humano, uma medida curta). Quem sabe não adia uma decisão,
não protela uma acção, mas também não precipita um projecto, não antecipa um
agendamento. Adiar e precipitar são modos de deitar a perder a oportunidade.
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