«Há um vigoroso espírito partidário por todo o lado. Isto, claro está, não significa que nós temos apenas um partido que é vigoroso, pois isso, afinal de contas, não seria um vigoroso espírito partidário, mas um espírito vigoroso dentro de um partido. Não, há um vigoroso espírito partidário numa variedade de partidos. Temos liberais, ultra-liberais, conservadores, ultra-conservadores, e os do meio. Na política temos todos os valores concebíveis e inconcebíveis. Temos kantianos, schleiermacherianos e hegelianos; estes, por sua vez, estão divididos em dois grandes partidos: um que compreende aqueles que não se esforçaram para se tornar hegelianos, mas que são, apesar de tudo, hegelianos; outro que compreende aqueles que foram para além de Hegel, mas que são, apesar de tudo, hegelianos. O terceiro partido, os hegelianos genuínos, é muito pequeno. Temos cinco baptistas anti-crianças, sete baptistas, nove anabaptistas. Entre os baptistas há três que pensam que os adultos devem ser baptizados com água salgada, dois que pensam que devem ser baptizados com água doce, e um que faz a mediação entre as duas facções e insiste na água salobra. Temos dois straussianos. Temos um alfaiate que formou uma nova seita que consiste nele próprio e em dois aprendizes de alfaiate. Por algum tempo houve muito falatório de que teria ganho um terceiro discípulo de outra profissão, mas mesmo quando estava quase a capturá-lo houve uma disputa que levou o neófito a deixá-lo e a levar um dos aprendizes com ele, e a outra pessoa da outra profissão acabou também por desencantar uma nova fé. Neste preciso momento, em Pistolstrædet, é suposto alguém ter-se remetido à solidão para pensar numa nova religião, e as suas conclusões são expectantemente aguardadas nas ruas vizinhas [...]. O espírito partidário está por todo o lado. Brevemente, não haverá mão-de-obra suficiente para ter uma pessoa por cada partido. [...] Brevemente, bem que podemos acabar por ter de representar [cada um de nós] vários partidos, [...].»
Kierkegaard, Confissão Pública
(cf. Kierkegaard, The Corsair affair, tradução de Howard Hong e Edna Hong, Princeton: Princeton University Press, 1982, p. 6 ss.)
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