domingo, 14 de janeiro de 2018

A coragem como acção sobre si mesmo

A propósito de coragem


O conceito de "coragem" remete para um determinado adquirido, algo que se pode adquirir. Portanto, para algo cuja posse implica uma aquisição, e uma aquisição que implica uma prestação do sujeito. Neste sentido, o conceito de "coragem" remete para algo que se pode conquistar - ou não. Difere, por isso, de outras noções que, por vezes, se confundem com a de coragem. Por exemplo, a coragem distingue-se do temperamento intrépido, do sujeito que não tem medo. Quem não tem medo - absolutamente nenhum medo - também não pode ser corajoso, embora possa ser intrépido. Para se ser corajoso é preciso, primeiro, ter medo e, depois, ser corajoso. Ou seja, a coragem é uma forma de "edição": o sujeito "edita-se" a si mesmo, agindo sobre si mesmo, resistindo a uma tensão imediata de fuga. Isto facilmente pode ser confundido com outras noções, razão pela qual, por vezes, se diz que os psicopatas são corajosos. Um psicopata não é corajoso, e isto pela simples razão de que é incapaz de sentir medo.

Por tudo isto, a coragem terá sempre a forma de uma acção do sujeito sobre si mesmo. Portanto, o decisivo na coragem não é a consideração daquilo que mete medo, etc., pois nunca se trata de uma acção externa, de um agir sobre o mundo exterior. A coragem pode ter, e tem efectivamente, efeitos sobre o mundo exterior, como podemos observar por todos os actos heróicos, todas as formas de resistência, todas as formas de resiliência. Mas, essencialmente, a coragem é uma acção interior do sujeito consigo mesmo. No limite, em teoria, um sujeito poderia ser corajoso sem ser reconhecido externamente como tal. Isto é assim, porque, como se disse, a coragem é uma acção interior - embora, normalmente, nós reconheçamos a coragem apenas pelos seus efeitos externos, quando os tem.

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