A propósito de convicções
As expressões "visão do mundo" e "visão da vida" não se referem a uma qualquer visão particular que se pode ter de uma garrafa ou de um calhau. Também não referem como que uma visão menos banal como pode ser a visão de um fantasma. Quando dizemos "visão do mundo" também não queremos dizer que estamos a fazer uma previsão do que está por vir, como se disséssemos que vemos para onde vamos ou que tivemos uma visão do que nos espera. Tão pouco, como é evidente, queremos dizer que o mundo tem olhos e pode ver, como quando falamos da visão das águias. Quando se diz "visão do mundo", tal como "visão da vida" não se quer dizer que há um mundo à frente dos olhos e que, por essa relação espacial, com os olhos chegamos a ver o mundo e assim a constituir uma visão. A visão do mundo não é como que um resultado da posição dos olhos frente ao mundo como pode acontecer com uma laranja que os nossos olhos abarcam toda numa visão de laranja. Também não se diz que temos uma soma das várias visões parciais do mundo, as quais juntamos e colamos numa grande imagem do mundo que depois podemos colar nas paredes do nosso quarto. A "visão do mundo" não é algo que se tem depois de ter um mundo e um sujeito que o vê de uma vez - nem um somatório das várias visões. Destas possibilidades nunca se chegaria a obter um mundo e muito menos a duvidosa e improvável visão inteira do mundo. Pelo contrário, qualquer estar e olhar para um ente do mundo, por exemplo, uma laranja, só é possível porque previamente se tem mundo que disponibiliza, entre outras coisas doces e amargas, laranjas. A visão do mundo é essa estrutura prévia de sentido que, existencialmente, pode ser descrita como um posicionamento que se tem e mantém por convicção, quer se trate de uma convicção desenvolvida por nós próprios, quer se trate de uma convicção bebida dos outros e que por mero acaso calha ser a nossa. A visão do mundo é, portanto, uma estrutura de sentido que mantemos por convicção mesmo quando tanto se poderia ser canibal como ecologista, conforme o acaso ditou que nascêssemos nesta ou naquela cultura, neste ou naquele tempo - e quanto mais nos encontramos absorvidos nesta estrutura, quanto mais nos atiramos com convicção a defendê-la ou simplesmente a deixamos fluir pelas nossas veias, mais esta convicção que temos por esta ou por aquela tese (temática ou atematicamente) poderia ser a mesma convicção mas por uma tese completamente oposta. De tal modo é assim que, para o dizer numa palavra, quanto mais convicção um "sujeito" tem acerca das suas convicções, mais ao acaso deve as convicções que tem; quanto mais acérrimo, fundamentalista e cego é este sujeito, mais facilmente poderia ser cego, fundamentalista e acérrimo em relação a um conjunto completamente de convicções. Assim, cada um vive pelas suas convicções - sejam estas tão vagas como o comodismo, sejam elas tão direccionadas e afuniladas como qualquer fundamentalismo - sem se dar conta ou sequer sonhar que, de um ponto de vista que de facto lhe é externo, tanto viveria pelas convicções que tem como por quaisquer outras. A "maioria da gente é outra gente" - e qualquer convicção lhe serviria muito bem, contanto que tivesse convicções.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
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