sexta-feira, 26 de julho de 2013

O homem é um animal?

A propósito de animais e homens...


É o homem um animal?

A que corresponde exactamente a noção de animal? Um animal - e assim o considera a tradição - corresponde a uma forma natural de determinação de comportamento. O animal nasce já completo - e a aquisição das condições de viabilização da sua vida apenas corresponde à execução dessa determinação com que já nasceu, de tal modo que nunca é mais do que o mero desenvolvimento de algo que desde o primeiro momento estava definitivamente fixado. Isso é um animal e assim o compreende a tradição. Como FORMA natural, a forma animal pode desformalizar-se de diversas maneiras. Há animais que são gatos, burros, cães, etc. Será que os há, também, humanos? À primeira vista dir-se-á que sim. De um ponto de vista científico, ai do estudante que o não sabe. No entanto, temos pelo menos dois problemas para resolver.

O primeiro tornou-se recentemente evidente e não escapa aos homens da ciência moderna. Os cientistas repararam que quer se analise uma pedra quer se analise um caracol, é possível decompor ambos em elementos da mesma natureza, de tal modo que o animal pode ser decomposto no mesmo tipo de elementos em que podem decompor-se as rochas. E isto não fica pelos elementos pois o mesmo se deve dizer do funcionamento. Assim, por mais complexo que seja o organismo, por mais evoluído que seja o animal, este funcionamento pode ser reduzido a quatro forças básicas - as mesmas quatro a que se pode reduzir a pedra e o calhau. Contudo - e aqui reside o problema - o inverso não se consegue fazer. Isto é, embora qualquer estudante medíocre possa decompor uma rã ou uma pedra em elementos químicos, nem o mais genial dos mestres consegue fazer novamente a síntese e obter a rã, embora possa ser capaz de reconstituir a pedra. O mesmo se passa com as quatro forças. Por mais dotado que seja o mestre, por mais tempo que ele olhe para essas quatro forças nunca nelas encontra a rã, nem nenhuma da biologia celular que sabe e aprendeu. Assim, embora tudo seja composto de elementos químicos, nada com eles se pode fazer que nos restitua a rã, embora se possa restituir a rã ao pó. Se a rã é pó, e ninguém duvida disso, já não é tão evidente que o pó seja rã. E o mesmo se passa com as forças, a mecânica, o funcionamento das coisas. É certo que a rã funciona como rã por intermédio das forças básicas, mas olhando para essas forças nada nelas faria adivinhar uma rã. E se sabemos que o básico pode dar numa rã, só o sabemos porque primeiro vimos a rã - e ninguém parece ser capaz de ver no mais básico quais são os animais que existem e que nunca foram vistos, embora, quando os vir, saiba que esses animais também são feitos de átomos e que funcionam por intermédio das 4 forças básicas. E isto funciona a todos os níveis: o vento sopra e podem enunciar-se as leis da movimentação do ar. Mas embora a tempestade não viole nenhuma dessas leis mais básicas, essas leis não servem para compreender a tempestade. Ora, também isto se passa com o homem em relação ao animal: pode ser verdade que o homem veio do animal, como de facto o tornado vem do vento, mas nem o vento explica o tornado, nem o animal o homem.

Mas o problema anterior é, na verdade, o mais simples. Poderia acontecer que o homem estivesse para o animal como o animal para a planta e esta para a pedra. Ou como o tornado está para a movimentação do ar. Poderia acontecer que o humano fosse apenas uma forma mais restritiva da forma animal - como de facto o orgânico relativamente ao inorgânico. Mas não é só isso: o problema - neste caso, o segundo problema que, de uma assentada, lança luz sobre o problema anterior e ao mesmo tempo o faz desaparecer - é que, se tomarmos a forma animal e lhe dermos forma humano, então nada fica do animal, senão enquanto animal, e não enquanto humano. Se há uma forma que a forma humana vem restringir, então esta restrição, seja ela o que for, não restringe nada senão lhe muda o sentido - como se o tornado já não fosse movimentação de ar, como se o orgânico já não se compusesse de inorgânico. Mas se a rã continua a ser pó, o humano já nada tem de animal - senão, justamente, enquanto é animal. Então, quando no humano consideramos o animal, não consideramos o humano - e se o humano é um animal isso só pode acontecer se primeiro se decidiu não o tomar como humano. Porque no momento em que temos uma forma determinada previamente fixada, se é verdade que podemos ter um caracol, uma zebra ou uma andorinha, não podemos ter um humano senão na medida em que um humano possa ser um boi ou um carneiro: e na medida em que haja humanos bestas, nessa mesma medida se pode dizer que também o humano pode comportar-se como animal.

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