terça-feira, 19 de setembro de 2017

Estado de Banalidade - em Kierkegaard

A propósito da noção de numérico, segundo Kierkegaard

O "numérico" refere-se ao indivíduo que se deixa reger, e guiar na sua vida, por determinações universais. Por exemplo, pela "comunidade", pelo "Estado", pela "espécie". Quando o indivíduo assume para si o regime "numérico" da existência torna-se uma simples cópia do universal: a identidade da cópia define-se pela sua pertença ao universal. O indivíduo é compreendido e compreende-se a si mesmo a partir de determinações universais: pai, filho, médico, cristão, etc. O ponto é que, de cada vez, o sujeito interpreta-se a partir de um universal, quer seja sempre o mesmo, quer existam vários a configurar o seu ponto de vista. Assim, há um conjunto de regras, preceitos, objectivos, etc., previamente determinados, dentro de um certo horizonte de possibilidades, dentro das quais o sujeito escolhe e actua, como se a cada vez a decisão fosse sua, mas, na verdade, está entregue a projectos que não são dele, que lhe são oferecidos de fora.

O sujeito vê-se a si mesmo ora como pai, ora como filho, ora como marido, ora como aluno, ora como médico, ora como cidadão. De cada vez há um conjunto de competências, um perfil do qual deve ser a repetição segundo um conjunto de actividades, um plano, certas acções, comportamentos, etc. No limite, o sujeito "numérico" é um conjunto de camadas, desempenha sempre um ou outro papel - deve ser sensato, ou racional, ou feliz, etc., etc., etc. -, mas não há qualquer profundidade nelas. Se as camadas forem retiradas nada resta, não há indivíduo, não há subjectividade: apenas uma abstracção, um nada que pode ser tudo, que pode adaptar-se a qualquer coisa, assumir qualquer função, singrar no mundo e, sem espinha dorsal, tornar-se o mais bem-sucedido homem de negócios de uma nação, de um país, de um regime, qualquer que ele seja.

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