sábado, 20 de outubro de 2018

Trump no Montana e outras estórias

A propósito da natureza humana


Então Trump foi ao Montana dizer que quando um dos seus apoiantes deu uns sopapos num jornalista pensou "é pá, isto é capaz de ser mau para a sua campanha", mas depois logo reconsiderou: "ah, isto foi no Montana: até é capaz de o favorecer". E tendo dito isto, o público, gente do Montana, aplaude e ri-se.
Eu nem sei bem quantas camadas de ironia se sobrepõem neste episódio! Ainda falam da falta de cultura de Trump. A capacidade de Trump para as figuras de estilo suplanta os mais extraordinários escritores. Onde é que encontramos em Eça uma ironia com este nível de densidade??? Trump vai muito à frente!

Mas Trump revela, mais uma vez, aquilo que eu temia: ao contrário do que supõem muitos intelectuais, Trump conhece muito melhor a realidade Americana, e a realidade do povo, do que os intelectuais e classe dos comentadores.
Já perdi a conta àqueles que num momento ou noutro declararam que "não, as pessoas não votam nele por apoiarem a violência, ou por serem racistas", ou que "não, não, as pessoas não querem o que ele diz, apenas confiam que ele diz mas não faz".
Mas Trump, que não se deixa iludir com parvoíces pseudo-rousseaunianas, conhece muito melhor as pessoas do que os analistas. Trump não presume, como presumem os comentadores, que as pessoas do Montana são basicamente anti-violência e que iriam castigar nas urnas um candidato que desanca um jornalista!!! Trump sabia muito bem que as pessoas adoram esse tipo de espectáculo, e não só não condenam uns sopapos bem dados num jornalista, como logo se disponibilizariam para revesar o candidato e darem elas mesmas uns sopapos no jornalista.
Trump também não presume, como presumem os comentadores, que as pessoas do Montana não gostariam de ser vistas como adoradores de sopapos!!! Pelo contrário, ele diz na cara das pessoas do Montana que acha que elas são do tipo de pessoas que ficam contentes quando um candidato dá uns sopapos num jornalistas, e as pessoas do Montana acham piada e aprovam que o presidente fale com elas nestes modos familiares.

Trump sabe muito bem - como já sabiam Freud, Nietzsche, e até Schopenhauer - que o ser humano tem uma afinidade natural com a violência. E tem uma afinidade especial com o espectáculo, com a publicidade - porque, como dizia Kierkegaard, o humano tem uma tendência natural para ser "público". Ou, como dizia Heidegger, o humano, no início e na maioria das vezes, é "das Man". Como sabiam Óscar Wilde e Fernando Pessoa, o ser humano tem tendência para ser "a gente". O sujeito prefere ser "a gente" do que ser ele mesmo, quanto mais não seja porque sendo "a gente" pode-se ser o que quiser, sendo nada.
E Trump sabe todas estas coisas para as quais muitos, desde há muito, nos tentam alertar. Mas a classe dos comentadores de hoje, desde os jornalistas aos "especialistas políticos" e passando pelos intelectuais, esqueceu ou desconsidera essas lições profundas que encontramos em Freud, Nietzsche, Schopenhauer, Kierkegaard, Heidegger - porque o intelectual de hoje só acredita que o cidadão pode votar livremente num ditador, ou num fascista, ou num racista, depois dele ter ganho... e mesmo assim ainda tentará mostrar que, na verdade, as pessoas não queriam votar em Trump, ou em Bolsonaro, ou já agora em Hitler, foram mas é enganadas...

Nisto tudo tiro o meu chapéu a Trump: tem menos preconceitos do que muitos daqueles que o acusam de ser preconceituoso; e parece perceber muito melhor como funciona o ser humano do que todos os comentadores juntos.

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