quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A democracia e outros regimes

A propósito de democracia...

Não penso que a democracia é um dogma. A democracia não constitui uma verdade auto-evidente, nem deve ser considerada a forma definitiva da política. Penso que a fórmula correcta continua a ser a de Churchill: "a democracia é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros".


A democracia não é um regime perfeito

Na verdade tem muitos defeitos e vícios, possibilidades de deturpação e corrupção. O objectivo da política não é, nem deve ser, a democracia. A política é um meio para outro fim (o fim da política não é a política; a política pela política não existe: queremos a política porque precisamos dela para outra coisa). Portanto, a democracia é um meio, não é o fim. Julgo que estamos já em erro se supomos que a democracia é um fim em si mesmo esquecendo que ela é um meio de que nos servimos. Ora, como tudo aquilo de que nos servimos podemos usá-la para o bem ou para o mal. Podemos usá-la para nos enriquecermos a nós mesmos, ou para procurar melhorar as condições dos nossos concidadãos, erradicar a pobreza, etc. Podemos usá-la para um conjunto significativo de objectivos, alguns deles são melhores do que outros.


Todos os outros regimes conhecidos são piores

Agora, o facto de a democracia não ser perfeita e de ter muitas perversões não significa que devamos adoptar alternativas com defeitos ainda mais graves. Pelo menos, sabemos que os outros regimes conhecidos até ao momento já se revelaram ainda piores do que a democracia no passado. Sabemos isso. Podemos não o querer saber. Podemos omitir certos aspectos negativos dos outros regimes para sobrevalorizar as suas vantagens, mas os outros regimes só conseguem aparecer como vantajosos omitindo aspectos significativos. Por exemplo, podemos considerar que o Nazismo foi extraordinariamente eficaz a resolver problemas económicos e de desemprego, e é verdade que teve um desempenho fantástico nesses domínios; mas para considerar o regime nazi melhor do que a democracia é preciso omitir que matou milhões de judeus e deflagrou uma guerra mundial; ou então é preciso arranjar uma boa teoria da conspiração que simplesmente negue tudo isso. Ou seja: o Nazismo só consegue aparecer como preferível numa consideração global para quem seja ignorante, fanático, psicopata ou de facto pense que certas "raças inferiores" devem ser eliminadas. Para todos os outros, os que não são ignorantes, nem fanáticos, nem psicopatas nem pensam que os judeus devem ser eliminados, o Nazismo não parecerá uma alternativa preferível à democracia numa perspectiva global, depois de pesados todos os prós e os contras. Por isso é que a democracia é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros: sempre que se consideram os outros regimes acabamos em algo ainda pior. A democracia é, por isso, uma espécie de resposta por exclusão de partes: os outros são piores.


A democracia não é o fim da história

Pensar que a democracia é o fim da história parece-me ser não perceber nada de história. Aquilo que a história nos tem mostrado desde sempre é que coisas que num momento nem sequer se imaginavam se vêm a tornar a ordem estabelecida. 
Portanto, pode acontecer que se inventem regimes melhores, mais eficazes, preferíveis à democracia, mas sabemos que essas soluções não se encontram dentro do leque das opções do passado, pois essas já se revelaram piores do que a democracia. Por isso mesmo, havendo alternativa melhor do que a democracia, esta ainda terá de ser inventada. Recorrer ao fascismo, ou às ditaduras em geral, é apenas estupidez. Ou estupidez, ou ignorância. Ou banalidade (cf. Arendt). Em qualquer destes casos - estupidez, ignorância, banalidade - raramente, para não dizer nunca, sai algo de bom daí.

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