terça-feira, 16 de outubro de 2018

O ser-se filósofo

A propósito do filosofar...


sempre em nós um modo de compreender em funcionamento, um conjunto ideal que permite reconhecer o mundo de uma determinada forma. Esses pressupostos estão já em vigor quando formulamos uma questão e a importância de cada questão, o modo como lhe respondemos e o critério para decidir o que é uma resposta própria à questão depende desses pressupostos. Este é o B-A-Bá antropológico, o facto de precisarmos sempre de ter, e de termos sempre , um regime de sentido em vigor, seja qual ele for. Nascemos nus, mas quando damos connosco estamos já sempre vestidos de alguma maneira, e é muito difícil distinguir esta roupa de nós mesmos, pois ela torna-se como que uma espécie de "segunda natureza", como diziam os medievais.

Não estou certo, contudo, de que isso signifique, em algum sentido, que todos somos um pouco filósofos. Suponho que dependa daquilo que se entenda por ser filósofo, mesmo que seja só um pouco. Parece-me que começamos a ser um pouco filósofos quando reconhecemos as vestes que trazemos e colocamos a hipótese de que poderíamos trazer outras, de modo que é preciso encontrar alguma justificação para envergar aquelas que envergamos.

Neste sentido, somos todos um pouco filósofos na medida em que todos nós, num ou noutro momento, por um ou outro motivo, nos sentimos inquietos e suspeitamos que "tudo poderia ser de outra forma". E, "neste sentido", a suspeita, a dúvida, a melancolia, a ironia e até mesmo o desespero são muito mais filosóficos do que a atitude plácida e serena perante o mundo que se limita a apontar para o rosto que as coisas insistem em "mostrar-nos". E, também "nesse sentido", somos todos um pouco filósofos, porque provavelmente nunca existiu um sujeito que nunca tenha sido afectado por esse tipo de inquietação, de mal-estar e de desassossego...

Quer dizer, o ser filósofo, mesmo que só um pouco, parece-me não ter tanto que ver com todos nós possuirmos alguma metafísica, alguma epistemologia e alguma ética, mas sim sobretudo com a atitude de colocar isso em questão. O ser-se filósofo não parece ter tanto que ver com já ter algumas respostas, mas sim com o de colocar questões onde pareceria já termos respostas.

Depois, é claro, há formas mais ou menos espontâneas, mais ou menos sistemáticas de ser "um pouco filósofo"...

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