sábado, 20 de outubro de 2018

A banalidade de não querer saber

A propósito de despolitização





A despolitização é uma característica daquilo a que Arendt chamava banalidade. Cria-se uma sociedade da banalidade. Então, a característica desta sociedade é que nela tudo - qualquer conteúdo - pode ser banalizado. A banalidade do mal está sempre presente como possibilidade, e se por acaso é o bem que se banaliza isso não deriva do conteúdo (de ser bem), mas do acaso (de circunstâncias que não dependem do facto de o conteúdo ser "bem" ou "mal", de modo que quer fosse um, quer fosse outro, qualquer um se poderia ter banalizado)... A banalidade destrói o significado das diferenças entre conteúdos (como já antes de Arendt dizia Kierkegaard, numa sociedade deste tipo a opinião de um marinheiro bêbado vale o mesmo que a do mais distinto dos homens, a opinião de leigo vale tanto como a de um bispo, e a opinião de um ignorante vale o mesmo que a de um especialista, porque tudo se tornou uma questão de opinião, e todas as opiniões valem o mesmo.
Não há apenas despolitização, mas também desmoralização, e não apenas desmoralização, mas também falta de estética, e etc., etc. Quer dizer, cria-se um ambiente cuja característica fundamental é a indiferença - e só porque essa é a característica essencial, de fundo, é que depois qualquer coisa se pode tornar o "assunto do dia", ou o "acontecimento da semana", ou a "opinião pública", ou a "tendência do eleitorado" - que, depois, também rapidamente pode mudar para o extremo oposto. Numa semana, Lula ganhava, mesmo preso; na outra ganha Bolsonaro. Como se nada se passasse. Arendt diz que o fenómeno de a Alemanha Nazi, depois da guerra, se converter instantaneamente numa democracia e voltar aos valores tradicionais com tanta facilidade é o mesmo fenómeno que permitiu que anos antes milhões transitassem da República de Weimar para o Nazismo sem dificuldade. De certo modo, os alemães, na sua maioria, não eram nazis. Como Eichmann não era realmente nazi, mas era responsável pelo programa de extermínio. Ele próprio sempre disse que não ligava nada para a política: foi uma oportunidade de emprego, e foi eficiente porque queria ser um bom funcionário e ter uma carreira de sucesso.

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