quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A Máquina do Mundo, de Paulo José Miranda

A propósito de Mundo, Violência e Jogo

A Máquina do Mundo é um livro inquietante.

É um livro sobre o mundo, um livro sobre a violência, sobre a violência do jogo do mundo.

E se a violência for a essência do jogo? Se o mundo é mundo na violência? Se o jogo é jogo pela violência?

Percebemos facilmente que a natureza envolve violência: o leão caça a gazela. Admitimos esta violência, reconhecemos que a há. Assumimos que a sociedade é, também ela, violência. Como os peixes que se comem uns aos outros - porque a violência é exercida pelos fortes sobre os fracos, porque a violência é quando há desequilíbrio. Percebemos isto muito bem. Sabêmo-lo.

E se não é só isto?

Habitualmente, atribuímos a violência a uma qualquer forma de vício, de corrupção, como se fosse uma doença, uma deficiência crónica - não só do jogo, do sistema, mas também dos intervenientes, dos jogadores. Há violência porque o sistema está viciado por agentes corruptos - há agentes corruptos num sistema viciado. Um vicia, os outros corrompem - ou uice-uersa. É difícil discernir se é o jogo que vicia ou o mundo que se deixa corromper, se são os agentes que corrompem ou se deixam viciar. Percebemos isto mais ou menos.

E se não é só isto? E se a violência for a essência do jogo?

Pois, "o que seria do mundo sem violência?" E se a violência não for apenas um vício do sistema, não for apenas uma corrupção dos agentes? E se a violência é o mundo?

O mundo é na violência, mas também pela violência. Não há apenas violência no mundo: não haveria mundo sem violência. Não é só o leão que morre de fome sem violência - não é só o poderoso que não o seria sem a sua força, sem a sua capacidade de exercer poder sobre os fracos. A haver mundo, há violência. E se for de facto assim?

O mundo é a máquina onde se joga. O jogo é a essência do mundo e a essência do jogo é a violência.

Mas o mundo é complexo, a humanidade está hoje muito longe de ser uma tribo de agricultores, "e com o incremento de possibilidades aumenta a complexidade da liberdade". Quem pode dizer - quem pode saber se é livre?

E se dedicamos toda a nossa seriedade no jogo, se empenhamos a nossa alma ao mundo e ao lado disso fica a vida?

Quantas vidas teremos de perder no jogo para darmos conta de que podemos ter uma vida?


Este é um livro que não nos deixa indiferentes, que não parece ter sido feito para as tardes de bronze na praia. Um livro que nos faz pensar sobre o mundo, sobre a vida e sobre a morte. Que nos faz pensar sobre o valor da vida, de uma vida, da morte e de uma morte. E que, afinal, nos leva a interrogarmo-nos a nós mesmos sobre nós mesmos, a nossa natureza, ou a ausência dela, a nossa vida, ou a ausência dela... a consciência de si, ou a ausência dela.


"A história do homem começa com a história da violência."

"o mundo não é outra coisa senão uma empresa, a Existe Lda., na qual apenas alguns participam nos lucros e os outros fazem o que lhes mandam, ainda que julguem que não é assim, que não estão a ser mandados, que têm livre-arbítrio social e político, ao invés de estarem a ser manipulados por quem realmente manda, por quem realmente decide"

A Máquina do Mundo, Paulo José Miranda

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