segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O estético como estádio natural do homem

A propósito do estádio estético


É muito comum os comentadores de Kierkegaard - sobretudo, os não especializados - descreverem o «estádio estético» como aquele em que «o homem se abandona à busca pelo prazer imediato». Esta descrição não é, de todo, apropriada. É certo que o prazer desempenha um papel importante no estádio estético, mas se fosse o prazer a característica definidora do estádio em causa (transversal a todas as suas desformalizações), então este chamar-se-ia «estádio hedonista», e não «estádio estético». Também não se trata apenas de haver nele a procura imediata da felicidade, caso em que se chamaria «estádio eudemonista».

Ou seja, não se deve confundir o estádio estético enquanto tal como uma, ou algumas das suas modulações, desformalizações possíveis, ou categorias. O prazer e a felicidade imediata são, de facto, duas categorias muito importantes no estádio estético, mas não é por isso que esse estádio se chama estético, nem é isso que o define como tal. O estádio estético é estético, precisamente, por ser «estético», no sentido técnico do termo: porque a exclusão das alternativas tem valência estética; ou, por outras palavras, porque as decisão tomadas pelo sujeito seguem as tensões de perseguição e de fuga imediatamente constituídas no sujeito.
Ou seja: aquilo que caracteriza a vida da maioria de nós, ou, talvez, de todos nós - é isso que define o estádio estético, o qual corresponde, para Kierkegaard, ao estado do «homem natural», àquilo que cada homem pode ser simplesmente em virtude daquilo que já encontra naturalmente constituído em si.

Ora, como a maioria de nós está neste estádio, quando tenta descrever o estádio estético, tem a tendência a defini-lo apenas por uma desformalização possível dele. Porque a maioria de nós dificilmente tem ângulo de visão para as alternativa ao estádio estético, ou seja, para os estádios ético e religioso, no sentido que Kierkegaard lhes atribui.

Por isso é que o estádio estético é o "estádio em que o indivíduo humano se encontra no início e na maioria das vezes": porque é o estádio em que o humano tem de começar a sua vida, e no qual a maioria dos indivíduos humanos se encontra toda a sua vida sem detectar que essa é apenas um modo, entre outros possíveis, de se estar na vida. Para a maioria, o estádio estético é, precisamente, tudo quanto a vida pode ser.

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