terça-feira, 11 de novembro de 2014

O milagre da multiplicação dos neurónios

A propósito de consciência e cérebro...


Um cientista diz "Um único neurónio não é capaz, por si só, de gerar nenhum comportamento ou pensamento", e a coisa parece ficar resolvida: pronto, é ingénuo pensar que um neurónio pensa, mas se supusermos milhões de neurónios e milhões de ligações entre eles a coisa parece resolver-se por si mesma. As dificuldades parecem desaparecer.

Esta ilusão é cimentada por haver âmbitos em que este afastamento realmente resolve as coisas. É o que acontece com a teoria da evolução das espécies: não se percebe claramente como é que um dinossauro vira galinha, mas se estendermos o processo por vários milhões de anos a coisa resolve-se sozinha: o dinossauro vai evoluindo, vai evoluindo, vai evoluindo até que chega a um ponto em que vira ave! Pronto. É como quando estamos a cozer batatas: chega um momento em que estão cozidas! Pronto.

Então a coisa parece ser igual com os neurónios: um neurónio é nada, uma sinapse nada é, mas se juntarmos muitos neurónios, muitas ligações entre eles, muitas sinapses, se multiplicarmos isto até um número em que já não conseguimos imaginá-lo, por exemplo, 10 elevado a 10, então parece que o mistério da consciência se resolve por si mesmo! A "multiplicação dos neurónios" é o mais grave e circunspecto milagre dos tempos modernos! Mais fantástico do que a multiplicação dos pães! É o mesmo que cortar o nó górdio - em vez de o desatar.

Há um fenómeno que ocorre com a nossa visão que é semelhante: certos quadros, quando vistos ao perto, parecem meros aglomerados de pontos sem qualquer sentido que os reúna numa unidade; contudo, quando nos afastamos surge perante nós um "quadro", um rosto, uma paisagem, etc. O afastamento em relação ao quadro cria um "quadro" que não havia: o haver afastamento insurge-se como solução para o problema de passar a haver uma imagem global com sentido. Tudo se passa como se o "afastamento" fosse a resposta e não o próprio problema: como é que o afastamento produz uma imagem com sentido a partir de uma multiplicidade?

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