terça-feira, 25 de agosto de 2009

O estereótipo da menoridade feminina, cont.

A propósito do Afeganistão, a mulher...

Cap. 2

O estereótipo da menoridade feminina significa, pois, que, no início e na maioria da vezes, se considera a mulher como não sendo maior. Além disso, na maioria das vezes toma-se a menoridade da mulher como inalterável, sendo duvidoso que ela possa vir a atingir a maioridade. Aliás, nós podemos observar que muitas mulheres muita vezes reclamam que, para serem consideradas tão eficientes, eficazes e capazes como os homens têm de o ser mais, e mais recorrentemente, que os homens.

A mulher tem de dispender um esforço superior para ser reconhecida. Na maioria das vezes o macho adulto toma a sua maioridade por garantida, e a comunidade está pronta a assegurar essa confiança. No entanto, a mulher tem de merecer esse reconhecimento. Este pormenor faz toda a diferença. A comunidade habituou-se desde sempre a esperar que um homem esteja na posse de todas as faculdades exigíveis a um ser humano, ao mesmo tempo que espera que uma mulher esteja em falta relativamente a essa normalidade. Assim, o homem é o padrão para a norma. A mulher está sujeita a ser pesada segundo as regras previamente definidas pela masculinidade.

Por outro lado, a menoridade da mulher não é um mero juízo acerca da força física ou das capacidades motoras da mulher. A mulher não só é fraca e descoordenada, como também incapaz de dominar a sua sensibilidade e de seguir um raciocínio correctamente. Antes mesmo que uma mulher abra a sua linda boca a comunidade espera que ela vá dizer qualquer coisa lamechas ou ilógica. Claro que se aceita que a mulher seja melhor a fazer certas coisas. Aceita-se pacificamente que a mulher está apta a fazer tudo aquilo que se considera condizer com a sua personalidade: tudo o que exigir uma sensibilidade apurada, pouca força, paciência, tempo disponível para gastar. À mulher estão reservadas todas as tarefas com que o homem não deve perder tempo. Todas as tarefas que a longa e sinuosa história da civilização se habituou a, de uma forma ou de outra, desconsiderar, foram entregues à mulher. Mesmo que hoje se considere que cuidar e educar os filhos é uma tarefa difícil, complexa e extremamente importante, a todos os níveis, a verdade é que, ao longo dos tempos, não foi mais que uma tarefa perfeitamente marginal. Isto é, marginal àquilo que era interessante e importante: a guerra, a política. Quando a Filosofia e as Artes eram importantes, elas eram do domínio dos homens. Quantas filósofas se conhecem na História (até à 200 anos, por exemplo)? E se podemos dizer que houve quem considerou que a educação das crianças era importante, isso foi para logo recomendar que não fossem as mães a fazê-lo. Houve excepções, mas clado, as excepções são excepções porque fogem a uma regra instituída.

A mulher não está, pois, segundo o preconceito aqui analisado, na posse plena das faculdades humanas. Na mulher as faculdades parecem atrifiar-se. Ou melhor, na mulher as faculdades boas parecem estar atrofiadas. Não parece ser boa ideia deixar-lhes o poder de decisão, pois não só parecem incapazes de chegar a uma conclusão por um processo racional, mas mesmo que o fizessem, não parecem capazes de se manter firmes. Inconstantes, volúveis e frágeis, eis as mulheres. A menoridade significa, pois, fragilidade. O menor é frágil, facilmente se magoa, não sabe bem o que quer, as suas decisões não são de levar a sério. Por isso é preciso que decidam pelo menor, por isso é preciso que decidam pela mulher.

A forma originária da comunidade lidar com a mulher é decidir por ela. Assim, está desde há muito decidido qual é o papel da mulher na comunidade, na família e em casa. De forma idêntica, ao homem compete ser seu tutor: primeiro o pai, depois o marido e, para qualquer eventualidade, lá estão os seus irmãos ou os seus cunhados. Essa regra antiga de casar com a mulher do irmão que morreu não é um tópico isolado na História do povo hebreu. Pelo contrário, é uma manifestação desse modo originário de lidar com a mulher: tutoriá-la.

Ser tutor da mulher, confiná-la, definir o seu espaço, decidir por ela, protegê-la - são tudo formas do mesmo modo de lidar com a mulher. Claro que este tutoriar pode apresentar diversas intensidades e formas. Por exemplo, a mulher pode tornar-se aquela que se protege a um grau mais ou menos extremo. O petrarquismo não é mais do que isso mesmo: a sublimação do tutoriar a mulher. Aliás, podemos observar todos os dias este fenómeno na forma como as pessoas hoje, muitas vezes, lidam com as crianças: protegendo-as em demasia, acarinhando-as extremamente, e, até, apararicando-a fazendo-lhe todas as suas vontades. A criança tornou-se um pequeno imperador, mas não deixou de ser menor, aliás, tornou-se ditadora por um fenómeno de sublimação da sua menoridade (de resto, os pais jamais agiriam assim se o menor não fosse, precisamente, menor, de tal modo que, quando o menor começa a ser visto como devendo não mais comportar-se como menor os pais percebem que agiram mal, pois não educaram o menor para a maioridade).

Este modo de tutoriar a mulher de forma a apaparicá-la, a protegê-la execivamente, a colocá-la numa redoma não deve ser visto como uma modo menos grave do preconceito da menoridade feminina. Pelo contrário, o apaparicar tende a eternizar essa mesma menoridade pois gera no menor o desejo de permanecer menor. Do mesmo modo como o pequeno imperador/ditador não aceita crescer e, quando os pais lhe exigem alguma responsabilidade, ele se recusa a largar a sua menoridade - também as mulheres não aceitam deixar de ser tratadas como menores quando o cavalheirismo entra em decadência. Mas o cavalheirismo é apenas uma forma de decidir pela mulher, de fazer coisas por ela: abrir-lhe a porta, pagar-lhe a conta, jamais a tratar como um igual. Para o cavalheiro a mulher é uma pequena relíquia a conquistar, ou uma frágil flor a colher, mas jamais um ser humano na posse de todas as suas faculdades. Mais do que isso, para o cavalheiro a mulher é algo de que pode tomar posse, algo que pode possuir.

Este aspecto da menoridade pode ser considerado o seu aspecto feudal: a mulher é o vassalo, o homem é o senhor; o senhor protege o vassalo, o vassalo deve obdiência ao senhor; o senhor possui vassalos, os quais lhe prestam vassalagem. A forma como a mulher se torna vassalo pode ser mais ou menos evidente, mas a vassalagem da mulher perante o homem vem de tempos imemoriais.

2 comentários:

  1. E se o cavalheirismo não passar de uma forma de a mulher exercer a o seu poder sobre o homem?

    E se o cavalheirismo não passar de uma forma de a mulher tornar o homem seu vassalo?

    Não é o cavalheirismo um comportamento típico das camadas ditas mais inteligentes da nossa sociedade?

    Então porque é que as mulheres mais inteligentes se deixarão tutoriar?

    Não será essa a forma de a mulher deixar que o homem pense que tem poder sobre ela?

    ...

    Quando na verdade é ele próprio, o homem, que está a prestar vassalagem?

    Bem, secalhar não...

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  2. Claro que a dada altura podemos pensar que estamos perante uma situação semelhante à do copo: está meio cheio ou meio vazio?
    De igual forma podemos perguntar se o jovem rebelde não será de facto quem manda lá em casa. E, afinal, quem é que exerce o seu poder sobre o quê: é o admirador ou é a obra de arte? Quem é que presta vassalagem: o guloso ou o doce?
    Vejamos então o cavalheiro: o cavalheiro abre a porta, paga o jantar, faz vénias a todas as mulheres. Nos romances do século XIX a mulher é uma peça decorativa ambulante que, não só decora a casa, como também fica bem numa amena cavaqueira! Ou então é o fruto proibido, o sal e a pimenta de um mundo diletante. Ou então é o ser inconstante, dominado pela sensibilidade que desmaia a cada piscar de olhos, que cora a cada tremor ou chora capítulo sim, capítulo não. O cavalheirismo pode ter diversas tonalidades, mas funda-se sempre num tomar posse que substitui a acção da mulher. É uma forma de sublimação da menoridade que se manifesta de modos aparentemente opostos à "tutorização".

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