domingo, 15 de setembro de 2013

A Coreia do Sul e o "smile lipt"

A propósito de sorrisos...

Na Coreia do Sul parece que as pessoas descobriram as enormes vantagens das operações plásticas. Quando a Coreia do Norte obrigou os seus concidadãos a usar os mesmos penteados, soube-se que na Coreia do Sul as pessoas voluntariamente se sujeitavam a operações para serem todas parecidas.

Agora, a Coreia do Sul, do alto do seu rápido progresso em ordem ao desenvolvimento científico e tecnológico, voltam a surpreender-me:

- uma nova moda ameaça tornar-se viral: chama-se smile lipt, e trata-se de uma cirurgia estética concebida para pôr as pessoas a sorrir permanentemente...

Parecem-me extremamente excessivos os contornos que a obcecação com o sucesso e com a "felicidade" tem no nosso mundo...  

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Ele está de volta, de Timur Vermes

A propósito de,

  30 de agosto de 2011. Um velho acorda num terreno baldio de Berlim. Deitado no chão, só vê o céu azul por cima da cabeça e fica surpreendido ao ouvir o canto dos pássaros, sinal de que estamos a testemunhar pelo menos uma pausa nos combates.

  O homem tem uma grande dor de cabeça e não sabe onde se encontra nem como ali chegou. Tenta lembrar-se do que fez na véspera: a amnésia não pode ser explicada pelo álcool – porque o Führer não bebe! Em vão, procura em redor o seu fiel Bormann. Hitler levanta-se com dificuldade e dirige-se para as vozes de três rapazes da Juventude Hitleriana, certamente de licença porque não estão fardados e jogam à bola. "Ei, velhote, olha p’ra isto! Quem é este velho?" "Devo estar mesmo com mau aspeto", pensa o Führer, ao registar a falta da saudação regulamentar. "Onde está o Bormann?", preocupa-se novamente. "Quem é esse?" "Bormann! Martin Bormann!" "Não conheço, tem cara de quê?" "De dirigente de topo do Reich!" Hitler olha novamente para os três rapazes. Estão de camisolas coloridas. "Jovem hitleriano Ronaldo! Onde fica a rua mais próxima?" Ninguém reage. Então, vira-se para o mais novo dos três, que aponta para um canto do terreno.

  No quiosque de jornais da terra, Hitler procura o seu velho diário Völkischer Beobachter. Só vê títulos turcos... "Estranho, os turcos permaneceram fora do conflito, apesar das nossas inúmeras tentativas de o associar à nossa causa." Desmaia ao ler a data, 30 de agosto de 2011, num dos jornais que não conhece. O dono do quiosque julga estar na presença de um ator saído de uma série de televisão. Deixa Hitler ficar uns dias com ele no estabelecimento. "Olhe que o senhor imita-o bem, hã?" Hitler fica indignado. "Pareço algum criminoso?" "Parece o Hitler", diz o vendedor de jornais. "Precisamente!", responde o Führer...

  Transformado em vendedor de jornais, o ditador é "descoberto" por uma empresa de conteúdos para televisão. Os produtores veem nele um "enorme potencial". Ele fica danado... O êxito do programa é impressionante. Desamparado, Hitler acordou numa sociedade onde o sucesso é medido em termos de audiências, em "gostos" no Facebook e coisas do género. Torna-se um ator cómico reconhecido... "O senhor vale ouro, meu caro! Isto é apenas o início, acredite em mim!", felicita-o o produtor.


Numa cultura em que se glorifica o sucesso o que aconteceria se Hitler voltasse?

É esta a pergunta que Vermes coloca e que motiva o livro. E esta pergunta é válida. E se um Hitler aparecesse hoje?

A resposta parece ser óbvia. Tendemos a imaginar Hitler como sendo um monstro. Mas esta imagem é virtual, é, na verdade, uma fuga - uma estratégia de defesa: parece que a culpa foi exclusivamente dele. O Mal é, assim, reduzido a Hitler. Contudo, a verdade é que Hitler não precisou de matar com as suas mãos porque teve milhões a seguirem-no, a admirá-lo, a idolatrá-lo.

Um Hitler não é uma figura monstruosa - pelo menos não a é no sentido vulgar.

Vulgarmente, um monstro é uma criatura feia, que causa repulsa. Hitler não foi nada disso. Quando se fala da possibilidade de surgir um novo Hitler não se deve considerar essa possibilidade como se se tratasse de um monstro, alguém que causa repulsa. A figura de um hitler não tem nada que ver com repulsa, muito pelo contrário. Tem que ver com atracção. Um hitler é uma figura que exerce atracção sobre as pessoas, sobre os seus concidadãos, sobre a esmagadora maioria dos homens e das mulheres que o ouvem e escutam.

Isto não quer dizer que eu admiro Hitler. Pelo contrário. Hitler causa-me repulsa. Da mesma maneira, suponho que a maioria de nós não admira Hitler. Suponho que o Hitler histórico, essa figura que existiu no passado da Europa, nos causa repulsa à maioria de nós. E isso é assim porque esse Hitler se tornou, para nós, um monstro - se quisermos, porque se revelou a sua verdadeira natureza: monstruosa. Hitler foi um monstro.

Contudo, Hitler não foi um monstro para os homens do seu tempo. Foi um político com um talento fantástico. Exercia um fascínio a que poucos foram capazes de resistir. É isto que é um hitler. Uma figura fascinante, capaz de cegar todos à sua volta, capaz de tornar homens em máquinas, humanos em marionetas. É por isso que a pergunta é válida: estaríamos, hoje, em condições de resistir ao talento de um hitler?

A verdade é que vivemos numa sociedade dominada pelo sucesso. Ora, hitler é a figura do bem-sucedido por excelência.

Vermes põe uma hipótese - mas haveria tantas outras. Tantas formas de um hitler se impor.

Em geral, penso que há um perigo em banalizar a figura de Hitler. Há mesmo um grande perigo em rir de Hitler. O Hitler dos comediantes parece-me sempre monstruoso - justamente porque faz rir. Ajuda, de facto, a dar descanso às almas. Parece, de facto, que houve apenas um culpado: Hitler. Um culpado de quem agora nos rimos, como por uma espécie de castigo, ou como sinal de indiferença, ou como forma de passar à frente e perdoar - não Hitler, mas todos os outros.

Ora, uma das mais-valias deste livro é mostrar que o busílis não está em hitler - não o está exclusivamente, nem o está primordialmente. O busílis está, precisamente, na consciência de cada um, na facilidade com que ela pode ser adormecida, com que ela pode ser silenciada. O busílis está, precisamente, na indiferença, no descanso da alma, na desculpa. Porque há coisas que não têm desculpa, que não devem ser deixadas para trás e perante as quais jamais se deve permanecer indiferente sob pena de perdermos aquilo que, no sentido mais nobre, faz de nós humanos.


“Temos em excesso um estereótipo de Hitler, sempre o mesmo: o monstro que nos deixa tranquilos. Eu próprio, durante muito tempo, aceitei essa visão de Hitler. Mas ela não basta. Hitler exercia um verdadeiro fascínio. Se tantas pessoas o ajudaram a cometer crimes, foi porque gostaram dele. As pessoas não elegem um louco. Elegem alguém que as atrai ou por quem sentem admiração. Apresentá-lo como um monstro equivale a fazer dos seus eleitores idiotas. E isso tranquiliza-nos. Pensamos que, hoje, somos mais inteligentes. Nunca elegeríamos um monstro nem um palhaço. Mas, na época, as pessoas eram tão inteligentes como nós! Isso é que custa... Muitas vezes, diz-se que, se um novo Hitler surgisse, seria fácil de contrariar. Tentei mostrar, pelo contrário, que ainda hoje, Hitler teria boas hipóteses de ser bem-sucedido. Só que de outra forma."
 Timur Vermes 







quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Deste tempo, deste mundo

A propósito deste mundo


E o senhor elogiou o feitor de injustiça pois fez sensatamente: pois os filhos deste tempo são mais sensatos do que os filhos da luz na sua própria geração.
Lucas 16:8
καὶ ἐπῄνεσεν ὁ κύριος τὸν οἰκονόμον τῆς ἀδικίας ὅτι φρονίμως ἐποίησεν· ὅτι οἱ υἱοὶ τοῦ αἰῶνος τούτου φρονιμώτεροι ὑπὲρ τοὺς υἱοὺς τοῦ φωτὸς εἰς τὴν γενεὰν τὴν ἑαυτῶν εἰσιν.

O "senhor" a que o trecho se refere não é Jesus, nem Deus, mas sim o senhor para o qual trabalha o feitor. O "feitor" - literalmente, "aquele que gere a casa", οἰκόνομος - utiliza as suas artimanhas, em seu proveito, com injustiça. O seu senhor, i.e., o seu patrão elogia-o, mas não elogia a injustiça. O feitor, de facto, enganou o patrão, mas o patrão, não se sabendo enganado, fica contente com a colecta que o feitor apresentou. Contudo, o feitor foi efectivamente esperto porque fez com que os registos coincidissem com a colecta apresentada - na verdade, os registos não foram justos: o feitor fez com que fossem feitos em seu proveito e não em proveito do seu patrão, nem em proveito do que é justo. Mas justamente pela sua esperteza o feitor acabou por ser elogiado pelo patrão enganado.
Aqueles que se preocupam com as coisas do mundo são mais espertos, mais eficazes e mais proficientes do que aqueles que se ocupam da luz - justamente porque não se preocupam com as coisas do mundo parecem descoordenados e insensatos.

Ninguém se engane a si mesmo. Se alguém julga ser sábio entre vós neste tempo, que se torne estúpido, para que venha a ser sábio.
1 Coríntios 3:18
Μηδεὶς ἑαυτὸν ἐξαπατάτω· εἴ τις δοκεῖ σοφὸς εἶναι ἐν ὑμῖν ἐν τῷ αἰῶνι τούτῳ, μωρὸς γενέσθω, ἵνα γένηται σοφός.
Mas a sabedoria do mundo é ignorância, de tal modo que para adquirir a verdadeira sabedoria é preciso ser ignorante nas coisas do mundo. A sabedoria do mundo é apenas uma ilusão em que cada um se ilude a si mesmo.



Respondendo-lhe disse o senhor: «Marta, Marta, ansiosa e afligida por tantas coisas, mas uma [apenas] é precisa. De facto, Maria escolheu a boa parte a qual não lhe será retirada.
Lucas 10:41-42
ἀποκριθεὶς δὲ εἶπεν αὐτῇ ὁ κύριος, Μάρθα Μάρθα, μεριμνᾷς καὶ θορυβάζῃ περὶ πολλά, ἑνὸς δέ ἐστιν χρεία·Μαριὰμ γὰρ τὴν ἀγαθὴν μερίδα ἐξελέξατο ἥτις οὐκ ἀφαιρεθήσεται αὐτῆς.
As pessoas ocupam-se de tantas coisas que acabam na aflicção. A imensidão de coisas que as preocupam apertam-nas, sufocam-nas. Nessas aflições gastam tempo de vida, mas gastam a vida em coisas que são deste mundo e que, portanto, pertencem ao mundo. Não podem ser levadas e uma vez que chegue a morte tudo fica no mundo mas vai-se a vida e vai-se o tempo. Assim, as pessoas gastam a vida com coisas que só servem enquanto há tempo e servem na medida do mundo. E este é o problema, porque então a morte, se só se têm coisas do mundo, reduz tudo a nada e vai-se tão nu como se chegou ao mundo - por mais riqueza, sucesso, fama ou felicidade se tenha acumulado no mundo, sendo coisas do mundo, são sempre do mundo. Na verdade, nada disso chega alguma vez a ser, verdadeiramente nosso. Na verdade, nem mesmo se conquistarmos o mundo inteiro ele nos pertence. Nada do mundo pode ser adquirido pelo humano, justamente porque é do mundo, é exterior, é outra coisa.
Ou já se nasceu com tudo o que é preciso, ou nada do que é verdadeiramente preciso pode alguma vez ser adquirido. Ou se tem adquirido desde início tudo, ou nada vale a pena. Ou tudo ou nada. Só o que desde sempre já estava adquirido não nos pode ser retirado - desde que o escolhamos e o preservemos.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Se alguém quer seguir-me, negue-se a si mesmo

A propósito de Jesus

Disse Jesus assim: "Εἴ τις θέλει ὀπίσω μου ἔρχεσθαι, ἀρνησάσθω ἑαυτὸν" ("Se alguém quer seguir-me, negue-se a si mesmo") - Lucas 9:23.


Jesus foi uma figura revolucionária porque aquilo que ele disse e fez não se enquadrava no comum, habitual e consensual. Aliás, aquilo que Jesus disse e fez não se enquadra, ainda hoje, tal como naquele tempo, no comum, no hábito, no consenso.

Habitualmente, as pessoas gostam de recorrer às palavras de Jesus, mas fazem-no para confirmar e apoiar aqueles pensamentos e aquelas ideias que julgam ser as melhores opiniões disponíveis. Ao fazerem isto não tomam verdadeira atenção às palavras para perceber o que está a ser dito. O comum dos mortais tem certas ideias feitas e parece-lhe que Jesus deve ter querido dizer aquilo que ele mesmo diria.

Mas Jesus não é um mestre qualquer. Quando pedem que Jesus os deixe seguirem-no, Jesus não se mostra entusiasta, de fácil trato, capaz de tudo para ter uma boa multidão atrás de si. Pelo contrário. A um que pede que Jesus espere enquanto ele vai enterrar o pai, Jesus diz que deixe os mortos enterrarem os mortos. A outro que pede a Jesus que espere enquanto se vai despedir da família, Jesus exige que não olhe para trás. Jesus chega ao ponto de explicar que quem o quiser seguir tem de odiar - sim, ODIAR - a família, odiar a própria alma... quem é este mestre que exige que cada um se negue a si mesmo, negue a sua mãe, a sua mulher, a sua riqueza, os costumes, até a moral, para o seguir???

De facto, o costume de enterrar os mortos é antigo. Mas Jesus não parece importar-se com esse velho costume - que pode ser considerado um preceito moral, um hábito de respeito para com o falecido, para com o familiar desaparecido. É velho o preceito de respeitar pai e mãe - mas Jesus exige que quem vai ter com ele odeie o seu próprio pai e a sua própria mãe (Lucas 14:26)...

Esta forma de falar é mais evidente em Lucas, o qual parece menos preocupado com a reputação de Jesus. Seja como for, é evidente que não devemos aproximar-nos da figura de Jesus convencidos de que estamos na posse de uma clareza de juízo, como se pudéssemos esperar que Jesus se nos dirigi-se com as mesmas ideias que nós já temos. Devemos aproximar-nos de Jesus com a mente aberta... muito aberta.




terça-feira, 3 de setembro de 2013

Férias 2013

A propósito de livros...


É habitual recomendarem-se livros para se lerem durante as férias. Mas por que não recomendar livros depois das férias? Justamente, nas férias, lemos alguns dos livros com mais interesse, sem outro motivo que não o interesse neles. Por isso, depois das férias deste ano, recomendo estes dois pequenos livros, que são dois estudos bastante profundos, muito interessantes e perspicazes:

de António de Castro Caeiro, Por Si  Próprio (Com base em Max Scheler),
de Diogo Morais Barbosa, Natura Semper in se Curva - a vinculação a si e a possibilidade de desvinculação segundo Duns Escoto

ambos da colecção Cadernos - Centro de Estudos de Filosofia, Universidade Nova de Lisboa, coordenada por Maria Luísa Couto Soares e com a chancela da Fundação Eng. António de Almeida