quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Se a felicidade fosse o princípio da ética, tudo seria permitido.

A propósito do princípio da felicidade


Que se apresente o princípio da felicidade como o princípio determinante da moralidade é algo que deve parecer, ao mais simples senso-comum, como uma parvoíce.
Imaginemos que o Jonas se justifica perante o seu amigo Amélio, pelo facto de o ter roubado, explicando que o fez porque era a coisa correcta a fazer. Com certeza, o Amélio procurará saber por que terá sido a coisa correcta a fazer o Jonas ter-lhe roubado as suas coisas. Suponhamos que Jonas explica que roubou o dinheiro do Amélio para poder pagar a operação do filho. Talvez o Amélio se sinta ofendido por Jonas não lhe ter pedido o dinheiro, em vez de o ter roubado.
Agora imaginemos que o Jonas se justifica afirmando que roubou porque isso o faria mais feliz. Com certeza, o Amélio pensará que arranjou um psicopata como amigo. Suponhamos que Jonas explica que roubou o dinheiro do Amélio para poder pagar a operação do filho, porque devolver a saúde ao seu filho o tornaria mais feliz, e tudo quanto Jonas quer é ser feliz. Talvez o Amélio compreenda que Jonas se sinta mais feliz com o filho saudável. Mas decerto o Amélio não desculpará Jonas em virtude de Jonas ter agido para alcançar a felicidade, embora o possa desculpar por ter agido para devolver a saúde ao filho.
O facto de o roubo ter promovido a felicidade de quem o praticou parece indiferente em relação à justificação ética do acto. Raramente alguém aceita que outros justifiquem o mal que lhe fazem com a desculpa de que agiram para serem felizes. É muito mais comum que o próprio sujeito que age o faça para ser feliz, do que alguém tentar justificar-se apelando para o facto de ter agido para se tornar feliz. A felicidade pode ser o princípio do que fazemos, mas não o princípio do que devemos fazer.
Se a felicidade fosse o princípio da ética, tudo seria permitido. Aliás, é por isso que, à primeira vista, se Deus não existe, tudo é permitido. Porque, se Deus não existe, então, aparentemente, Deus foi substituído pela felicidade, e se a felicidade é o princípio da ética, então tudo é permitido.

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