domingo, 10 de abril de 2016

A sociedade como linha de montagem



A propósito de coisas... Sobre a coisificação do homem...

Penso que a imagem da sociedade como "linha de montagem" está correcta em muitos aspectos, designadamente, nos essenciais: fabricação autonomizada e em série de elementos idênticos. A a produção em série como produção de "autonomização" e "igualdade" é um dos aspectos mais importantes. De facto, a sociedade de massas "autonomiza" o sujeito ao mesmo tempo que garante a igualdade dos objectos finais... Isto é curioso, porque, à primeira vista, tenderíamos a pensar que "autonomização" e "igualdade entre elementos de uma série" seriam coisas antagónicas. Mas é de facto assim, o objecto final de uma linha de montagem está autonomizado e homologado. Talvez por isso os críticos da sociedade contemporânea não consigam entender-se sobre se o que a caracteriza é o "individualismo extremo" ou a "carneirização absoluta".

Mas há um problema com a imagem da sociedade como linha de montagem. Esta imagem pressupõe um "objecto original", ao qual se vão acrescentando as partes (na cresce, no infantário, na escola, na universidade, no emprego, no lar, no hospital)... Na verdade, o processo de produção nunca pára, e este é o segredo da coisa! O objecto está sempre na linha de montagem, sempre à espera de mais uma peça... Mas, seja como for, presume-se que houve um "objecto original" ao qual se adicionaram peças, de tal modo que, no "objecto final", o "objecto original" praticamente desapareceu... O objecto "autêntico" só pode ser aferido por relação a um "objecto final" ideal, que nunca está efectivamente acabado. Por sua vez, do "objecto original" não se tem qualquer notícia!

O problema com esta imagem é, portanto, que sugere que há um "objecto original" que, de algum modo, ainda ali permanece: a função do "objecto original" é a de suportar as peças que lhe vão sendo acrescentadas. Como se sabe, a tradição filosófica chama a esta peça original "substância", e os gregos chamavam-lhe "coisa". Pessoalmente, prefiro a designação grega: coisa. The thing. A "coisa original" por baixo de todos os acrescentos... O cinema tem-nos brindado com boas análises do que possa ser essa "the thing"...

Na filosofia, os filósofos têm-se dividido entre aqueles que acham que a coisa é, essencialmente, má. E aqueles que acham que a coisa é, essencialmente, boa.

E este é o problema da metáfora da sociedade como "linha de montagem", porque presume que há nos homens uma "coisa original", presumivelmente boa, à qual poderemos fazer aproximações à medida que a limpamos dos acrescentos. Presume-se que a coisa é boa, mas a sociedade é que a corrompe...

Na verdade, está em causa uma compreensão essencialista do homem. Uma interpretação ôntica do homem. Uma forma de considerar que o homem é uma coisa.

E a coisificação do homem é sempre uma desumanização.

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