A propósito de mal radical...
Segundo Kant há o mal inato e radical (de raiz, originário), e há também uma culpa inata... E a tentação é lermos estes termos e interpretarmos o resto que ele diz por estes termos... Mas Kant não está a dizer em lado algum que há um mal no homem desde que nasce que o leva a cometer o mal, nem que já se nasce culpado...
O que Kant diz é mais ou menos isto:
Originariamente no humano há duas propensões, independentemente de quando o sujeito venha a tomar consciência delas... porque nós nascemos ainda bebés e tal...
Mas lá estão, originariamente, como constituintes do humano, duas propensões. Uma delas é o amor de si mesmo que tende para a felicidade e essas coisas que nós sabemos que a natureza quer. Desde cedo o sujeito parece entregue a este elemento da sua natureza. A outra é a propensão para o bem.
Bem, até aqui temos a consciência ingénua. Não temos propriamente mal, e também não há propriamente bem. Há duas propensões.
Então, estas duas propensões chocam. Não podem ser ambas satisfeitas. Surge a contradição para si. Surge, propriamente falando, a consciência moral... Note-se: sem o choque não havia contradição, sem contradição não havia mal nem bem... Ou seja, havia dois elementos que eram contrários em si mesmos, mas que só quando são postos no mesmo medium - a consciência - se tornam contrários para o sujeito e, então, é preciso decidir. Portanto, é pela constituição da contradição que o elemento do amor de si se torna mal porque está posto como contrário do bem, e vice-versa. E ao constituir-se a consciência enquanto contradição entre possibilidade de bem e possibilidade de mal o sujeito torna-se consciente de que é livre... Neste sentido constitui-se também a culpa inata...
Quer dizer, o sujeito não nasceu culpado, mas acontece que no momento em que se torna consciente -no sentido de consciência moral -, no momento em que se constitui a contradição, surge o mal como possibilidade e, por isso, como tentação e, neste sentido, o sentimento de culpa que a pessoa já sente só porque se sente tentado...
Assim, o mal é radical... é radical à liberdade porque desde que o sujeito toma consciência de ser livre encontra-se já sempre confrontado com a possibilidade do mal... e é por isso que há propriamente DEVER. Em Kant a santidade e a divindade - a existirem - não têm nenhum dever, nem nenhum imperativo, e isto é assim porque o seu querer já coincide per si mesmo com a lei... isto é, o seu querer não está cindido, não tem que fazer nenhum esforço para o bem. E isso quer dizer, também, que não há propriamente uma consciência... A santidade é uma espécie de genialidade que faz o bem naturalmente. Não há propriamente mérito nisso, nem há uma vontade boa no santo.
terça-feira, 20 de janeiro de 2015
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