segunda-feira, 4 de junho de 2012

Ninguém é justo por sua vontade

A propósito do anel de Giges

O episódio do anel de Giges é relatado por Platão na República, 359c - 360d.

Trata-se de um anel capaz de tornar invisível quem o possui. Com a estória do anel, Gláucon, a personagem que a relata, pretende mostrar que, se dermos o poder de fazerem o que quiserem a duas pessoas, uma justa e uma injusta, como se fossem iguais aos deuses, ambas farão o caminho da ambição. Com isto, Gláucon defende que ninguém é justo por vontade própria, mas por constrangimento.

Esta questão é moral. O que se pergunta é se há pessoas justas e injustas, ou se são todas igualmente ambiciosas. Ou seja, se se der a alguém a possibilidade de agir sem sofrer consequências, será que essa pessoa agiria justa ou injustamente conforme fosse de natureza justa ou injusta, ou será que, fosse quem fosse, uma vez na posse desse poder, agiria sempre em proveito próprio, sem se importar com o que é justo?

A questão parece simples, mas não o é. A sua complexidade, no entanto, começa na confusão dos conceitos. O que se quer dizer por "justo", ou "justiça", e por "injusto" ou "injustiça"?

Esta pergunta é moralmente fundamental, pois está em causa saber se há pessoas justas e pessoas injustas, independentemente de saber o que fez ou faz delas justas ou injustas, ou se todas as pessoas são naturalmente injustas.

Esta questão levar-nos-ia a muitas outras. Por exemplo: mesmo que haja pessoas que são justas e pessoas que são injustas, o que fez delas justas ou injustas? Tornaram-se justas ou injustas pela experiência, ou são assim por natureza? Quer sejam assim por natureza, quer sejam assim pela experiência, se as pessoas agem injustamente por serem injustas deverão ser consideradas moralmente culpadas pelos seus actos? Se a pessoa justa não poderia agir de outra forma senão de acordo consigo mesma, isto é, justamente, deverá ser louvada por agir assim?


Post-scriptum:
Ora, a questão que está em causa na estória do anel de Giges é diferente da seguinte: será que não poderão dar-se circunstâncias capazes de fazer vacilar e cair até o mais intrépido dos justos?

Gláucon afirma que, dadas iguais oportunidades ao que é tido por justo e ao que é tido por injusto, ambos agirão por ambição. Mas ainda podemos perguntar: mesmo que existam pessoas justas que, podendo fazer o mal sem serem apanhadas, escolhessem fazer o bem, não poderão acontecer-lhes coisas na vida tão catastróficas que as levem a agir injustamente? (ver Simónides PMG 542)

1ª questão:
Haverá alguém que, podendo fazer o que quiser, como se fosse um deus, agiria bem e justamente?

2ª questão:
Haverá alguém que possa evitar ser mau quando as circunstâncias são extremamente más?

Note-se que a noção de "extremamente más" é indistinta e confusa. Será que perder um membro é extremamente mau? E perder um filho? Parece depender de pessoa para pessoa. De resto, seja o que for que alguém suporte pode sempre imaginar-se algo pior.



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