sexta-feira, 24 de julho de 2015

Imperativo Categórico e suas aporias

A propósito de Imperativo Categórico e suas aporias...



Portanto, quando normalmente se acusa Kant de ter transformado o Dever numa coisa fria e sem sentimento não se percebeu nada do que ele diz. Pelo contrário: o Dever é uma paixão, um interesse, um amor incondicional.

O problema é que Kant não conseguiu demonstrar que a razão possa produzir qualquer coisa como um Dever, um constrangimento a agir. Ou seja, mesmo que seja verdade que a razão produz regras objectivas (e isto também não é imediatamente claro, nem parece que Kant o tenha demonstrado) - mas, mesmo que a razão produza regras objectivas, Kant não conseguiu de modo nenhum mostrar que a razão possa, por si mesma, dar-lhes a forma de constrangimento...


Como ele próprio admite, aquilo que não se consegue explicar é como pode uma regra racional tornar-se prática, como pode algo objectivo tornar-se subjectivo, como pode a razão compelir a agir, como pode a actividade racional produzir interesse por si mesma... tal como também não se consegue perceber como é que um sujeito pode - porque a experiência mostra que ele o pode - preterir um imperativo categórico e preferir um imperativo apenas condicional, quando o imperativo categórico é aquilo que é representado como objectivamente válido. Em resumo: não se consegue perceber como é que pode surgir tal coisa como o Dever - e depois também não se percebe de modo nenhum como é possível ao sujeito não cumprir o seu próprio Dever sem se suicidar a seguir...

Dever e Amor, em Kant

A propósito de amor e dever...


Outra ideia absurda é a de que, para Kant, a ética é destituída de amor... Esta ideia só pode existir na cabeça de quem não perceba que há formas de amor para além do "amor patológico" e do "amor prático" - que são formas de amor que Kant exclui por não poderem constituir, devido à sua própria forma (condicional), um dever. Ou seja: também no Dever há amor - mas tem de ser incondicional. "Incondicional" no sentido de Kant - e não no sentido em que qualquer sujeito pode gabar-se de supostamente amar incondicionalmente o seu filho.


Ou seja, o facto de alguém dizer que ama incondicionalmente o seu filho não prova nada. Ver-se-ia até que ponto ele o ama incondicionalmente se, de repente, tudo aquilo que imediatamente o liga ao seu filho - na forma de "amor patológico" (inclinação imediata) - desaparecesse... Ou seja, o amor é incondicional quando, evidentemente, se dirige até mesmo ao sujeito desconhecido, até mesmo ao inimigo - e não apenas sob a condição de ser o "meu filho" que eu amo na condição de ter um "sentimento imediato" por ele...

Kant e o desejo

A propósito do interesse ético...



Segundo Kant - e contra todas as wikipédias e manuais que, com certeza, não o leram - a acção envolve sempre um "fim" e um "desejo" por esse fim, e envolve ainda uma representação do "fim" acompanhada do "sentimento de prazer", sendo que se há "desprazer", então não há desejo, mas sim aversão.
O ponto de Kant é que esta apresentação formal da acção pode desformalizar-se de muitas maneiras. Assim, não há apenas desejos "empíricos" ou "inclinações", ou seja, segundo Kant, não há apenas uma origem para os nossos desejos e não compreender isto é não perceber o que ele está a dizer, de modo que tudo o que ele diz passa a parecer abstracto. 
Assumir que todos os desejos são inclinações é negar desde início todo o esforço de Kant para sustentar a ética na razão.


O decisivo é compreender que, segundo Kant, há um interesse meramente racional: os desejos podem resultar exclusivamente da actividade da razão pura, de modo que esta constrange por si mesma o indivíduo, produzindo formas imperativas. Assim, a razão pura torna-se prática.




Distintas confusões daquilo que Kant diz acerca do dever prejudicam a compreensão vulgar da sua teoria ética. Uma das mais divulgadas - apesar de Kant se lhe opor explicitamente por diversas ocasiões - é a ideia ridícula de que, para Kant, uma acção autenticamente ética não pode ser acompanhada nem de sentimento, nem de desejo... Pelo contrário, Kant desunha-se para mostrar que toda a acção envolve a representação de um "fim" e de um "interesse" por esse fim, de modo que aquilo que é característico da acção ética é que há um interesse por um fim específico, que é o próprio Dever. Ou seja, Kant esforça-se ao máximo por mostrar que, em termos éticos, a categoria "Dever" é tudo quanto deve ser desejado.


"Um imperativo é uma regra prática pela qual uma acção em si mesma contingente é tornada necessária. Um imperativo difere de uma lei prática em que uma lei efectivamente representa uma acção como necessária, mas não considera se essa acção já é inerente por força de uma necessidade interna ao sujeito agente (como num ser santo) ou se é contingente (como no ser humano), pois quando ocorre o primeiro desses casos não há imperativo. Por conseguinte, um imperativo é uma regra cuja representação torna necessária uma acção que é subjectivamente contingente e assim representa o sujeito como aquele que tem de ser constrangido (compelido) a conformar-se à regra. Um imperativo é categórico quando representa uma acção como objectivamente necessária [...] através da mera representação dessa própria acção (sua forma)".

Kant, Metafísica dos Costumes

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Cristãos honestos



A propósito de cristãos honestos...




"Os ateus insultarem um deus no qual não acreditam é amadorismo; é preciso um crente religioso para fazer o trabalho bem feito e insultar um deus que ele pensa ser real."
"a única coisa que garantidamente é comum a todas as religiões é a inevitabilidade de desfigurarem a imagem de Deus em palavras e acções"

Malcolm Heath, Eccumenical Paradoxes







"a piedade do homem é pura blasfémia contra Deus e o maior pecado que o homem comete. Assim, as maneiras agora em voga no mundo - as formas que o mundo considera como adoração a Deus e como piedade - são piores aos olhos de Deus do que qualquer outro pecado"

Lutero, The Catholic Epistles




A religião "é a necessidade humana na qual o poder do pecado exercido sobre o homem está claramente demonstrado"

Karl Barth, [commentary on] The Epistle to the Romans




"a religião é falta de fé; a religião é uma preocupação - de facto, temos mesmo de dizer que é a preocupação - dos homens sem fé" ... "[digo isto] não apenas para os membros das outras religiões, mas sim, antes de mais, para nós mesmos enquanto membros da religião cristã"

Karl Barth, On Religion: The Revelation of God as the Sublimation [Aufhebung] of Religion

Ética e Sittlichkeit

A propósito de ética e superação...

Segundo Kierkegaard há duas imposturas - entre outras - que devem ser ultrapassadas quando se trata de ética.

1) A ideia de que o ético corresponde aos costumes, aos hábitos e às leis de uma certa comunidade ou de um determinado povo (a Sittlichkeit de Hegel). 

2) A ideia mais geral de que a ética consiste num conjunto de regras (Kant)